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Embrulho de pão - Francisco Espiridião

Ser jornalista é questão de talento. É como o escritor, de quem nada se exige, por exemplo. E veja-se que este detém as mesmas prerrogativas do outro quando o assunto é a possibilidade de macular honras alheias (preocupação maior dos exclusivistas). O caso do livro é mais crítico. Transcende gerações. Jornal é artigo descartável.


Já passou. Ninguém mais fala nisso. Mesmo assim, continuo cismado com essa história. Por que o cidadão brasileiro que tenha um mínimo de opinião formada (nenhuma alusão à coluna do patrão) não pode expô-la de forma profissional em redações Brasil afora, como ocorria desde que o primeiro jornal foi impresso em terras tupiniquins?

Concluí o curso de Comunicação Social (Jornalismo) pela gloriosa Universidade Federal de Roraima no segundo semestre de 1997. Antes disso, tinha atuação eficaz chegando a ganhar um prêmio como o melhor redator do ano, no início dos anos 90, pelo extinto jornal Diário de Roraima. Depois disso, desinteressei-me de concorrer.

Vejo-me na obrigação de dizer que sinto muito pela decisão judicial que extirpa das redações aqueles que não têm diploma. Vejo a reserva de mercado no setor como medida descabida e burra. Carece de fundamentação científica ou mesmo prática. Quantos talentos o jornalismo brasileiro teria perdido se essa medida vigorasse há pelo menos 50 anos?

Os "papas" da comunicação no Brasil são, em grande maioria, formados em áreas estranhas ao Jornalismo. Direito por excelência. É o caso de Sebastião Nery (Tribuna da Imprensa), Carlos Castelo Branco, Márcio Moreira Alves (Prêmio Esso de Reportagem em 1958 e Prêmio Unesco de Comunicação em 2004), e tantos outros próceres da notícia ("10 reportagens que abalaram a ditadura", Fernando Molica - organizador -, RJ, Record, 2005).

Ricardo Kotscho, ex-secretário de Imprensa da Presidência da República (Governo Lula) até que tentou. Iniciou o curso de Jornalismo na USP, mas não chegou a concluí-lo. Assim também o fez com as faculdades de Filosofia e de Ciências Sociais, deixando-as pela metade na mesma USP (idem).

Já Mylton Severiano, após abandonar o curso de Direito na USP, no segundo ano, formou-se em Teoria Musical pelo Conservatório Musical Santa Cecília (1957) e foi editor e diretor de redação de vários jornalões, TVs e revistas, entre eles Folha de S.Paulo, O Estadão, Última Hora e TV Bandeirantes (idem).

Cá perto de nós, podemos citar expoentes como Expedito Peronnico (Administrador de Empresas), Manoel e Edersen Lima, Laucides e Consuelo Oliveira, Péricles Perruci, Sandra Lima, Jessé Souza, Carvílio Pires e Plínio Vicente da Silva, entre outros. Todos com extensa e incontestável folha de serviços prestados a Roraima e ao País. 

Poderia continuar enumerando um batalhão de repórteres de safra mais recente e nem por isso menos ilustres: Luís Valério (Letras), Cineyda Correa (Pedagoga) Conceição Silva, Francisco Paes, Luciano Torres, Amílcar Sérgio... Quase todos detentores de registro de jornalista profissional no Ministério do Trabalho e Emprego.

Negar hoje essa oportunidade a neófitos é voltar a mergulhar em tempos soturnos que, em termos de rigidez absoluta e intransigência descabida, suplantam os ares vividos no regime de exceção (pós-64). Impedir o acesso de jornalistas sem diploma às redações parece, no mínimo, atitude discricionária.

Ser jornalista é questão de talento. É como o escritor, de quem nada se exige, por exemplo. E veja-se que este detém as mesmas prerrogativas do outro quando o assunto é a possibilidade de macular honras alheias (preocupação maior dos exclusivistas).

O caso do livro é mais crítico. Transcende gerações. Jornal é artigo descartável. Ou, mostre-me um "mané" sequer que se dê a perder tempo lendo o jornal de ontem. Quando muito, serve para embrulhar o pão.

Jornalista; e.mail: [email protected]

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