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'Aposentado, mas perto do direito' - Carlos Velloso

As caixas com livros e decisões judiciais já estavam cheias desde o início da semana, nos corredores do gabinete do 4º andar do prédio da mais alta instância do Judiciário. As fotos da família, contudo, continuavam espalhadas pelas prateleiras um dia antes do mineiro Carlos Mário da Silva Velloso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), colocar fim em uma carreira de 40 anos de sentenças e decisões judiciais.



Fernanda Odilla
Da equipe do Correio

Iano Andrade/CB/17.1.06
"Por ironia do destino acabei relator de todos os mandados de segurança de quem tinha me nomeado. Não foi fácil"
 

As caixas com livros e decisões judiciais já estavam cheias desde o início da semana, nos corredores do gabinete do 4º andar do prédio da mais alta instância do Judiciário. As fotos da família, contudo, continuavam espalhadas pelas prateleiras um dia antes do mineiro Carlos Mário da Silva Velloso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), colocar fim em uma carreira de 40 anos de sentenças e decisões judiciais. Para ocupar sua vaga, ele acredita ser mais prudente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicar um jurista por natureza, com "ciência e consciência".

Apesar da aposentadoria compulsória, Velloso avisa que não vai parar de trabalhar. Ele lamenta apenas não poder aprovar as propostas de combate à prática do caixa 2 e novas regras para a propaganda eleitoral, que deixa por escrito para apreciação dos colegas de corte. Providências tomadas depois da crise que se instalou no país, no ano passado. "Quem poderia imaginar que um partido ideológico pudesse se envolver em questões de crimes eleitorais? A crise teve seu lado bom", avalia, esperando para 2006 uma eleição mais limpa e pobre. "A maquiagem vai diminuir porque vai faltar dinheiro."

Modesto, Velloso não exalta que foi em sua gestão que o Brasil informatizou o voto com as urnas eletrônicas e hoje exporta a tecnologia. Ele cita apenas sua atuação no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que o indicou para o STF.


O senhor recebe de presente de aniversário a aposentadoria compulsória, neste momento de crise...
É um presente inesperado que nos pega no contrapé, no meio do caminho. Estávamos todos trabalhando para as eleições de 2006. Mas, nesses últimos meses, já antevendo o presente inesperado, muito fizemos. Trabalhamos muito para mandar para o Congresso projeto de reforma política-eleitoral. E também deixar praticamente prontas, no tribunal, as instruções que eu penso que podem tornar mais limpa a disputa eleitoral. E mais barata.

Essa reforma é o que o senhor mais se orgulha de ter feito à frente do TSE?
Tenho uma atuação do STF e no TSE. Foram milhares os votos que proferi, milhares os julgamentos que participei. Tivemos julgamentos especiais, como o que o Supremo arbitrou o impeachment do presidente Collor. Por ironia do destino acabei relator de todos os mandados de segurança de quem tinha me nomeado. Não foi fácil.

Foi em sua gestão que o Brasil passou a usar as urnas eletrônicas. Foi difícil implantar o voto eletrônico?
Foi. Ninguém acreditava que daria certo. Achavam que aquilo ali era um sonho, eu aceitei as críticas. Transformei o sonho em realidade. Foi uma cruzada até as eleições de 1996 com as urnas eletrônicas. De 15 a 20 dias de apuração manual conseguimos chegar a duas horas para o resultado final, no referendo - consulta realizada no final do ano passado sobre o comércio de armas de fogo no Brasil. No último domingo, tivemos eleições na República Dominicana com nossas urnas. Fazemos convênios com a intervenção da Organização dos Estados Americanos (OEA) para emprestar. A OEA paga o frete, o seguro e a passagem dos nossos servidores. Não há ônus. A Justiça Eleitoral entra com sua ciência.

Há alguma coisa que deixou de fazer e da qual se arrepende?
Consultando minha consciência não vejo nada que pudesse tisnar meu comportamento. Eu olho para o passado e não vejo motivos para deixar de me orgulhar daquilo que fiz. Há muito mais coisas que eu queria fazer. Eu gostaria de deixar prontas e aprovadas todas as instruções de combate ao caixa 2 para o tribunal. Eu as deixei minutadas. Acredito que o STF as aprovará. Mas é algo que eu próprio queria fazer.

Por que só agora decidiu-se fechar o cerco ao caixa 2? Tem a ver com a crise?
A crise tem seu lado bom. Quem poderia imaginar que um partido ideológico pudesse se envolver em questões desse tipo. Eu jamais poderia imaginar. A crise despertou a sociedade, a mídia e as autoridades. Despertou a Justiça Eleitoral para um problema e tomamos providências. Propostas de agravamento de penas e tipificação de condutas foram remetidas ao Congresso e já são projetos de lei no Senado.

Espera que sejam votadas ainda este ano?
Podem votar para as eleições de 2006, porque não interferem no processo eleitoral. O que tem que ser votado com um ano de antecedência são as normas que interferem.

