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Crônica do Aroldo - PATRIMÔNIO

Salim Said Mustafah saiu da Síria aos 17 anos, no final da década de 50. Sentiu que a criação do Estado de Israel acarretaria sérios problemas naquela região antes dominada somente pelos Árabes. Entrou no Brasil pelo Estado do Amazonas onde simpatizou com a cidade de Manaus e seu povo.


Salim Said Mustafah saiu da Síria aos 17 anos, no final da década de 50. Sentiu que a criação do Estado de Israel acarretaria sérios problemas naquela região antes dominada somente pelos Árabes. Entrou no Brasil pelo Estado do Amazonas onde simpatizou com a cidade de Manaus e seu povo e, com a ajuda de patrícios, começou a vender calcinhas, meias, sutiãs, cuecas e miudezas em geral acondicionadas em duas velhas maletas de couro cru. O tempo passou e Salim prosperou. Em 2001, cinquenta anos depois, tinha amplo e imponente prédio na região portuária. O comércio e depósito ocupavam o térreo e Salim morava confortavelmente com a família no segundo andar.

Salim Said teve um único filho, Said Salim Mustafah, que era o centro das atenções e orgulho do velho turco. Aquele menino cresceu com todo o amor e regalias voltados para si, freqüentou bons colégios, destacou-se no curso de contabilidade da Universidade Federal e fez mestrado em Harvard. O velho Salim empinava o peito e mudava o tom de voz ao falar sobre o rebento; seus olhos negros brilhavam quando o assunto era Said.

Ao terminar o mestrado Said Salim ganhou de presente um périplo pela Europa com pequena incursão na Síria, para conhecer a terra e familiares. Depois de três meses nesta viagem de cultura e prazer, nosso jovem mestre voltou pra casa. Era hora de começar a trabalhar e produzir. Seu pai queria que ele tomasse a direção dos negócios e, com seus conhecimentos, multiplicasse aquele império iniciado com muitas andanças e suor.

Certo dia Said Salim entrou no bazar e, decidido a ali trabalhar, já tinha elaborado um plano de modernização e modificações embasados nos conhecimentos adquiridos nas salas de aula. Dirigindo-se ao velho pai falou:

- Pai, temos que fazer um balanço nesta loja.

O turco reagiu:

- Mas, Said, meu filha, bra que balança se tuda isso é meu; teu pai num tem sózia...

- Pai, temos que conhecer o patrimônio, saber o que é capital, imobilizado, investimento; saber o que vende, ver custos de mercadorias, custos acessórios, encargos financeiros, encargos sociais, lucros e perdas, tudo isso. Para chegarmos a esses números teremos que fechar o bazar por uns vinte dias. A partir daí saberemos qual é nosso lucro real e poderemos partir para novos planos.

O velho turco coçou a cabeça ressabiado e pensou "Ai, meu bom Alá! Fechar bazar por vinte dias...? Como vai ganhar dinheiro? E se fregueses desacostumam comprar em bazar de Salim?" Depois de tomar uma xícara de café, Salim puxou seu filho pela manga da camisa, levou-o até o fundo do depósito, subiu oito degraus de uma escada de madeira, tirou da prateleira duas velhas, surradas e empoeiradas malas de couro, bateu-lhes o pó com um espanador de penas de avestruz, e sob o olhar atento e curioso de Said, começou a colocar grandes quantidades de calcinhas, meias, sutiãs, cuecas e miudezas em geral dentro das mesmas. Depois que estas malas estavam cheias dos produtos citados, o velho afivelou suas alças com dificuldade, colocou-as em pé, estufadas, na frente do filho e apontando primeiro para as malas e logo depois abrindo os braços mostrando as prateleiras abarrotadas de mercadorias falou:

- Meu filha, o capital de seu pai tá todo aqui nesses malas. O resta que tá nesse bazar, nessa depósito, e lá em nossa casa é tudo lucro.

 

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