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TIRO NO PÉ - A defesa inconsistente de Jucá

Há pessoas cujo padrão de julgamento são elas próprias. Consideram-se a medida de todas as coisas. É o caso do senador Romero Jucá Filho. Em resposta à reportagem do Correio Braziliense publicada no domingo, ele ocupou a tribuna para manifestar-se a respeito. Em vez de fazer o que o dever manda - dar explicações convincentes sobre a acusação de que seria beneficiário do valerioduto -, Jucá esqueceu, marotamente, de informar que a reportagem se baseou em gravação obtida pela Polícia Federal. E que os fatos ali expostos se harmonizam com apuração da CPI dos Correios.


Rodrigo Lopes e Ugo Braga
Da equipe do Correio

José Varella/CB
Romero Jucá: na versão do senador está um depoimento de Roberto Marques tirado às pressas na PF de Roraima
 
O senador Romero Jucá (PMDB-RR) subiu ontem à tribuna do Senado e fez um duro discurso contra o Correio Braziliense. Mostrou-se irritado com a reportagem da véspera, em que foi revelada a gravação da conversa de um funcionário dele, o motorista Roberto Jefferson Marques, acusando-o de ter recebido dinheiro da mesma fonte de onde saiu o suposto mensalão - a conta da SMPB Comunicação movimentada na agência do Banco Rural no Brasília Shopping. Em sua defesa, Jucá apresentou depoimento de Marques, tirado às pressas pela Superintendência da Polícia Federal em Roraima, no mesmo domingo que o caso veio à baila.

Motorista de Jucá há 10 anos, Roberto Marques disse ao delegado federal Renato Beni da Silva que os diálogos reproduzidos pelo Correio eram na verdade a gravação de um texto que lera em voz alta, a pedido do secretário-adjunto da Casa Civil de Roraima, Joaquim Pinto Souto Maior Neto, o Netão, ligado ao governador Otomar Pinto. Este personagem teria ido à casa de Marques, entre outubro e novembro do ano passado, e oferecido R$ 350 mil em dinheiro para ele assinar um depoimento comprometedor contra o chefe Jucá. Na ocasião, teria pedido que lesse em voz alta o tal depoimento. E que esta leitura, lembrou Marques, continha o mesmo texto publicado na reportagem. Ou seja, fora gravado clandestinamente por Netão. O objetivo da fita seria empurrar Jucá para o mensalão, aferindo dividendos eleitorais para o grupo de Otomar Pinto, de quem o senador é adversário.

Não fosse por si só insólita, a versão é frágil do ponto de vista técnico. A gravação de um texto lido contém idiossincrasias que lhe marcam explicitamente. Mas não é o caso da fita em que Roberto Marques fala do mensalão para Romero Jucá. Nela, o motorista conversa, dialoga francamente, com todas as pausas e variações de voz que esse tipo de conversa costuma ter. Mais que isso, em seu depoimento na PF, Marques diz ter tratado com Netão em sua casa. Mas a gravação obtida pelo Correio é claramente ambientada dentro de um carro, com batidas de porta e grunhidos do motor registrados. Mais, o interlocutor não é o propagado Netão.

Em seu discurso furioso, o senador Jucá apressou-se em dizer que não há registro de saques de nenhum Roberto Marques na CPI dos Correios. Ocorre que a CPI registrou pouquíssimos saques, porque o Banco Rural não localizou todos os faxes assinados como recibo pelos sacadores. Por isso mesmo, a principal fonte da comissão é uma lista entregue pelo próprio Marcos Valério de Souza com os nomes dos beneficiários. Na revista Veja desta semana, revela-se que há 55 nomes de políticos do PMDB - o partido de Jucá - ainda inéditos na gaveta de Valério.

Acidente
À PF, Roberto Marques também diz que não sai de Boa Vista, capital de Roraima, há cinco anos. Não teria como, portanto, ter sacado qualquer quantia do Banco Rural para entregar ao chefe. Já em conversa gravada pela reportagem do Correio, o motorista conta de um acidente sofrido no ano passado, que lhe quebrou a perna. A despeito do malogro, ele vem freqüentemente a Brasília fazer fisioterapia no Hospital Sarah Kubitschek - "foi o pessoal do gabinete que arrumou". Nessas ocasiões, ele aproveita para ver os filhos, que moram em Formosa (GO) junto com a mãe, a quem Marques devia R$ 3,1 mil em pensão alimentícia em meados de 2005. Esta dívida causou-lhe tanta dor de cabeça que ele chegou a parar de atender telefones, com medo de ser preso.

Netão contou ter sido abordado por Marques em um evento de luta livre em Boa Vista, em novembro do ano passado, quando o motorista contou-lhe a situação precária em que estava vivendo, pediu um dinheiro emprestado e entregou o caso do mensalão. Três dias depois, voltaram a conversar num hotel da capital. E o mensalão de Jucá foi descrito em detalhes. Inseguro com a informação, Netão pediu a amigos comuns que sondassem Marques para checá-la. Um desses amigos - a quem a reportagem teve acesso - fez a gravação e entregou a fita aos adversários políticos do senador. "Logo depois de ouvir a fita, fui à casa do Roberto Marques e emprestei R$ 5 mil. Se ele pegou este dinheiro, não seria R$ 350 mil que iria recusar, como afirmou em depoimento à Policia Federal", retruca Netão.


Trechos

Gravação em que Roberto Marques admite ter feito saque a mando de Romero Jucá

Roberto Marques - De repente, depois que eu pegar (o dinheiro) e fizer isso aí o Romero pode vir atrás de mim, eu desminta tudo e f... a vida dos caras e o Romero me mete um processo.
Interlocutor - Com certeza.

