- 29 de outubro de 2024
O mundo dá as suas voltas. Aquele que sofreu na pele a dura cerviz do regime militar, hoje é o mandachuva da caserna. Waldir Pires, empossado semana passada no Ministério da Defesa, foi mais um dos ativistas políticos subjugados, presos e exilados pela ditadura que comandou o país entre 1964 e 1986.
Mal empossado na Pasta, Pires viu-se obrigado a relevar discurso que não lhe deve ter soado como boa música aos ouvidos. Exatamente no dia em que assumia, 31 de março, aniversário do golpe militar que desaguou na eliminação dos direitos individuais, o novo ministro demonstrou jogo de cintura para digerir a ordem do dia do Exército, lida nos quartéis para mais de 200 mil soldados em todo o país.
O documento, assinado pelo general Francisco Albuquerque, exaltava a atuação do Exército no episódio de 1964. "Esse Exército orgulha-se do passado", dizia trecho da ordem do dia. E mais: o golpe ajudou a "alicerçar em cada brasileiro, a convicção perene de que preservar a democracia é dever nacional". Seria um recado com destinatário definido? Pires considerou o documento um "equívoco". E ficou tudo por isso mesmo.
Constitucionalmente, as Forças Armadas têm sua missão definida. Mas poderiam estar hoje prestando maior colaboração à sociedade. É possível perceber que boa parte de seu efetivo, enquanto se prepara para uma guerra improvável, poderia estar prestando serviços relevantes, a exemplo do que ocorria durante o período da "redentora". Rara era a escola que não abrigava em seu corpo docente um oficial.
É certo que naquela ocasião a justificativa, ainda que velada, era outra: manter a massa crítica - professores e alunos - sob forte vigilância do regime. Hoje, os oficiais poderiam estar em sala de aula como verdadeiros colaboradores da sociedade. Afinal, o que mais se vê por esse Brasil afora são escolas fechadas por falta de professores.
Parece que minguaram também as Acisos (ações cívico-sociais), em que os militares se dispunham a ir aos pontos mais inóspitos do país. Eram oficiais da área de saúde como médicos, dentistas, enfermeiros, laboratoristas, entre outros, atendendo a população carente que não tinha como se deslocar até os grandes centros.
Com a retomada dessas atividades, as Forças Armadas se mostrariam mais democratizadas, ficando cada vez mais próximas e a serviço da população. Além disso, desestigmatizaria a idéia que ficou na retina de brasileiros que viveram sob a camisa de força do regime vigente por mais de duas décadas.
Soluções caseiras como estas podem ser adotadas com o intuito de impulsionar o desenvolvimento do país, que parece não dispor de largos recursos para tanto. E os de que dispõe têm escorrido desavergonhadamente pelos largos e incontidos ralos da corrupção e da impunidade.