- 01 de novembro de 2024
Quando a Polícia Militar de Roraima comemora o 6º aniversário da inclusão de mulheres na corporação, resolvi publicar esta entrevista para, de alguma maneira, tentar fazer com que os homens que ali servem, repensem seu comportamento e atitudes frente a estas mulheres maravilhosas: as PM-Femininas.
Morena, casada e soldado da Polícia Militar de Roraima que cumpre jornadas de 12 horas com folga de 24 (quando plantões diurnos) e 12 por 48 (quando plantões noturnos) naquela unidade militar. A soldado falou da vida na caserna e da mágica que faz para desempenhar o papel de policial e dona de casa.
Aroldo: O que a levou a tornar-se policial militar?
Soldado PM: Primeiro fui atraída pelo salário. Fiz o concurso, mas não pensei ter condições de entrar. Não fui nem olhar o resultado. Foi até uma ironia. Um dia ligaram pra minha casa me instruindo para levar os documentos. Daí eu fiquei muito pensativa e preocupada. Pensei: "Polícia Militar! Não tenho nada a ver com polícia. Eu..., toda meiguinha..., delicada...; polícia não combina com delicadeza". Uns amigos militares me incentivaram muito. Daí resolvi encarar. Fui e estou lá até hoje.
Aroldo: Você gosta da sua profissão?
Soldado PM: Olha, pra ser sincera: no começo, só o dinheiro me atraía. No tempo de instruções... - seis meses bem puxados -, quando me perguntavam porque eu estava na Polícia Militar, eu pensava: "como soldado de segunda classe - aluno - eu recebo 800 reais; logo vou passar a receber 1200. Puxa, no emprego anterior meu salário era de 400 reais..." daí eu respondia pra mim mesmo: "claro que estou aqui por dinheiro". Quando fazíamos as corridas diárias de dois quilômetros, nós brincávamos: "Olha que na reta final tem um bocado de notas de cinqüenta esperando a gente!" Hoje eu gosto de ser policial militar e meu salário beira os 1700 reais.
Aroldo: Como você se sente numa corporação que até pouco tempo era composta essencialmente por homens?
Soldado PM: Eu, sinceramente, nunca tinha visto tanto machismo em minha vida. Há muito machismo nesta atividade militar... Até nos documentos os homens marcam seu território..., seu domínio. Na carteira de identidade da policial militar está expresso "Soldado PM FEM"; na identidade do soldado, homem, não aparece "Soldado PM MASC" ou "Soldado PM MASCULINO".
Aroldo: Você se sente discriminada pelos parceiros "machos"?
Soldado PM: Olha, alguns nos aceitam e reconhecem; a grande maioria, no entanto, nos engole. Eles não entendem que quando a mulher busca igualdade, ela não está buscando igualdade física ou fisiológica. Ela busca igualdade de direitos. Eles não vêem isso.
Aroldo: As tarefas confiadas à soldado militar são diferentes daquelas confiadas aos homens da corporação?
Soldado PM: Eles, os machos, procuram dizer que não. Eles dizem que nos aceitam, mas, na verdade, eles estão se acostumando conosco. Numa viatura eles colocam sempre dois homens e uma mulher, nunca duas mulheres e um homem. Eles comentam que mulher na patrulha é uma preocupação a mais: que além de se preocuparem com a ocorrência, têm que se preocupar com a mulher que os acompanha. Isso não tem nada a ver... Muitas das vezes nós, mulheres, atuamos bem melhor que os homens... Conseguimos, às vezes, resolver problemas sem usar de nenhuma violência; simplesmente usando jeitinho e bom senso. Eu, pessoalmente, me acho tão ou mais capaz que muitos dos soldados com quem eu sirvo.
Aroldo: E assédio sexual? Você já foi assediada por algum "macho" dentro da corporação?
Soldado PM: Sim. Por colegas dentro da viatura..., em serviço e..., principalmente por superiores... Os superiores... Nossa...! São um caso que tem que ser visto..., revisto e estudado. Vai que você denuncia um cara desses... Você está adquirindo passagem pro inferno...
Aroldo: E como você administra um caso de assédio?
Soldado PM: Olha você tem que ter muito cuidado... Procurar resolver da melhor maneira... A gente vai saindo de fininho..., sem deixar de ser enérgica... Tem que mostrar que você não está a fim..., que a relação é estritamente profissional para não redundar em maiores conseqüências... A gente nota e sabe que existe um corporativismo machista... Em função disso, a gente tem que administrar a coisa quase que se submetendo a respeitar a transgressão.
