- 01 de novembro de 2024
Qualquer cidadão pode pretender investidura em cargo eletivo. Os cargos públicos eletivos são muito mais de quem elege do que de quem é eleito. O poder é do povo e não do eleito, que é mero representante. Quando o eleito faz uso dos poderes que a lei lhe confere, nada mais faz que cumprir a vontade do povo, manifestada através da lei. Essa noção de ser o povo titular do poder é relativamente recente, data de menos de trezentos anos, vem do crepitar das idéias que nasceram com os iluministas franceses de Séc. XVIII. Nós adotamos essas idéias na nossa Constituição. É bem verdade que o povo dela ainda não se apercebeu em toda a sua extensão. Todavia, com o exercício contínuo da cidadania política, manifestada através das eleições, nas quais o povo vota e pode ser votado; nas apurações sucessivas dos escândalos que os políticos eleitos aprontam; nas punições que começam a aparecer; na sujeira promovida por aqueles que, eleitos, pensam que são donos do poder; na visibilidade das situações que tornam claras as intenções dos governantes de se apropriarem do patrimônio do povo; na manifesta incompetência de alguns para o desempenho dos cargos para os quais foram eleitos; nas decepções sucessivas a que o povo é submetido; no aprendizado pela dor, no qual o povo apanha e sofre; no cinismo dos que atuam contra o povo, mas se revelam despudorados na hora de assumir as responsabilidades; na liberdade de imprensa, que não dá sossego à rapinagem; na coragem de denunciar que já chega aos mais humildes; na perda do medo do males que os poderosos possam causar; nas condenações e nas absolvições, em todo esse caldo forma-se a mentalidade futura, que melhorará os nossos destinos porque, se nem sempre foi assim, podemos evitar que seja assim para sempre. Muitos povos, hoje prósperos e civilizados, já passaram por esse momento terrível que estamos vivendo. Já amargaram as decepções da corrupção - o maior mal que pode assolar um país - até compreenderem que a falta de vergonha não é benéfica para ninguém. Essa gritaria enorme que se ouve nas esquinas do país só não é ouvida pelos envolvidos na corrupção, que têm os ouvidos moucos. Todavia, compete ao cidadão ao ver a corrupção praticada pelo eleito, não ficar decepcionada com ele, como estão fazendo os habitantes de varias cidades do Rio Grande do Sul, que estão se dizendo arrasados pela conduta de alguns vereadores que, a pretexto de participarem de um encontro de aperfeiçoamento fora da sede do Município que atuam, foram flagrados em atividades de lazer em horário impróprio, gastando as diárias que receberam em aprazíveis praias e balneários ou fazendo contrabando no Paraguai. Não, o dedo não deve ser apontado para os vereadores, cada eleitor deve apontar o dedo para o próprio peito e ali encontrará o culpa. Se o eleitor elege a raposa para tomar conta do galinheiro, não deve ser surpreender quando a raposa come as galinhas. A culpa não é da raposa, mas de quem pôs a raposa lá. Os vereadores são problemas da Polícia, do Ministério Público e da Justiça, é caso para cadeia. Mas a responsabilidade política é também - e principalmente - do corpo eleitoral. A cada eleição candidatos procuram e encontram eleitores para lhes comprar o voto. Com que direito o eleitor que vende o voto, se indigna com o candidato que vende o seu depois de eleito? Se é possível fazer qualquer coisa para se eleger, temos que admitir que é possível fazer qualquer coisa depois de eleito. É crime segundo a lei eleitoral, entre outras condutas: dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita. Criminoso, assim, é tanto o candidato que oferece para obter, quando o eleitor que recebe para dar o voto. Convém esclarecer que o sistema eleitoral como implantado no Brasil favorece aos candidatos criminosos, que mantém o povo na necessidade de tudo, para disso se aproveitar no período eleitoral. Nas eleições o eleitor é o senhor, é tratado a pão-de-ló, ele chega a ter a ilusão de que o candidato é o seu benfeitor. Depois da eleição ele percebe a verdade, foi enganado, mas aí não tem mais jeito, ele terá agüentar mais quatro anos de roubalheira. Na eleição seguinte a necessidade já o fez esquecer e ele cai no engodo novamente. E assim, de miséria em miséria, o leitor continua miserável e o sistema continua funcionando. Esse é o único emprego no qual o patrão é o miserável pobre enquanto que o empregado eleito para servi-lo é o vitorioso rico. Os patrões do povo tudo vêem; o povo, quando é patrão, se recusa a enxergar. * Mestre em direito, magistrado aposentado, professor universitário e advogado. E-mail: [email protected].