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Lei dos Crimes Hediondos abarrotou presídios e não diminuiu criminalidade

A chamada Lei dos Crimes Hediondos, de 1990, não ajudou a diminuir a criminalidade, mas contribuiu para superlotar as penitenciárias de todo o país. É o que demonstra um estudo realizado pelo Ilanud, realizado nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, que analisou a evolução da população carcerária e os índices de criminalidade antes e depois da edição da lei.


Almir Teixeira

A chamada Lei dos Crimes Hediondos, de 1990, não ajudou a diminuir a criminalidade, mas contribuiu para superlotar as penitenciárias de todo o país. É o que demonstra um estudo realizado pelo Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente), realizado nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, que analisou a evolução da população carcerária e os índices de criminalidade antes e depois da edição da lei.

O relatório final do estudo, que se intitulou "A Lei de Crimes Hediondos como Instrumento de Política Criminal", foi apresentado aos conselheiros do instituto em reunião realizada nesta terça-feira (28/3), em São Paulo. O trabalho foi realizado a pedido do Ministério da Justiça e compreendeu a comparação de dados do período de 1983 a 2003.

Para o criminalista Alberto Silva Franco, desembargador aposentado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e conselheiro do Ilanud, o levantamento do instituto confirmou, do ponto de vista estatístico, a inocuidade da Lei dos Crimes Hediondos. Em relação a crimes como homicídio, tráfico de entorpecentes, "a existência da lei não impediu o crescimento desses delitos", afirma Silva Franco. Com relação aos outros delitos, diz o criminalista, os dados demonstram uma tendência de estabilidade, que já existia antes mesmo da promulgação da Lei de Crimes Hediondos.

Para chegar aos dados destacados pelo criminalista, a equipe do Ilanud construiu gráficos a partir das estatísticas obtidas, levando em conta uma projeção de como deveriam se comportar os índices caso a lei não fosse editada. "Não se verifica", diz o relatório, "na maioria dos crimes, redução nos índices após a edição da lei, o que por si já indica sua inocuidade".

Pelo exame do relatório, percebe-se que os crimes registrados estão acompanham a linha de projeção construída com dados anteriores a 1990 ou estão acima dela. "Nas exceções encontradas", afirma o documento, "não há nenhum elemento que nos permita identificar alguma influência da lei".

O relatório vai além dos dados estatísticos e demonstra, por meio de entrevistas qualitativas com presos e agentes penitenciários, a inocuidade da lei como fator de prevenção criminal. E a percepção geral dos próprios detentos, segundo o relatório, é de que a lei não inibe a prática de crimes hediondos.

Explosão carcerária
Se, quanto à prevenção, a Lei de Crimes Hediondos teria sido inócua, seu impacto sobre a situação penitenciária foi mesmo negativo. O relatório estabelece ligação direta entre a edição da lei a superpopulação prisional.

O documento destaca que o aumento da população carcerária se deu a partir dos anos 1990, período que coincide com a promulgação da lei. "Esta constatação não nos permite afirmar que a lei foi a única responsável pelo aumento das prisões, mas não há como não relacionar a ideologia de maior endurecimento, traduzida em respostas penais mais severas para todos os tipos de crimes em geral, com a superpopulação carcerária identificada", diz o relatório.

Para o criminalista Alberto Silva Franco, a lei "aumentou exageradamente a população carcerária, e o sistema é extremamente gravoso em função da lei". O Estado de São Paulo, lembra o criminalista, "já está se aproximando de 150 mil pessoas encarceradas e, desse total, um volume enorme decorre da Lei de Crimes Hediondos".

O que é necessário, propõe Silva Franco, é que se faça uma reformulação da lei, "que se defina o que é a hediondez de um crime". Para o criminalista, a lei atual parte de um etiquetamento de figuras criminosas pré-existentes: "Você prega um adesivo numa figura criminosa e diz 'isso é crime hediondo'. Aumenta a pena desse crime hediondo, e isso traz para o juiz um engessamento total".

O criminalista destaca o exemplo do atentado violento ao pudor, crime que compreende um grande número de atos libidinosos, como toque corporal, beijo lascivo até o coito anal, que seria o mais grave dos atos. "Se eu digo que este crime é hediondo e não digo porque ele é hediondo, o juiz fica obrigado a aplicar a mesma pena, que, no caso, é de seis anos de reclusão, em relação a quem deu o beijo lascivo e a quem praticou o coito anal". Se houvesse uma definição do que é o crime hediondo, explica o criminalista, o juiz poderia analisar que o beijo lascivo não é crime hediondo e dar uma pena proporcional à gravidade do delito.

O estudo também analisou as tendências dos projetos de lei que estão na pauta do Congresso Nacional sobre a questão e constatou que predominam aqueles que se restringem a ampliar a abrangência da Lei de Crimes Hediondos, incluindo nela novos delitos.

"Alguns dos projetos seguem a mesma racionalidade que orientou a edição da própria Lei n° 8.072/90", afirma o relatório. "Não encontramos, nem na Câmara nem no Senado, nenhum projeto que tenha por escopo a implementação de uma política criminal consistente, com objetivos claros e com mecanismos que possibilitem a avaliação de seu funcionamento", esclarece o documento.

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