00:00:00

CRIMINALIDADE - Juventude ameaçada

O debate sobre a redução da maioridade penal no Congresso Nacional ganhou força com a apresentação, na semana passada, da proposta da sociedade civil que trata do endurecimento das penas nos casos de crimes hediondos. A mobilização que ocorreu em torno da sugestão se repetirá com outro projeto polêmico: a realização de um plebiscito para discutir se menores de 18 anos podem ser responsabilizados penalmente por crimes contra a vida.


Paloma Oliveto e André Carravilla
Da equipe do Correio

José Varella/CB/9.5.04
Recuperação: Lei proíbe a prisão de menores, mas prevê a internação de delinqüentes por até três anos em estabelecimentos como Febem e Caje

Iano Andrade/CB/17.1.06
Carlos Velloso: os jovens de hoje já têm consciência de seus atos
 
O debate sobre a redução da maioridade penal no Congresso Nacional ganhou força com a apresentação, na semana passada, da proposta da sociedade civil que trata do endurecimento das penas nos casos de crimes hediondos. A mobilização que ocorreu em torno da sugestão se repetirá com outro projeto polêmico: a realização de um plebiscito para discutir se menores de 18 anos podem ser responsabilizados penalmente por crimes contra a vida. Desde 1999, a organização não-governamental Até Quando? colhe assinaturas para tal iniciativa. De 1,2 milhão de apoios necessários para o projeto de lei de iniciativa popular, a ONG conseguiu 900 mil adesões.

A idéia partiu de Jorge Damus. Ele perdeu o filho, Rodrigo, assassinado por um rapaz de 17 anos. "Optamos pelo plebiscito porque juristas nos alertaram que um projeto de lei sugerindo a redução da maioridade teria dificuldade em passar pelo Congresso", justifica Damus. Ele presidente a ONG, fundada poucos meses depois da morte do jovem. Pela proposta, a população deverá responder a duas perguntas: se a maioridade penal precisa ser reduzida e, nesse caso, para qual idade. "Esperamos conseguir brevemente as assinaturas que faltam", anuncia.

Antes mesmo de alcançar o número mínimo de adesões, a proposta já provoca polêmica. Juristas e especialistas se dividem sobre o tema. Enquanto alguns defendem que a redução da maioridade penal ajudará a reduzir a violência, outros acreditam que a medida será inócua. Pesa contra o projeto o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A legislação estabelece que menores de idade não podem ser presos, mas internados por até três anos em instituições de cumprimento de medidas socioeducativas, como a Febem e o Caje.

"As pessoas que defendem a redução da maioridade penal não percebem que, ao ser internado nessas instituições, o jovem já é punido. Três anos na vida de uma pessoa é muita coisa, principalmente na vida de um adolescente", argumenta a criminalista Dora Cavalcanti, membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. A advogada acredita que uma alteração no estatuto, em vez de diminuir a criminalidade, aumentaria a insegurança nas ruas. "No sistema penitenciário, o jovem que ainda pode ser recuperado iria freqüentar uma escola do crime, podendo se filiar a facções criminosas. A violência seria maior", avalia.

Juristas
A criminalista não está sozinha nas suas avaliações. Presidente da comissão que elaborou a revisão do Código Penal em 1998 e ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Vicente Cernicchiaro compartilha do mesmo raciocínio. "Acredito que antes do fator emocional deve-se levar em conta as recomendações científicas. Existe um erro na concepção de que o menor de 18 anos pode fazer qualquer coisa e não será punido. Isso não é verdade", argumenta Cernicchiaro, que também é professor de direito.

"No Estatuto da Criança e do Adolescente, está previsto o recolhimento desse menor, e a lei faz distinção dentre maiores e menores de idade por entender que um adolescente está tendo a sua personalidade formada", acrescenta Cernicchiaro.

Para Carlos Velloso, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), a evolução da sociedade faz com que jovens de 16 anos já tenham consciência de seus atos. Portanto, acredita, devem ser punidos criminalmente. "Um rapaz dessa idade que comete crimes é muito mais esclarecido que os jovens de 50 anos atrás. E acaba se acobertando pela inimputabilidade", entende Velloso. Ele rebate os argumentos de especialistas para quem o sistema penitenciário é prejudicial à personalidade dos jovens. "E de que forma o menor será punido? Chamando para dar conselho e pedindo para não fazer mais?", ironiza.

Ex-ministro da Justiça e ministro aposentado do STF, Mauricio Corrêa acredita que é preciso um amplo debate de especialistas e criminólogos antes de se tomar uma decisão a respeito da redução da maioridade penal. Ele acha que o país ainda não está amadurecido suficientemente para suspender de imediato a inimputabilidade dos menores.

Embora admita ser propenso a defender a redução, Corrêa não vê o plebiscito como a melhor forma de se chegar a um consenso sobre o tema. "Nem sempre esse é um instrumento adequado para purificar o exercício da democracia. No Brasil, há uma massificação de informações equivocadas", argumenta, temendo que o debate possa ser desviado para a passionalidade.

