- 29 de outubro de 2024
Folha de S. Paulo
O procurador-geral do Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, afirma que "não se troca a fechadura de porta arrombada".
Segundo Furtado, a sofisticação dos esquemas de corrupção justifica cada vez mais a adoção de ações preventivas para evitar delitos. "A criatividade para a fraude é ilimitada", diz ele, que faz doutorado em corrupção pela Universidade de Salamanca (Espanha). (MALU DELGADO)
Folha - Em seis anos, a demissão de 1.367 servidores não revela um baixo grau de punição?
Lucas Furtado - É muito pouco para o tamanho do Brasil, mas é ótimo que estejam sendo punidos. No TCU, dispomos do seguinte dado: das condenações do tribunal, não se recupera nem 1% do dinheiro público desviado. Do ponto de vista criminal, as condenações são mínimas; do civil, que é o dever de devolver o desviado, a efetividade também é mínima.
No Brasil, quando se fala em combate à corrupção, geralmente se pensa em criminalizar, com penas elevadas. Quando se quer de fato combater corrupção, essa deveria ser a última medida. A efetividade de combater corrupção com política repressiva, mandando para a cadeia e tentando recuperar o dinheiro, é nenhuma.
O Judiciário não está pronto para tratar das questões complicadíssimas da corrupção pública. Alguns casos envolvem autoridades públicas, que têm foro privilegiado. A grande maioria dos crimes de competência dos tribunais superiores prescrevem por falta de estrutura para julgá-los.
Folha - O que deveria ser prioridade no combate à corrupção?
Furtado - Em primeiro lugar, identificar onde estão as falhas na legislação. A CPI dos Correios identificou várias vulnerabilidades na lei e propõe correções. A segunda medida seria fortalecer os órgãos onde ocorre gasto público, como treinar quem cuida de comissão de licitação e remunerar bem o servidor público. É preciso fortalecer mecanismos internos de controle. E fortalecer os controles externos, como Tribunal de Contas, Ministério Público. Poucos países dispõem de um sistema de controle externo tão bom quanto o Brasil. O problema é que aqui os órgãos não falam entre si.
Folha - Se as propostas da CPI dos Correios forem levadas a sério pelo Parlamento, as alterações podem ser positivas?
Furtado - Pode melhorar muito. Um dos principais instrumentos de combate à corrupção é ter um órgão de inteligência financeira adequado. No Brasil, o TCU, que fiscaliza atos administrativos, não tem acesso a sigilos bancário e fiscal. Sem os sigilos, nunca seriam identificadas as fraudes em contratos de publicidade da CPI dos Correios. É provável que a partir da CPI dêem atenção especial a contratos de publicidade. O que acontecerá? Os fraudadores procurarão outro campo de atuação.
Folha - A CPI do Orçamento investigou outro foco de corrupção.
Furtado - Há dez anos, os focos de fraude eram orçamento e grandes obras públicas. Por conta do caso do TRT-SP, constatou-se que o sistema de fiscalização era muito falho. Desde 2000 as Leis de Diretrizes Orçamentárias obrigam o TCU a realizar auditoria em todas as obras públicas que recebem mais de R$ 10 milhões.
Assim, as fraudes migraram de grandes obras para os contratos de prestação de serviços. Quem quer fraudar é muito inteligente e tem assessorias de grandes escritórios de advocacia e contabilidade, que identificarão no sistema onde é mais fácil fraudar. A criatividade para a fraude é ilimitada. Se for dada atenção especial para contratos de publicidade, a tendência é que a corrupção migre.
Folha - Um sistema integrado de combate à corrupção seria fator decisivo para mudanças?
Furtado - O importante é cuidar do futuro. Não adianta colocar fechadura nova em porta já arrombada. A possibilidade de o servidor público ser pego é baixíssima e existem inúmeras falhas administrativas na legislação que criam oportunidades para fraudes. Acabar com a corrupção é impossível.