- 29 de outubro de 2024
Folha de S. Paulo
A Polícia Federal prendeu ontem 46 pessoas -entre políticos, empresários, assessores e ex-assessores de congressistas- acusadas de patrocinar a compra de ambulâncias superfaturadas por prefeituras. A fraude, que teria movimentado cerca de R$ 110 milhões desde 2001, passaria pela elaboração do Orçamento e por sua execução, respectivamente pelo Congresso e pelo Executivo.
Entre os presos estão dois ex-deputados federais, Ronivon Santiago (PP-AC) e Carlos Rodrigues (PL-RJ), além de pelo menos dez assessores e ex-assessores de congressistas, entre eles um do senador Ney Suassuna (PB), líder da bancada do PMDB. A PF não divulgou o nome dos alvos de outros oito mandados de prisão que não haviam sido cumpridos até o início da noite de ontem.
No Ministério da Saúde, órgão do Executivo que teria integrantes do esquema, a PF executou uma ação de busca e apreensão de documentos. Prendeu também, em Brasília, a assessora da pasta Maria da Penha Lino, que trabalhava no gabinete do ministro desde 2005. Outros dois servidores foram exonerados do cargo.
Chamada de "Operação Sanguessuga", a ação teve início às 6h, em seis Estados e no Distrito Federal, e foi coordenada pelo delegado Tardeli Boaventura, diretor regional da PF em Mato Grosso.
Os deputados e o senador que tiveram assessores e ex-assessores presos são suspeitos de participação no esquema. No entanto, pelo fato de terem direito a foro privilegiado, não tiveram pedidos de prisão apresentados à Justiça.
O número de políticos envolvidos na investigação da PF e do Ministério Público é bem maior. A PF encaminhou documentos à Procuradoria Geral da República, ao Supremo Tribunal Federal e à Câmara e ao Senado para que sejam investigados 65 parlamentares, incluindo três integrantes da Mesa Diretora. Eles são citados em graus diferentes de suspeição.
Esse número pode ser maior ainda, já que o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, examina lista com mais de 80 parlamentares que apresentaram emendas ao Orçamento da União nos últimos anos para compra de ambulâncias. Souza fará um pente-fino na lista. Se considerar que há indícios e provas, deverá denunciar os parlamentares ao STF.
A Folha apurou que, por ora, a PF não tem indícios ou evidências de supostas conexões de ex-ministros da Saúde com a quadrilha. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, avisou previamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva da operação.
Segundo a PF, só em Mato Grosso foram abertos mais de 70 inquéritos, em que se realizaram centenas de quebras de sigilo telefônico, fiscal e financeiro. Nas conversas gravadas, os nomes de parlamentares são citados várias vezes. Em algumas gravações, aparecem até alguns parlamentares conversando com os envolvidos. "Há indícios de que eles podem ter sido beneficiados pelo esquema", disse o delegado.
Os 46 presos até o início da noite de ontem foram autuados de acordo com a participação que tiveram no esquema. Há acusações de crime contra ordem tributária, corrupção passiva e ativa, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, fraude em licitação e tráfico de influência.
O esquema
Todo ano o Executivo envia ao Congresso a proposta de Orçamento federal para o ano seguinte. Ela é analisada então pela Comissão Mista de Orçamento, sendo que cada um dos 594 deputados e senadores têm direito a inserir no texto as chamadas emendas parlamentares. Geralmente, elas destinam verbas para obras e investimentos nos redutos eleitorais dos congressistas.
O esquema apontado pela PF consistiria, basicamente, em fraudar a execução dessas emendas. Integrantes do Congresso (que inserem as emendas no Orçamento), do Executivo (que liberam a verba), das prefeituras (geralmente, as beneficiadas pela verba) e empresários entrariam em conluio para superfaturar a obra ou investimento em questão, no caso a aquisição de ambulâncias. O valor a mais seria dividido entre os integrantes do esquema.
O empresário Darci José Vedoin é apontado como líder da quadrilha. Ele é dono da Planam, empresa com sede no Mato Grosso que monta ambulâncias e unidades móveis de terapia intensiva.
Segundo a PF, a partir de 2001, a Planam, por meio de Darci e seus representantes, procurava as prefeituras oferecendo um pacote pronto para compra das ambulâncias. Esse pacote incluía a garantia de que parlamentares apresentariam emendas ao Orçamento para garantir a verba. Com o dinheiro garantido, a prefeitura teria de apresentar ao Ministério da Saúde um projeto para comprar o veículo.
A compra teria de ser feita por uma licitação viciada, no modelo carta-convite. Além da Planam, outras quatro empresas fantasmas participariam da licitação. A família do empresário Vedoin teria criado mais de 23 empresas de fachada, segundo a PF.
A empresa de Vedoin acabava vencendo todas as licitações e cobrava das prefeituras 10% de propina, o que daria cerca de R$ 11 mil por ambulância.
No Ministério da Saúde, a assessora Maria da Penha Lino, que já trabalhou na Planam, agia, segundo a PF, para acelerar a aprovação dos projetos das compras das ambulâncias, em troca de propinas. Segundo a PF, desde 2001, foram adquiridas mais de mil ambulâncias dentro do esquema.
Outros congressistas
Apesar de a PF não divulgar o nome de todos os investigados, os deputados Reginaldo Germano (PP-BA) e Laura Carneiro (PFL-RJ) falaram sobre o suposto envolvimento de pessoas ligadas a eles no esquema. Esses nomes foram ventilados por agentes da PF de forma reservada. Suspeita-se que sejam alvos de mandados de prisão ainda não cumpridos.
Germano disse duvidar que uma assessora sua estivesse envolvida. Carneiro afirmou que a suspeita recai sobre um "amigo" que a ajuda em campanhas no Rio, mas que essa pessoa não tem vínculo com seu gabinete.
Entre os presos está Wilber Corrêa da Silva, que trabalhou na Liderança do PMDB na Câmara entre 2001 e 2003. O líder à época, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), disse desconhecê-lo. "A Liderança tem 200 funcionários, é difícil conhecer todo mundo, mas se ele errou, tem que ser preso."
(ADRIANO CEOLIN, RANIER BRAGON, KENNEDY ALENCAR E SILVIO NAVARRO)