- 01 de novembro de 2024
Pobre João... João Adolfo é aquele brasileiro meio secular que depois de aprovado em dois vestibulares conseguiu ingressar numa universidade federal.
Depois de alguma embromação e muitos aborrecimentos, as aulas pareciam tomar rumo. Nosso estudante, enfrentando dificuldades mil, despertou os neurônios adormecidos e já azeitava a sua máquina biológica quando uma greve foi deflagrada. Os professores lutavam por melhores condições de trabalho e remuneração compatível. Tudo muito justo. "Mas tinha que ser logo agora?" pensou o velho João. "Tomara que seja por pouco tempo. Deixa eu rever as contas... Bom, já não vou concluir o curso aos 54 anos como planejado... Tá bom... 55 tá bom..."
30..., 45..., 60... Aos 100 dias de paralisação os jornais estamparam que o Ministério da Educação e o Comando Nacional de Greve haviam chegado a um consenso, que logo, logo as aulas seriam retomadas e que para repor os dias perdidos, três semestres seriam atendidos ao longo de 2006 entre os meses de janeiro e novembro. João reuniu a família e comunicou, sob protestos dos filhos, que aquela viagem de férias que fariam em janeiro estava cancelada. Ele não podia perder aulas.
Nosso acadêmico, através de comunicado quase oficial, ficou sabendo que as aulas reiniciar-se-iam no dia 16 de janeiro - 115 dias depois de iniciado o protesto. No dia marcado lá estava ele, às duas da tarde, esperando a retomada do ano letivo. Pobre João... O professor entrou, cumprimentou a todos, fez a chamada, durante longo tempo teceu comentários sobre a greve e esclareceu como seria conduzido aquele período. Saiu de sala às 3 horas e 50 minutos prometendo que na próxima aula voltaria ao ritmo normal.
4:10..., 4:30..., 5 horas e o professor da matéria seguinte não aparecia. João, ao circular pelos corredores, ouviu dizer que o mestre estava gozando férias e que só apareceria na terceira semana de aula. Nosso estudante consultou o relógio e decidiu perder uma hora no campus à espera do terceiro professor que só entrou em sala vinte minutos depois das 18 horas. Entrou, cumprimentou os alunos que teimaram em permanecer na Instituição, fez a chamada pausada e laconicamente, teceu comentários sobre a greve e sobre os procedimentos a serem tomados para recuperar o tempo perdido. Logo, desculpou-se dizendo ter um outro compromisso agendado e abandonou seus alunos à espera do professor que deveria ministrar a aula das vinte horas.
O mestre das 8 da noite apareceu? Neca-de-pitibiriba... Estava hospitalizado devido a uma cirurgia plástica para corrigir pequeno defeito estético no nariz (as narinas do mestre são mais importantes que a responsabilidade com seus pupilos).
No dia seguinte, a coisa foi parecida: o primeiro tempo foi vago, o segundo foi enrolado, o terceiro revisão de matérias "não dadas" e às 20:30 apresentou-se o professor das 20 horas. O ar de cansaço estampado em sua face era notório. O mestre deixou-se cair sobre a cadeira, cumprimentou os quatro gatos pingados que restavam na sala, fez comentários sobre a greve, falou sobre a metodologia que usaria para repor o tempo perdido, disse como seriam aplicados os testes de avaliação e fechou dizendo: "Eita..., essa greve me deixou azuretado. Não sei nem por onde começar... Gente não quero ser injusto... Não vou fazer chamada... Vou dar presença pra todo mundo... Nosso próximo encontro será na quinta? Lá nós recomeçaremos nosso ano letivo".
Os dias de aula da primeira semana foram todos banguelas. Uma aula aqui..., duas folgas acolá..., uma palestrinha pra encher lingüiça e, de sério mesmo, nada acontecia.
Dia 31 de janeiro - 15 dias após a retomada do ano letivo -, João contabilizou "das 36 aulas programadas 24 foram ministradas, destas 12 tiveram algum aproveitamento". Aborrecido, sentindo-se um animal meio a tanto descaso e desrespeito, nosso acadêmico tomou tenência e dirigiu-se à Diretoria de Departamento de seu curso. Amargou quinze minutos de espera e, quando recebido, falou:
- Professor, sou um homem sério e ciente dos meus deveres. Entrei na universidade ao arrepio da lógica, freqüento as aulas por benevolência do meu chefe e me privo de estar com a família para dar conta do recado. Estou decepcionado com o ensino e vim comunicar o que está acontecendo para ver se alguma providência pode ser tomada para reverter a situação que estamos enfrentando e... patati-patatá..., patati-patatá... O jovem Diretor de Departamento esboçou um sorriso irônico e falou:
- Tio, isso aqui é uma universidade federal e as coisas funcionam assim mesmo. O
senhor tá muito estressado. Veja o lado bom da coisa: quanto piores forem as aulas, menos os mestres exigirão dos alunos; quanto menos os alunos forem exigidos, mais chances terão de ser aprovados em todas as matérias. O senhor tá é com sorte...
- Mas, professor, eu não estou aqui em busca de aprovação ou de um diploma pra
decorar parede. Eu vim para aprender... Vim em busca de conhecimentos...
- Ih, Tio, assim a coisa complica. Vou lhe dar um conselho: se for pra aprender
mesmo, é melhor que o senhor peça transferência para uma faculdade particular. Lá, como o senhor vai pagar pelo curso, vai ser mais fácil ser atendido nas suas reivindicações e receber o conhecimento que procura. - E conduzindo o velho estudante até a porta - Agora me dê licença, pois daqui a vinte minutos teremos uma reunião com o reitor para deliberar sobre os recessos do carnaval e da semana santa.
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