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DESCULPE, FOI ENGANO - Aroldo Pinheiro

Grande parte dos amigos com quem cresci, tem o bom humor e a gozação como característica. Botar alguém no ridículo, só pra tirar sarro, faz parte do nosso cotidiano. A cidadezinha penava com racionamento de energia. Os velhos e sucateados geradores da usina termelétrica não davam conta da demanda, assim, cortes de força durante a noite eram inevitáveis.


Grande parte dos amigos com quem cresci, tem o bom humor e a gozação como característica. Botar alguém no ridículo, só pra tirar sarro, faz parte do nosso cotidiano.
A cidadezinha penava com racionamento de energia. Os velhos e sucateados geradores da usina termelétrica não davam conta da demanda, assim, cortes de  força durante a noite eram inevitáveis.
João Adolfo chegou  em casa, tomou rápido banho, engoliu a gororoba feita com o que restou do almoço e deitou-se na rede para ver as notícias do Jornal Nacional. Durante as primeiras manchetes do noticioso, a luz foi embora.
- PUTA-QUE-PARIU! - Xingou João Adolfo. 
- Perdi o capítulo da novela... - resmungou sua esposa.
- Mamãe, tô com medo! - Era a vozinha de Sofia, a caçula, vinda lá do quarto.
Laura levantou-se, trouxe a filha no colo, sentou-se na cadeira de balanço e cantarolando tentava fazê-la retomar o sono. Adolfo, por outro lado, se embalava nervosamente na rede, resmungando e matando carapanãs que não davam trégua.
"Trim... Trim... Trim... Trim..." João apeou da rede, e tateando, depois de tropeçar em duas poltronas, chegou ao telefone:
- Alô?
- Genival?
- Não... Acho que você ligou errado...
- Ahn... Desculpe, foi engano. - Era Gatão que, por absoluta falta do que fazer, decidiu passar trotes telefônicos e João Adolfo, irritadiço por natureza, foi tomado para "cristo".
João voltou na mesma pisada, tropeçou nas mesmas poltronas, deitou-se na rede e voltou ao embalo, à meditação e ao extermínio de pernilongos. Nem se passaram dez minutos e o telefone tocou novamente. Nosso herói, resmungando, apeou da rede, desta vez machucou o dedo mindinho do pé direito numa daquelas poltronas e, sentindo muita dor, atendeu irritado:
- Alô!
- Oi, Genival... Tudo bem?
- Olha amigo, aqui é 224-3493..., residência de João Adolfo Oliveira... Porra,  esta é a segunda vez que procuram por essa pessoa... Aqui não tem ninguém chamado Genival... Por favor, trate de botar seu dedo nos buracos certos...
- Ahn... Desculpe foi engano...; disquei errado.
João, aborrecido, voltou para a fianga e retomou a batalha contra os anofelinos e os aedys aegipths... Laura, a esposa, entoava desafinada canção de ninar tentando acalmar a caçula quando: "Trim... Trim... Trim..." Quatro..., cinco..., dez vezes..., até que o telefone silenciou. João  decidira não atender. Logo, porém, o trinado recomeçou. João Adolfo, a princípio, pensou deixar pra lá... Mas, podia ser sua mãe... Podia ser algo importante. Irado, nosso herói levantou-se e, aos tropeções, chegou ao aparelho inventado por Graham Bell. Decidido a dar uma lição no interlocutor, caso se tratasse daquela mesma pessoa, retirou o fone do gancho e, alto e grosseiramente, bradou:
- ALÔ!!!
Do outro lado, ouviu:
- João Adolfo...?
- Sim... - Pensou: "Pelo menos é alguém conhecido..."
- Aqui quem fala é o Genival... Deixaram algum recado pra mim?
O autor da brincadeira desligou antes de ouvir impropérios de A a Z proferidos pelo fumegante João Adolfo.

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