RM - Entendeu? Eu tô desse jeito. Eu não sei se eu corro, ou os caras correm atrás de mim.
Interlocutor - O que eu acho é o seguinte, que tu tá com receio, normal. Eu também ficaria com receio. Precisaria de uma segurança. O que eu acho agora, é o seguinte. Eles tão disposto a te dar essa segurança, entendeu. Eu não tenho essa autonomia. Tem que sentar com ele. Eu disse que o Xuxa (Roberto Marques) ia vir aqui comigo. A gente vai sentar. Ele quer conversar primeiro comigo, pra depois falar contigo, porque ele é o cara que decide.

RM - O que eu queria era só tá respirando. Eu juro por Deus que eu achava que o Neto (Joaquim Pinto Souto Maior Neto, secretário-adjunto da Casa Civil de Roraima) ia chegar e falar 'Xuxa, vê se amanhã fala comigo que eu tenho dinheiro de folga. Porque eu não posso me meter numa confusão dessa com oficial de Justiça perto de mim, eu perco até a moral'.
Interlocutor - Eu disse a ele, esse negócio tem que ser resolvido.

RM - Como é que o cara vai fazer isso se a polícia tá atras dele. Chegou carta precatória de Formosa (GO) atrás de mim, lá de Brasília.
Interlocutor - E tu tem mais coisas que tu possa... Alguma coisa, assim que de grave que tu possa...


Interlocutor - Mas o negócio, realmente, é esse lá do banco.
RM - E aqui, na campanha, eu desmonto... tudo daqui é deles (do grupo de Jucá), eu desmonto.


Risco de ser cassado

Leonel Rocha
Da equipe do Correio

O senador Romero Jucá (PMDB-RR) terá que responder a mais duas representações no Conselho de Ética no Senado pedindo a cassação do seu mandato por quebra de decoro. A primeira, apresentada pelo líder do PTB na Casa, Morazildo Cavancanti (RR), acusa Jucá de ter feito, há três semanas, uma denúncia falsa ao acusá-lo de ter falsificado documentação pública para permitir a posse da filha em cargo de juíza em Roraima. Outra representação foi feita pelo jornalista Márcio Accioly que acusa Jucá de ser dono da empresa Serra Negra Radiodifusão Ltda., com sede em Bezerros, interior de Pernambuco, o que é proibido pela Constituição (leia quadro).

As duas representações serão analisadas pelo presidente do conselho, senador João Alberto (PMDB-MA), depois que Jucá apresentar sua defesa. Não há prazo para a manifestação do presidente do conselho. A notificação de Jucá para que ele se defenda deve ocorrer nos próximos dias. Em discurso na semana passada, Mozarildo cobrou do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), providências sobre as acusações de corrupção contra Jucá.


Representações contra o Senador

Em discurso, Romero Jucá denunciou que o colega Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) teria participado da falsificação de um documento público que permitiu à sua filha ser aprovada em concurso para juíza em Roraima. A denúncia é falsa, segundo Mozarildo, que por isso pediu a cassação do mandato de Jucá.

O jornalista Márcio Accioly Xavier denunciou Jucá de ser o verdadeiro dono e dirigente da emissora de rádio Serra Negra, no município de Bezerros, interior de Pernambuco. A Constituição obriga que os parlamentares se licenciem de empresas, principalmente de rádio e TV, quando eleitos.

O presidente do Conselho de Ética da Casa, senador Alberto Silva (PMDB-MA), arquivou outra denúncia de Márcio Accioly que acusa Romero Jucá de ter dado sete fazendas fantasmas em garantia a um empréstimo que tomou no Banco da Amazônia.

A senadora Heloisa Helena (PSol-AL) representou contra Jucá no Conselho de Ética com base em várias denúncias de crimes que teriam sido cometidos por ele. A denúncia foi arquivada.

A terceira representação do jornalista Accioly é uma denúncia de que Jucá é o verdadeiro dono da TV Caboraí, de Boa Vista, o que é ilegal. O jornalista anexou à denúncia uma documentação que mostra a falsificação de documentos públicos da Junta Comercial de Roraima.


editorial
A sua imagem e semelhança

Há pessoas cujo padrão de julgamento são elas próprias. Consideram-se a medida de todas as coisas. É o caso do senador Romero Jucá Filho. Em resposta à reportagem do Correio Braziliense publicada no domingo, ele ocupou a tribuna para manifestar-se a respeito. Em vez de fazer o que o dever manda - dar explicações convincentes sobre a acusação de que seria beneficiário do valerioduto -, Jucá voltou a artilharia contra o Correio. Acusou que o jornal teria recebido dinheiro em troca da veiculação da matéria.

Esqueceu-se marotamente de informar que a reportagem se baseou em gravação obtida pela Polícia Federal. E que os fatos ali expostos se harmonizam com apuração da CPI dos Correios. Esqueceu-se, sobretudo, de que o Correio não se presta a negociatas - ao contrário do senador, obrigado a desocupar a cadeira de ministro da Previdência acossado por denúncias comprometedoras.

Entre elas, empréstimo de R$ 1,5 milhão no Banco do Amazonas em 1995 para a Frangonorte, empresa da qual era sócio. Para obter os recursos, deu como garantia fazendas fantasmas. Não pagou o débito nem aplicou a verba nos fins alegados. Mais: o senador responde a denúncias de desviar R$ 1,45 milhão de verbas federais, participar de esquema de cobrança de propina em Roraima, utilizar funcionários da Prefeitura de Boa Vista para trabalhar na sua eleição. Etc. Etc. Etc. É essa imagem turva de si mesmo que o senador projeta para avaliar atos e fatos.

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