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EDITORIAL - Somos todos descarados

Armas de todos os calibres, as mais proibidas já vistas, atravessam lépidas e fagueiras a fronteira do Paraguai, em direção aos quartéis-generais das quadrilhas organizadas nos morros cariocas. Enquanto isso, policiais federais são mantidos na reserva Raposa Serra do Sol, cuidando de "perigosos posseiros" que, ao longo da vida a única coisa que aprenderam a fazer foi trabalhar duro para sustentar a família.


O governo federal está gastando mais de 2 milhões de reais com a operação destinada a desapropriar terras nos intestinos da Reserva Raposa Serra do Sol. O aparato supera qualquer mobilização jamais vista no estado. São mais de 300 agentes federais, 40 viaturas, helicópteros et caterva. E ninguém diz nada... 

Enquanto todo esse aparato tem como alvo a região mais setentrional do país, diga-se de passagem, uma das mais pacíficas, as vulneráveis fronteiras, aquelas por onde aporta o pesado narcotráfico, ficam entregues às baratas. Justifica-se tal ausência com o famoso e indigesto jargão: "falta de pessoal".

Armas de todos os calibres, as mais proibidas já vistas, atravessam lépidas e fagueiras a fronteira do Paraguai, em direção aos quartéis-generais das quadrilhas organizadas nos morros cariocas. Enquanto isso, policiais federais são mantidos na reserva Raposa Serra do Sol, cuidando de "perigosos posseiros" que, ao longo da vida a única coisa que aprenderam a fazer foi trabalhar duro para sustentar a família.

É triste, mas Roraima parece mesmo terra de ninguém. Com brilhantes e raríssimas exceções, os políticos locais - tanto os estaduais como os da esfera federal - estão mais interessados em defender seus interesses particulares.

Não se vê uma articulação em bloco em defesa de Roraima. O que se vê é cada um ensimesmado em mundinho medíocre, articulando como vai conseguir amealhar mais votos que lhe permita montar ponto no Congresso Nacional. Afinal, lá o que não falta é "verba de gasolina", mensalão e maracutaias outras do ramo.

Tirando a voz que clama no deserto (senador Mozarildo Cavalcanti), não se vê, por exemplo, parlamentares outros se indignando com a falta de respeito praticada pelo governo Lula contra o estado, tido como um ponto perdido no mapa, onde qualquer funcionário de terceiro escalão de Brasília chega, manda e desmanda. E ninguém diz nada...

Exemplo? O esbulho que o Incra faz a pessoas que há uma vida trabalham a terra antes refugada, haja vista se localizar em pontos inóspitos e longínquos. A última palavra é sempre a do coordenador de plantão do órgão. Quase sempre um estranho no ninho. E ninguém diz nada...

É lamentável, mas já que a jornalista Eliane Brum (Revista Época, 29 de outubro de 2001) escreveu que a Praça das Águas não passa de um "palco de uma grande fornicação dançante... ao som de músicas com letras impublicáveis", qualquer um se acha no direito de estuprar-nos a todos. Como não reclamamos com dona Brum, a solução agora é... relaxar.

Esperanças? Cada vez mais ínfimas. A maioria dos políticos que se apresenta como pré-candidato ao que quer que seja responde a extensa ficha de processos judiciais. O exemplo começa de cima. Romero Jucá, cujo desiderato maior é governar o estado com o respaldo do voto popular, responde por crimes de peculato, formação de quadrilha, venda de madeira em terra indígena e o escambau.

Como uma pessoa com passado tão irrecomendável poderia ter qualquer respaldo ético-moral para rechaçar a incursão desmedida da Polícia Federal ora experimentada pela Terra de Macunaima?

Aliás, falar em Macunaima (não Macunaíma) é falar de uma lenda originária de Roraima, nascida às margens do rio Urariqüera. O dito cujo foi eternizado em romance por Mário de Andrade, como o "herói sem nenhum caráter". Bem roraimense, mesmo. É triste, mas temos que reconhecer: somos todos descarados!

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