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Honestidade - *Francisco Espiridião

Entre usar de subterfúgios - tais como o proselitismo deslavado embutido na doação dos recursos - e ser autêntico, como o foi dona Suely Campos, prefiro ficar com a segunda. Longe de mim julgá-la afirmando que o correto seria o que foi aprovado, ou seja, o recesso de apenas 55 dias. Aposto como a vontade ampla, geral e irrestrita na Câmara era manter os 90 dias.


É desalentador o que se vê no Brasil. Se o "politicamente correto" manda que se use de demagogia, usemos e abusemos dela todos. Qualquer um que ouse quebrar a regra, a espinha dorsal do faz-de-conta, é posto imediatamente no paredão e fuzilado sem dó nem piedade. O que importa é manter as aparências. A qualquer custo.

Nesta quarta-feira, a deputada federal Suely Campos (PP/RR) ousou quebrar esse esdrúxulo catecismo, ao votar com sua consciência e não pelas pressões advindas de setores externos, a grande imprensa como um dos mais aguerridos.

A ex-primeira-dama de Roraima foi voz solitária neste deserto árido de convicções próprias. Em meio a quase quinhentos deputados, foi a única a votar a favor da manutenção do recesso de 90 dias dos parlamentares.

E o que é melhor: manteve o voto, demonstrando coragem que poucos teriam. Seria mais fácil seguir a linha de raciocínio do deputado Pauderney Avelino (PFL/AM): "A deputada se confundiu na hora de votar."

Longe de mim querer julgá-la, afirmando que o correto seria o que foi aprovado, ou seja, o recesso de apenas 55 dias. Aposto um milhão de reais (ah, se um dia eu soubesse quanto é isso!) como a vontade ampla, geral e irrestrita na Câmara Federal era manter o "status quo". Carinhas de pau foi o que não faltou naquela sessão.

Votaram contra suas consciências por puro pavor de perder a vaquinha, digo, vaguinha no Congresso, para continuar mamando, digo, servindo ao povo com dedicação a apreço. Estamos em ano de eleição. E nele, é preciso posar de bom moço. Pisar em ovos. Vive-se, afinal, tempos bicudos, onde a palavra credibilidade é o artigo de luxo nas duas Casas representativas.

Se pudesse emitir opinião - e se ela valesse um tostão furado -, acredito que não só eu, mas todo o povo gostaria de ver tanto parlamentares como integrantes do Poder Judiciário gozando merecidas férias de 30 dias. Não é assim com os simples mortais? Por que, então, perpetrarmos castas superiores num país que se diz democrático?

Outra coisa que engasga ao tentarem enfiar-nos goela abaixo é essa acirrada campanha da TV Globo enaltecendo parlamentares que estão devolvendo os dois mensalinhos da convocação extraordinária aos cofres das respectivas Casas ou repassando-os a instituições filantrópicas. 

Não há nada mais sem-vergonha do que fazer graça com o chapéu alheio. Ao doar os recursos para essas instituições, o parlamentar ganha publicidade gratuita nos meios de comunicação. Doa os recursos hoje porque sabe que vai reavê-los amanhã, com juros e correção monetária. A publicidade que advém do ato de doação, no frigir dos ovos, redundará em votos contabilizados em outubro próximo.

Entre usar de subterfúgios - expedientes mais que necessários no alinhavo de política sórdida, tais como o proselitismo deslavado embutido na doação dos recursos - e ser autêntico, como o foi dona Suely Campos, prefiro ficar com a segunda.

Prefiro ouvir a decisão dos deputados roraimenses que propalaram alto e bom som que não vão devolver ou doar a ninguém os dois mensalinhos. Pode ser politicamente incorreto, imoral, ou o que quer que seja. Mas foram honestos. O povo vai julgá-los nas urnas. Honestidade, aliás, é o que mais o povo está a exigir neste momento.

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