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Duas diferentes visões de uma mesma fronteira - Neudo Campos*

Lembram da lei de novembro de 1991 que criou a Área de Livre Comércio de Pacaraima e Bonfim? Até hoje não foram instaladas por exclusiva má vontade de Brasília. A desatenção tem sido tão gritante, que se olharmos bem só para nossa aduaneira, vamos ter uma pequena amostra da pouca importância que o governo brasileiro nos atribui.


Durante longo tempo os governos de Brasil e Venezuela viveram sem perceber a importância que um tinha para o outro. Independente disso, lentamente, as conseqüências da vizinhança ia aproximando os dois povos. A velha Santa Elena de Uairén (SEU) se desenvolveu em torno dos garimpos fartos de ouro e diamante. A demanda por alimentos, no entanto, fez com que m 1933, meu pai, Antônio Ribeiro Campos e meu irmão, Chico Ribeiro, com apenas 14 anos, por sugestão do amigo Gaúcho Dias, carregassem burros com latas cheias de banha de porco e montados a cavalo, as levassem, numa dificuldade sem tamanho, para vender em SEU. Acho que não foi a primeira exportação, mas, sem dúvida, uma das primeiras.

Muitos anos se passaram, até que em 1992 ou 93, o Governo Federal desferiu à distância - como costuma fazer contra Roraima - seu devastador golpe que foi a demarcação da Terra Indígena Gleba São Marcos, que se estende desde a fazenda do mesmo nome, até o Marco BV-8.

Com este forte instrumento, o GF brasileiro tem atrapalhado bastante o desenvolvimento de Pacaraima, afinal, lá ninguém é proprietário de nada. Só mesmo as fantásticas oportunidades de, de novo, abastecer uma parte do mercado de SEU, fez e faz com que comerciantes ali se instalem, conscientes que suas vendas estão sujeitas ao sabor do câmbio do Real e do Bolívar além das determinações emanadas de Brasília. Mas, para eles, mesmo assim, tem valido a pena. Some-se a isso também, o clima frio, que atrai alguns moradores de Boa Vista para construírem lá as suas casas serranas.

Do lado venezuelano, temos percebido uma atenção maior à sua região sul. Por volta do final dos anos 60 e início dos anos 70 os presidentes dos dois países se encontraram na fronteira e se comprometeram a abrir cada trecho da estrada transamericana de seus países. Collor e creio que Carlos Andrés Perez ou Calderas, firmaram o compromisso de asfaltá-las, alguns anos depois. A verdade é que a Venezuela terminou a sua parte, muitos anos antes.

Agora dia 9 de dezembro deste 2005, a Venezuela que vinha lutando a mais de 10 anos para ingressar no Mercosul, firmou sua condição de membro do Mercado do Cone Sul. Aliás, com o seu ingresso até este nome tem que mudar. Em vez de Cone Sul, Mercado da América do Sul ficaria, digamos, de acordo com a geografia.

O importante a observar, no entanto, é que a Venezuela se preparou. Criou uma Zona Franca em SEU e implantou uma infra-estrutura aduaneira de nos dar inveja, além de um aeroporto internacional! Estão cientes de que têm que melhorar muito o atendimento aos turistas para fazerem bonito por ocasião da Copa América em 2007. Ou seja, eles já têm traçado o que vão fazer!

Do lado brasileiro, porém, só dúvidas! Primeiro o Governo Federal brasileiro faz questão de ignorar que ali existe a sede do município de Pacaraima, que precisa regularizar não só a sua área urbana como também a de expansão, que certamente necessitará em conseqüência do comércio bilateral que, se já cresceu em 2005, imaginem daqui pra frente, com a Venezuela no Mercosul.

Lembram da lei de novembro de 1991 que criou a Área de Livre Comércio de Pacaraima e Bonfim? Até hoje não foram instaladas por exclusiva má vontade de Brasília. A desatenção tem sido tão gritante, que se olharmos bem só para nossa aduaneira, vamos ter uma pequena amostra da pouca importância que o GF brasileiro nos atribui. A Receita Federal tem lá as suas instalações desde 1978. Depois o Ministério da Justiça construiu as da Polícia Federal, pelo menos, a uns 100 metros de distância. A seguir, o Ministério da Agricultura fez o escritório do Ibama, muito acanhado por sinal, e mais distante ainda. E finalmente em termos de acanhamento ninguém superou o Ministério da Saúde ao fazer as ridículas instalações da Vigilância Sanitária. Só falta agora, promover um encontro lá, entre os presidentes Lula e Chavez para criar a oportunidade para que a mídia nacional possa comparar as nossas, com as novas e bem planejadas instalações venezuelanas.

O povo roraimense bem que gostaria de poder ver o atual GF dar a importância devida à nossa fronteira, pois ali queira ou não, de fato, está uma cidade sede de um município fronteiriço com um país membro do Mercosul, que é a porte mais ao Norte de entrada do Brasil e não uma aldeia indígena - porque não tem índios - como tem sido tratada até hoje.


*Secretário extraordinário de Relações Institucionais com Países Fronteiriços.

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