- 01 de novembro de 2024
Sabê-lo, eu o soube por muitos anos; conhecê-lo aconteceu em 2002: Dorval de Magalhães.
Quando rabisquei as minhas primeiras linhas, me presumindo "escrotor", resolvi pedir-lhe avaliação e conselhos - devidos à sua importância e conhecimento literários. Na tarde seguinte, recebi convite para ir até sua casa e, me borrando de medo, sentei-me em sua companhia quando ouvi suas palavras de incentivo. Ali, nasceu uma boa e grande amizade. A cabeleira prateada e bem cuidada, os olhinhos brilhantes e cheios de vida, o bom humor latente e potente emoldurando aquela carinha de anjo me cativaram para sempre.
- "Dr. Dorval, posso passar por aí pra'gente prosear um pouco?"
- "Venha, meu filho... Hoje sou funcionário de Deus e tenho todo o tempo do mundo."
Algumas vezes - que hoje vejo, foram poucas - me deleitei ouvindo-lhe causos e poesias.
Certo dia, ele me contou da confusão que faziam entre a sua pessoa, Dorval Magalhães e a pessoa do médico sanitarista Durval Gonçalves; isso, lá pelos anos cinqüenta. A correspondência endereçada a um quase sempre, trocada, chegava ao outro, já que ambos eram doutores. Doutor Dorval, se divertindo com aquela situação, mandou um bilhete para o quase homônimo fazendo trocadilhos com o "O" e o "U" constantes num e noutro nomes; claro que fechava rimando "U" com o "monossílabo do fim da coluna vertebral".
Nosso poeta maior contou-me também de um livro que seria patrocinado pelo Governo do Estado e teria que ser revisto pelo Conselho de Cultura. Ao receber os originais, viu que o verbete "rola-bosta" estava riscado e trocado por "rola-...". Incomodado com o falso puritanismo do conselheiro, doutor Dorval dirigiu-se ao censor e falou: "Olha moço, se eu escrever 'rola-bosta' é porque eu quero 'rola bosta'; não conheço nenhum besouro com o nome de 'rola-reticências'. Quando eu escrever 'cu' é porque eu quero 'cu' mesmo... Ou o meu livro sai com o 'rola-bosta', ou eu desisto do patrocínio".
Ao posfaciar meu livro "20 CONTOS INVERSOS E DOIS DEDOS DE PROSA", doutor Dorval liberou geral e, ali, apôs palavras que chocaram muita gente. Questionado se não queria refazer seus escritos, seus olhinhos faiscaram e sorrindo me disse: "Meu filho, eu estou gostando de ser eu... Estou gostando de ser contaminado pelo seu jeito irreverente".
E lá se foram noventa e um anos vividos intensamente: família, trabalho, história e poesia.
Não choremos a morte do doutor Dorval. Choremos a falta que nos fará o eterno pai e presidente da Academia Roraimense de Letras. Onde quer que se encontre ele há de ser bem aproveitado.
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