Aroldo: Você sabe se os homens que atuam no Batalhão receberam instruções especiais para conviver com a novidade, mulheres, no seu meio?
Soldado PM: Os homens nos receberam sem nenhuma palestra preparatória. Tinha uma graduada..., sargento..., que nos orientou e por pura boa vontade...; extra-oficialmente. Os homens, além de machistas e tendentes a assediar, são muito fofoqueiros. Vejo, agora, que eles são mais fofoqueiros que as mulheres. Por incrível que pareça, no meio militar tem muita fofoquinha..., muito disse-me-disse. Certa vez três pelotões nos quais figuravam mulheres foram punidos por fofocas atribuídas a "soldados fem"..., quando, na verdade a fofocas surgiram dos homens.
Aroldo: Você tem medo de retaliações de alguém que você tenha prendido ou venha a prender?
Soldado PM: A gente se preocupa sim, e tem que se preservar. A gente procura não freqüentar lugares ermos... A gente seleciona bem os lugares que vai visitar. Já aconteceu de eu estar comprando um sorvete e dar de cara com um rapaz todo marcado pela força usada ao prendê-lo. Ele ficou me encarando, mas a vantagem é que, quando fardadas, a gente muda... Meus cabelos estavam soltos..., eu os joguei um pouco mais sobre o rosto e fui saindo de fininho... antes que ele me reconhecesse e tomasse alguma atitude indevida. A gente se preocupa e procura se prevenir.
Aroldo: Numa missão, a "soldado fem" é recebida pelo(s) abordado(s) com respeito, desprezo ou desdém. Como as pessoas se comportam?
Soldado PM: Eu nunca tive problemas. Por incrível que pareça, eles nos respeitam.
Aroldo: A sua vida se modificou depois de transformar-se soldado PM?
Soldado PM: Muito. Eu saía muito... Ia muito pra balada..., pra festas... Andava muito por aí. Modificou totalmente. Eu quase não saio. Procuro estar sempre com a minha família ao invés de estar na rua. Até meu palavreado..., meu modo de andar... Tudo se modificou.
Aroldo: Você é uma mulher muito bonita. E os cuidados com a beleza, como ficaram depois de tornar-se policial?
Soldado PM: Isso não tem jeito não. Eu sou muito vaidosa e me preocupo com a beleza. Pra você ter idéia, muitas vezes depois de uma patrulha os colegas vão pra casa dormir. Eu, quase sempre, vou direto pro salão.
Aroldo: Você está cursando a faculdade.. Quais são seus planos para a vida depois de formada?
Soldado PM: Eu gosto muito da Policia Militar que, apesar de tudo, é uma boa instituição... Tem muito pra melhorar... Os policiais mais novos têm bom nível de escolaridade... Há muitos que fazem cursos universitários..., há muitos formados... e, claro, a tendência é melhorar... Eu ambiciono me tornar oficial... No papel, a PM tem setores que são desativados... Eu tenho esperanças de me tornar oficial e, quem sabe um dia, eu assuma algo relacionado à minha formação...
Aroldo: Você gosta do curso que está atendendo na faculdade?
Soldado PM: Gosto. Agora eu estou numa nova turma e, se tudo correr bem, nos formaremos juntos.
Aroldo: O Batalhão facilita para que você freqüente a faculdade?
Soldado PM: Olha, a prioridade é o serviço. Quando eu patrulhava, eu podia freqüentar aulas se não houvesse ocorrências...; por isso eu estou um pouco atrasada. Agora eu estou num serviço que não exige tanto de mim, então eu posso me dedicar mais aos estudos.
Aroldo: Como você coordena as atividades de mãe, dona de casa, esposa, policial militar e estudante universitária?
Soldado PM: O mais difícil é ser mãe. Meu filho está freqüentando psicólogo justamente pela ausência que nós - eu e meu marido - proporcionamos. Meu filho tem cinco anos e não consegue compreender a nossa luta. Nas folgas, eu executo as tarefas domésticas e procuro dedicar o restante do tempo ao meu filhote.
Aroldo: Pra encerrar, você gostaria de deixar alguma mensagem?
Soldado PM FEM: O serviço policial militar é gratificante. Quando em desfiles..., paradas como a de 7 de setembro, nós mulheres soldados ficamos emocionadas, pois o pelotão feminino é sempre ovacionado pelo público. Isso nos deixa orgulhosas. Isso é maravilhoso!