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DENÚNCIAS - Muito dinheiro para poucos

Do Amazonas ao Rio Grande do Sul, passando pelo Distrito Federal e o Piauí, o governo federal investe pesado em projetos sociais e esportivos. Mas, no meio desse caminho, recursos milionários têm caído nas mãos de entidades afilhadas de partidos que apoiaram a eleição do presidente Lula ou de pessoas próximas a ministros e secretários.


Lilian Tahan e Fernanda Odilla
Da equipe do Correio

Edilson Rodrigues/CB/24.3.06
Projeto de Esporte e Lazer em Sobradinho deu R$ 117,8 mil à Cata-Ventos para aulas de ginástica: turma usa colchonetes finos e garrafas de refrigerante com areia como pesos
 
Do Amazonas ao Rio Grande do Sul, passando pelo Distrito Federal e o Piauí, o governo federal investe pesado em projetos sociais e esportivos. Mas, no meio desse caminho, recursos milionários têm caído nas mãos de entidades afilhadas de partidos que apoiaram a eleição do presidente Lula ou de pessoas próximas a ministros e secretários. São, na maioria, representantes de organizações não- governamentais (ONGs), sindicatos e federações beneficiadas com verbas liberadas por órgãos como a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), ligada à Presidência da República, e o Ministério do Esporte.

Os projetos dessas entidades normalmente saem do papel e se tornam realidade. Contudo, a aritmética de distribuição de verbas, bem como a de entidades beneficiadas, foge à lógica da igualdade por estado, por número de pessoas atendidas e até mesmo por afinidade do terceiro setor com o tema da ação social. E a fiscalização dos órgãos governamentais também parece ignorar esses disparates.

Facilidades
A ONG Cata-Ventos, com sede em Sobradinho II, é um exemplo de que o apadrinhamento político pode facilitar a liberação de recursos federais. O prestígio de um aliado do governo deu força para que a entidade, que não recebeu um tostão do governo em 2003, passasse a gerir recursos que beiraram R$ 1 milhão no ano passado, graças aos repasses do Ministério do Esporte, da Seppir e da Fundação Universidade de Brasília. Um dos idealizadores da entidade é o deputado distrital pelo PT e líder do partido na Casa, Paulo Tadeu, que, formalmente, não assume nenhum cargo na ONG.

A ligação entre o deputado e a entidade se torna ainda mais estreita uma vez que o coordenador de projetos da ONG, João Marcos Assis, é cunhado do parlamentar. Ele assumiu o cargo na entidade em 2004, pouco antes de a Cata-Ventos conseguir emplacar um convênio com a Seppir, orçado em R$ 476,5 mil. "No começo, a gente chegava aos ministérios e nem era atendido, não conseguia sequer explicar os projetos. Nesse ponto, as coisas melhoraram, agora a gente tem um tratamento melhor", confirma.

No Piauí, quem abocanhou boa parte dos recursos do programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, distribuídos no estado em 2004, foi a Federação das Associações de Moradores do Estado do Piauí. A entidade é presidida por Sebastião Justino Pereira, integrante da direção local do PCdoB, partido do ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, e do vice-governador, Osmar Júnior. "Ser do partido do ministro não dificulta, mas também não ajuda tanto assim", diz Justino, reclamando que parte dos R$ 827,7 mil atrasou. "Para não deixar de atender as 8 mil crianças, precisamos usar recursos próprios." O projeto da Federação no Piauí está interrompido, à espera da análise para novos empenhos. Em 2004, outra entidade também monopolizou a maior parte dos recursos destinados a uma mesma unidade da federação graças à ajuda de um político.

Preparadas
O Ministério do Esporte não atendeu aos pedidos de esclarecimentos do Correio. O sub-secretário de Políticas para Comunidades Tradicionais da Seppir, Carlos Trindade, explica que sempre procura associações preparadas para firmar convênios, sem olhar a quem elas estão ligadas, como é o caso da Cata-Ventos. O secretário de Esporte do DF, Weber (PFL), não foi localizado para falar da parceria. Mas o coordenador do projeto, Antônio Capareli, disse que Weber auxiliou apenas disponibilizando material administrativo e pessoal.

A boa fase da ONG Cata-Ventos começou em 2004 e continuou em 2005. Nesse período, ela firmou convênios com o governo federal que somam R$ 936 mil - aumento de mais de 500% de um ano para o outro. O mais valioso foi o projeto firmado com a Seppir, para a organização de sete seminários de formação de gestores para trabalhar junto de comunidades remanescentes de quilombos. "Nós começamos a perceber que havia uma lacuna nessa área, porque tomamos conhecimento de que muitas comunidades tinham direito a receber recursos, mas não tinham gente especializada para trabalhar nos programas", explica João Assis, presidente da entidade, criada em julho de 1999. Apesar de demonstrar interesse pelo tema, Assis não conseguiu citar nenhuma comunidade com esse perfil com sede nos arredores do DF. Realmente, não há nenhuma comunidade remanescente de quilombo. A mais próxima está em Cavalcante, Goiás, a cerca de 400km de Brasília.

