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JUDICIÁRIO - Ellen defende foro privilegiado

Na primeira entrevista como presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Ellen Gracie afirmou ontem que o tribunal está aparelhado para julgar o inquérito do mensalão e defendeu o foro privilegiado para autoridades como o presidente da República, ministros, deputados federais e senadores. As declarações contrastam com a opinião do próprio relator da denúncia contra os mensaleiros, o ministro Joaquim Barbosa. Na semana passada, ele disse que o STF não tem vocação nem estrutura para julgar este tipo de processo e chamou o foro privilegiado de "excrescência jurídica".



Letícia Sander
Da equipe do Correio

Cadu Gomes/CB
``As CPIs são um instrumento poderosíssimo que o Parlamento tem para fiscalizar e averiguar, mas que encontram o seu limite naqueles direitos individuais garantidos pela Constituição``
Ellen Gracie, presidenta do STF
 
Na primeira entrevista como presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Ellen Gracie afirmou ontem que o tribunal está aparelhado para julgar o inquérito do mensalão e defendeu o foro privilegiado para autoridades como o presidente da República, ministros, deputados federais e senadores. As declarações contrastam com a opinião do próprio relator da denúncia contra os mensaleiros, o ministro Joaquim Barbosa. Na semana passada, ele disse que o STF não tem vocação nem estrutura para julgar este tipo de processo e chamou o foro privilegiado de "excrescência jurídica".

A ministra defendeu ontem que o "STF já examinou casos como esse (o do mensalão), muito difíceis e de grande repercussão, e está aparelhado para processá-los". Admitiu, entretanto, que caberá ao relator do inquérito a decisão sobre delegar responsabilidades a outros magistrados ou optar pelo desmembramento do caso. "O que eu faço questão de esclarecer é que os prazos processuais são exatamente os mesmos, tanto aqui quanto na primeira instância. E o direito de defesa precisa ser assegurado, tanto aqui quanto em primeira instância", afirmou.

Apesar de defender o foro privilegiado, a ministra observou que há até desvantagens para os acusados no uso desta prerrogativa. "Na verdade, os acusados têm uma única chance de defesa ou uma única chance de absolvição ou condenação. Se nós iniciamos um processo, por exemplo, em primeiro grau, há possibilidade de recurso ao segundo grau, recurso ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF. De modo que quando se fala em privilegiado, é uma chance única que os acusados têm", afirmou.

O foro privilegiado, previsto na Constituição federal, determina que autoridades como deputados, senadores, ministros de Estado e o presidente da República só podem ser investigados pelo Supremo, enquanto o cidadão comum responde na Justiça de primeira instância.

Manual
Ficou claro, na entrevista, que o perfil da nova presidenta do STF contrasta profundamente com o anterior, o ministro Nelson Jobim, mais afeito a polêmicas. Ellen Gracie, por exemplo, minimizou a troca de farpas entre o Legislativo e o Judiciário, ao dizer que há somente um "conflito aparente" entre os dois poderes. "As instituições obedecem a um sistema de freios e contrapesos, uma contrapõe e limita os poderes da outra. Isso acontece normalmente, e hoje nós vemos as instituições brasileiras funcionando dentro de sua esfera de competência. Cada uma delas tem constitucionalmente fixados os seus limitadores, de modo que nós vemos com satisfação que a democracia brasileira está passando por este teste de resistência. E está passando bem", afirmou.

A ministra também adiantou que o STF está elaborando uma espécie de manual com a jurisprudência adotada pelo tribunal em relação às CPIs. Recentemente, o STF revisou uma série de decisões do Congresso em relação ao trabalho das comissões. Mas, mais uma vez, a ministra minimizou a existência de um conflito. "As CPIs são um instrumento poderosíssimo que o parlamento tem para fiscalizar e averiguar, mas que encontram o seu limite naqueles direitos individuais garantidos pela Constituição", disse.

Ellen Gracie salientou também ver com "naturalidade" a iniciativa do Congresso de exigir decisões coletivas do tribunal em casos de concessão de liminares. "Me sinto realmente confortável quando posso debater um tema com meus colegas. Mas, claro, há ocasiões em que é preciso uma decisão imediata. E esses são os casos em que se prevê a atuação individual do relator. Mas, creia, não é nada confortável."

A presidenta concordou com a avaliação feita na véspera pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busatto, de que há "uma sensação de impunidade no país". A ministra, entretanto, levou o sentido para a esfera criminal. "Existe, sim, uma sensação de impunidade. E não é de hoje. Vem do fato de que temos realmente uma processualística, principalmente na área criminal, muito rebuscada, tantas são as possibilidades de recurso."

Declaradamente "reservada", evitou expor sua opinião sobre temas polêmicos como o aborto, o casamento entre homossexuais e a reeleição. "Essas perguntas me criam uma dificuldade. Todas são questões que virão a julgamento perante o STF e não posso adiantar meu voto".


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