O especialista em segurança pública George Felipe Dantas, coordenador do Núcleo de Estudos em Defesa, Segurança e Ordem Pública do DF, também teme que, movida por argumentos passionais, a sociedade opte por uma solução que, na sua interpretação, não contribui para reduzir a criminalidade. Para o ministro do STF Marco Aurélio de Mello, a proposta não resolverá o problema da violência no país. "Em vez disso, devemos, em primeiro lugar, voltar os nossos olhos para a educação e a formação desses jovens", defende.


A redução da maioridade resolve a violência?

  • NÃO
    "No sistema penitenciário, o jovem que ainda pode ser recuperado iria freqüentar uma escola do crime, podendo se filiar a facções criminosas. A violência seria maior"
    Dora Cavalcanti, membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa


    "Um rapaz dessa idade que comete crimes é muito mais esclarecido que os jovens de 50 anos atrás. E acaba se acobertando pela inimputabilidade"
    Carlos Velloso, ministro aposentado do STF
  • SIM


  • Proposta muda condições de internação

    Na Câmara dos Deputados, 15 projetos sobre maioridade penal foram apresentados por parlamentares. O mais polêmico é do deputado Vicente Cascione (PTB-SP), relator da comissão especial que examina mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei promulgada em 1990. Advogado criminalista e professor de direito penal há quase quatro décadas, Cascione argumenta que a discussão sobre redução da maioridade penal é inócua porque a imputabilidade de menores de 18 anos é garantida na Constituição por uma cláusula pétrea, artigo que não pode ser alterado, a não ser no caso da realização de uma nova Assembléia Constituinte.

    Embora uma proposta de emenda constitucional do deputado Luis Carlos Santos (PFL-SP), que propõe a convocação de uma assembléia de revisão constitucional a partir de 1º de janeiro do ano que vem, tenha boas chances de ser aprovada, Cascione aposta em outra solução. Ele é autor de um projeto no qual defende alterações no ECA, para permitir que o tempo de internação em unidades de cumprimento de medidas socioeducativas, seja estendido para até 30 anos.

    Fora de contexto
    "Criamos uma idéia de que o ECA é um instrumento imutável, mas ele foi elaborado para a realidade do primeiro mundo. Em relação ao cumprimento das medidas socioeducativas, o estatuto é medíocre", acredita Cascione. A primeira crítica do parlamentar é em relação ao tempo máximo de internação, estabelecido em três anos. "Quando se trata de alta periculosidade, não se pode estabelecer um período", argumenta. Para ele, o ideal é que o adolescente infrator seja avaliado por uma equipe multidisciplinar, formada por psiquiatra, psicólogo e assistente social, que irá definir se o menor está pronto para voltar ao convívio social.

    Pelo projeto do deputado, a cada dois anos, ou sempre que o juiz determinar, o adolescente deverá ser submetido à avaliação. Cascione acredita que, dessa forma, a violência será combatida e a possibilidade de recuperação aumentará. "Hoje, adultos usam jovens no crime porque sabem que eles vão ficar no máximo três anos internados, isso quando não conseguem fugir. Ao saber que poderá cumprir a sentença por até 30 anos, o jovem vai se sentir desestimulado a praticar crimes", acredita.

    Outro ponto do projeto estabelece uma espécie de lei de responsabilidade social, a exemplo do que ocorre com a lei de responsabilidade fiscal. "O governador poderá perder o mandato", explica o deputado, sobre a necessidade de adequação das unidades de internação, bastante criticadas por não conseguirem recuperar os menores, além de serem comparadas a presídios comuns. (PO e AC)


    Opinião

    "Não temos condições de abrigar sequer os maiores de idade, que já superlotam as cadeias. Que dirá se colocarem os jovens"
    Marco Aurélio de Mello, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

    "De que forma esses jovens devem ser punidos? Dar um conselho e pedir para não fazer mais?"
    Carlos Velloso, ministro aposentado do STF

    "Se a contenção do crime e da violência não ocorreu com a prisão de maiores de 18, não vai ser diferente com os menores"
    George Felipe Dantas, coordenador do Núcleo de Estudos em Defesa, Segurança e Ordem Pública do DF

    "O Brasil ainda não está amadurecido para reduzir a maioridade penal. É uma questão que exige muito debate"
    Mauricio Corrêa, ministro aposentado do STF

    "Três anos de internação não é pouco tempo na vida de ninguém, muito menos de um adolescente"
    Dora Cavalcanti, criminalista e membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa

    "Uma pessoa menor que seja presa também arca com as conseqüências,
    que estão previstas pelo ECA"
    Vicente Cernicchiaro, ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça e presidente da comissão que realizou a revisão do Código Penal, em 1998


    Últimas Postagens

    • 01 de novembro de 2024
    AGONIA DE LORD