O senhor teme que esse projeto de lei receba emendas que o descaracterize?
Sempre digo que confio naquele núcleo duro, de parlamentares honestos e dignos que há no Congresso. Um desses parlamentares me disse que está propondo a votação das nossas propostas para agora. Emendas podem descaracterizar as propostas. Isso é perigoso, sem dúvida. Eu confio nos parlamentares honestos.

Penas mais severas não significam garantia de punição. A Justiça é mais lenta do que se gostaria...
A lentidão da Justiça colabora para a impunidade. Com nossas propostas, a prescrição que poderia advir dessa lentidão está afastada. Costumo dizer que a causa maior é o exagerado formalismo das nossas leis processuais. De outro lado, o sistema irracional de recursos. Nós teríamos que pensar também numa reforma processual para dar agilidade. Tardará talvez a sentença, a decisão final, mas a Justiça não faltará.

O senhor disse não ser possível acabar com o caixa 2 porque o "espírito estelionatário" está presente em muita gente. O
senhor imagina qual será a nova forma de burlar a lei eleitoral?

O espírito do estelionatário é muito criativo. Sempre que você fecha de um lado, ele tenta encontrar uma saída desonesta. Não sei te dizer qual seria a nova modalidade, mas que ela pode aparecer, pode. É difícil fechar para não acontecer nunca mais. Podemos tomar providências para reduzir a possibilidade da prática do delito.

Quais são seus planos? Vai advogar ou fazer política?
A essa altura da vida não seria adequado ingressar na política. Eu não fiz política durante 40 anos. Não devo trocar de pouso. Vou continuar fazendo aquilo que sempre fiz que é lidar com direito. Meus projetos estão no magistério superior e na advocacia de pareceres, de consultoria.

Como o senhor vê políticos juristas sendo indicados ministros? Esse sistema de indicação poderia mudar?
Não acho que essa forma de nomeação seja ruim. Fiz uma pesquisa a respeito dos nomes dos ministros desde o primeiro nomeado na República. Cheguei à conclusão de que há nomes de maior ou menor peso, mas todos de saber jurídico. Nomes de políticos indicados vieram a se tornar grandes ministros. Não tenho esse preconceito contra o jurista parlamentar ou o jurista político. Seria contra um parlamentar que não fosse jurista.

É natural que um ministro vote contra quem o indicou na tentativa de reforçar idéia de autonomia?
Ele não deve votar contra o presidente que o nomeou simplesmente para mostrar independência. Quem faz isso não é juiz. Não deve votar favoravelmente simplesmente por gratidão. Quem faz isso não é juiz. Tem que votar rigorosamente de acordo com sua ciência, com o que sabe, com o que estudou. E de acordo com sua consciência. O maior do juiz é o tribunal de sua consciência, o único que não engana. No caso do Collor, meditei e cheguei à conclusão de que não deveria me afastar, mesmo porque dois juízes já haviam se afastado.

É mais prudente escolher um jurista?
Penso que sim. A gente nota essa tendência no sentido de um nome de um jurista. O presidente da República deverá caminhar no sentido dessa tendência.

Qual o perfil ideal para seu sucessor?
Deve ser um jurista que tenha grande saber, porque num julgamento as questões variam. Sai de uma questão tributária por uma eminentemente constitucional ou penal. Direito civil. E com disposição para o trabalho. Para mudar a forma de indicação, eu tenho uma proposta: as faculdades de Direito, os tribunais superiores, os tribunais de justiça federais e estaduais por regiões do Brasil, o Conselho Federal da OAB e o Ministério Público Federal e também os dos estados escolhem, cada um, dois nomes, desde que tenha mais de 20 anos de exercício da profissão. Esses nomes seriam submetidos ao STF, que reduziria a lista a seis opções para o presidente da República escolher um e mandar ao Senado. Assim, você teria a participação dos três poderes. Escolha democrática.

O Judiciário é criticado por interferir nos outros poderes. Esta semana um juiz suspendeu o pagamento dos parlamentares ausentes na convocação extraordinária. Não há exagero nisso?
A Constituição de 1988 é democrática. Ela facilita o acesso à Justiça. O juiz só concedeu a liminar porque se tratava de uma ação popular, um instrumento de prática de democracia direta. É cidadão fiscalizando os negócios públicos. Isso é do jogo jurídico. Não é exagero.

E no caso do José Dirceu, quando o STF interferiu no trâmite de um processo interno do Congresso?
Se alguém vem e diz que seu direito está sendo violado, ameaçado, a Justiça tem que tomar providência. Lá deve estar o juiz para curar a lesão.

A verticalização é mais uma interferência do Judiciário?
Não. A verticalização existe na lei. O TSE simplesmente indicou que as coligações sejam feitas uniformemente, sem que o partido se coligue no âmbito federal de uma forma e no âmbito estadual de outra. O Tribunal emitiu uma decisão nesse sentido e implantou a partir de 2002. É uma medida boa, moralizadora, que impede conchavos paroquiais.