O deputado Paulo Tadeu explicou que não tem nenhum vínculo formal com a Cata-Ventos. Denominou-se um admirador da organização e afirmou que defende parcerias entre governo e terceiro setor. "Nunca participei de nenhuma reunião com integrantes do governo para pedir recurso para a ONG", garantiu. Antes dos recursos governamentais, a Cata-Ventos trabalhou durante quatro anos com estrutura e projetos modestos, com trabalho voluntário. Atualmente, a ONG funciona em um sobrado, em Sobradinho II, contratou dezenas de funcionários e técnicos para lidar com os cerca de mil jovens e adultos atendidos pelos projetos da Cata-Ventos.

Outro convênio firmado com a Cata-Ventos foi com o Ministério do Esporte, para financiar o projeto de Esporte e Lazer da Cidade. Em 10 de junho de 2005, foram repassados R$ 117,8 mil à entidade, com o propósito de oferecerem-se aulas de ginástica, futebol, vôlei e atividades recreativas para a comunidade. No dia que a reportagem visitou o projeto, pôde acompanhar uma aula de ginástica. Deitado em finos colchonetes, um grupo de senhoras fazia atividades usando como peso garrafas de refrigerante cheias de areia. O Correio quis saber por que motivo o projeto não tem o mínimo necessário para funcionar. "O dinheiro é insuficiente para tudo. Não é raro que tenhamos de tirar do nosso bolso para melhorar as coisas", disse o coordenador de projetos, João Marcos Assis.


Verbas confinadas no Distrito Federal

Com a ingenuidade comum a qualquer criança, Gabriel, de 10 anos, revela a hora que gosta da escola: "A gente tá escrevendo e eles chamam a gente para aprender kung fu". Gabriel é aluno de uma das escolas públicas de Sobradinho, onde o programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, é oferecido em parceria com a Federação Brasiliense de Kung Fu (Febrak). A entidade recebeu metade dos R$ 4 milhões empenhados para dar lanche, comprar uniforme, pagar instrutores e ensinar modalidades esportivas. Mas tudo deveria ser feito no horário em que a criança está fora da sala de aula, no segundo tempo da jornada dos beneficiados pelo projeto.

Em 2005, a Febrak foi a quarta entidade que mais recebeu dinheiro do Ministério do Esporte em todo o país e a campeã em recursos do Distrito Federal. Neste mesmo ano, o DF se destacou como a segunda unidade que mais atendeu crianças no Brasil inteiro, em números absolutos - 121.612 -, perdendo apenas para a Bahia.

O DF é, até março deste ano, o maior receptor de verbas. Em 2006, o DF recebeu 97,1% dos recursos do programa. Dos R$ 3,64 milhões empenhados para o Segundo Tempo, o Rio Grande do Sul ficou com R$ 104 mil. O restante foi para sete entidades do DF. Vale ressaltar que, até agora, apenas R$ 120 mil desse montante foi pago, de acordo com os números do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do Governo Federal. A Febrak, por sua vez, já recebeu R$ 2 milhões, empenhados no ano passado. De acordo com o coordenador do Segundo Tempo da Febrak, Eduardo Tomaz, nem todo o dinheiro foi gasto.

Logomarcas
Ao assistir a uma das atividades da federação em Sobradinho, de fato, é possível entender porque não foi gasto todo o recurso liberado. O lanche é bancado pelas escolas e o uniforme é a camiseta com as logomarcas do governo federal, do ministério e o nome do presidente da Febrak. Os monitores ganham R$ 260 por mês e o material é fabricado por presidiários do Pintando a Liberdade, projeto governamental.

Tem sido assim desde o ano passado, quando a Febrak começou a implantar o programa nas escolas de Sobradinho. Funcionários das escolas, como a Classe 10 e a Classe 1, contam que a atividade - que deveria ser oferecida três vezes por semana, em horários entre as 14h e as 18h - se limita a uma hora por semana, sempre no turno em que o aluno estuda. E os pais podem levar o filho na academia de João Dias, presidente da Febrak, no período oposto ao das aulas. "Funcionamos como olheiros. As crianças que levam jeito para kung fu vão treinar na academia. Lá, ganham uniforme importado e acompanhamento", explica Eduardo.

Alívio
Apesar de não se cumprir o cronograma de três atividades por semana no período oposto ao que a criança esuda, a direção das escolas adora o Segundo Tempo. O programa acaba substituindo aulas de educação física e aliviando professores que, além do conteúdo de matemática, português e ciências, precisam dar ginástica às crianças.

A verba por criança atendida não é padronizada. Na última segunda-feira, durante o programa de rádio Café com o presidente, Agnelo Queiroz revelou que a média é de R$ 11 mensais por criança. No caso da Febrak, o valor é bem maior. Inicialmente, o programa foi pensado para oferecer R$ 33,3 para cada um dos 10 mil meninos e meninas atendidos. Já a Ação Social do Planalto, também do DF, que recebeu R$ 2,7 milhões em 2004 e ainda completou com uma contrapartida de R$ 456,9 mil do Governo do Distrito Federal, cada criança custava R$ 26,30 em média por mês.

Lula elogiou o Segundo Tempo como uma alternativa às prisões, depois que Agnelo lembrou que, com o programa, a criança estuda em um turno e no outro faz atividades prazerosas. "Não está na rua nem sujeita aos perigos da rua", afirmou Agnelo. Na sexta-feira, o Correio procurou o ministério para esclarecer os problemas encontrados pela reportagem. A assessoria não retornou os pedidos nem respondeu o e-mail, enviado às 12h43. E informou que um problema técnico no sistema de computadores poderia ter impossibilitado o retorno. (FO)


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