A verticalização pode cair a qualquer momento. Não há uma forma de essa medida ser definitiva?
Pode cair. Mas eu não posso admitir que o tribunal que disse que a verticalização está na lei e que mandou aplicá-la na eleição de 2002, venha a voltar atrás.


perfil - carlos velloso
Vida dedicada aos tribunais

Luiz Castro Silva
Do Estado de Minas

Fotos: Iano Andrade/CB/17.1.06
No Supremo, proferiu votos que modificaram a jurisprudência do tribunal nas esferas do direito constitucional, tributário e administrativo

Na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, destacou-se pela modernização e moralização do processo eleitoral

No STJ, exerceu o cargo de ministro e presidiu a comissão de regimento interno do tribunal
 

Mineiro, de Entre Rios de Minas, Carlos Mário da Silva Velloso, que faz hoje 70 anos, se aposenta, pela compulsória, como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), nomeado por decreto de 28 de maio de 1990 do presidente da República, depois de sabatinado pelo Senado, para a vaga aberta com o pedido de exoneração do ministro Francisco Rezek. Foi presidente do STF no biênio 1999-2001. Com a aposentadoria, também deixa a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que exerce pela segunda vez, tendo se destacado pela modernização e moralização do processo eleitoral.

No Supremo, proferiu votos que modificaram a jurisprudência do tribunal nas esferas do direito constitucional, direito tributário e administrativo. No direito eleitoral, Velloso demonstrou, principalmente nos dois períodos em que presidiu o TSE, uma visão simultânea de administrador pragmático e de jurista de vanguarda, preparado para os desafios do sufrágio num país de dimensões continentais, atento à adequada proteção dos direitos da cidadania.

No primeiro mandato à frente do TSE instituiu o sistema de votação por urnas eletrônicas, que automatizou 100% das eleições no Brasil. Por falta de interesse do Congresso Nacional, os estudos elaborados pela comissão de notáveis criada por Carlos Velloso sobre financiamento público de campanha, reformas do sistema eleitoral e partidária e novo código eleitoral deram em nada. Estão arquivados no Congresso.

Encerra este segundo mandato levantando muita poeira no cenário político, propondo medidas rigorosas na prestação de contas eleitorais e no sistema de fiscalização. Segundo Velloso, o caixa 2 nunca será totalmente banido das campanhas eleitorais, mas pode-se contribuir - daí as medidas que propõe - para o endurecimento da legislação.

Diplomado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1963, passou a exercer a advocacia em Belo Horizonte. Prestou concurso público para o cargo de promotor de Justiça do estado, em 1964, obtendo o terceiro lugar, e, em 1966, foi aprovado, em segundo lugar, no concurso público para juiz Seccional, alcançando, ainda no mesmo ano, o quinto lugar no concurso público para juiz de Direito. Em março de 1967, foi nomeado juiz Federal em Minas Gerais, tendo exercido a função até 1977.

No biênio 1970/1971, foi diretor do Foro e Corregedor da Seção Judiciária Federal de Minas Gerais. Integrou o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, de 1969 a 1971 e de 1973 a 1975, tendo presidido, em 1974, a comissão apuradora das eleições parlamentares no estado, feita pioneiramente pelo computador. Em outubro de 1983, assumiu o cargo de ministro substituto do TSE, tendo sido efetivado em setembro de 1985 e eleito dois meses depois corregedor-geral da Justiça Eleitoral.

Com a criação pela Constituição Federal de 1988 do Superior Tribunal de Justiça (instalado em abril de 1989), exerceu o cargo de ministro do STJ e a presidência da Comissão de Regimento Interno do tribunal. Permaneceu no STJ até junho de 1990.

No magistério, que exerceu a partir de 1968, foi professor de Direito Constitucional nas Faculdades de Direito das Universidades Católica (PUC-MG) e Federal de Minas Gerais (UFMG).Quando de sua investidura no TFR, ocupava, mediante inclusão em lista tríplice, pela congregação e nomeação do Reitor, a direção da Faculdade de Direito da PUC-MG. É professor titular, licenciado, de Ciência das Finanças e Direito Tributário da Faculdade de Ciências Administrativas da UNA-MG. Também foi professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), nos cursos de graduação e pós-graduação nas cadeiras de Teoria Geral do Direito Público e Direito Constitucional, tendo se aposentado no magistério em abril de 1998.

O ministro Carlos Velloso faz parte de diversas instituições culturais e jurídicas, nacionais e internacionais: é membro da Academia Mineira de Letras, da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, com sede no Rio de Janeiro; é membro da Association Française des Constitutionnalistes, com sede em Aix-en Provence, França; e membro da Academia Internacional de Direito Econômico e Economia, com sede em São Paulo.

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