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Questão indígena - Impasse na Raposa

Produtores rurais têm de sair da terra homologada em quatro meses, mas vão entrar na Justiça para ficar no local até o ano que vem. Eles alegam que terão prejuízos em relação aos investimentos feitos na safra.


Ullisses Campbell
Da equipe do Correio

Eduardo Knapp/Folha Imagem/21.8.05
Moradores de Pacaraima, vila que fica dentro da reserva, fizeram protesto na BR-174 contra a homologação: não-índios querem viver na raposa
 
Oito meses depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologar a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, um grupo de plantadores de arroz de Roraima vai entrar na Justiça para ficar na reserva até o fim do ano que vem. Eles alegam que precisam plantar e colher mais uma safra para não ter prejuízos com investimentos na agricultura. O governo propõe transferir os arrozeiros para outra região, mas nem todos estão de acordo.

Pelo prazo legal, todos as pessoas não-índias que moram ou trabalham na reserva devem deixar o local em abril. Até agora, no entanto, o governo não concluiu o levantamento das benfeitorias para indenizar os moradores. Pela avaliação da Fundação Nacional do Índio (Funai), há 625 famílias que ainda não deixaram a região. Elas estão distribuídas em quatro vilas e em dezenas de fazendas.

O agricultor Régis Ollanda, 42 anos, tem 700 hectares de plantação de arroz. Segundo conta, ele contraiu R$ 120 mil em empréstimos no Banco da Amazônia para comprar máquinas agrícolas, sementes e adubos. "Para pagar essa dívida, terei de plantar mais duas safras. Se eu sair das terras agora, não tenho como iniciar uma nova plantação até março", conta. Ollanda é um dos fazendeiros que vão tentar ficar na Raposa Serra do Sol por mais um ano.

Segundo o antropólogo Gonçalo Teixeira dos Santos, administrador da Funai em Roraima, o prazo dado para os não-índios deixarem as terras da Raposa Serra do Sol termina daqui a quatro meses. "Mas o governo vai esperar todos os arrozeiros colherem a safra que já está plantada. Os fazendeiros que plantaram depois que foi assinada a homologação não terão direito sobre a plantação", disse Santos.

Na ação que os agricultores movem na Justiça Federal, em Roraima, para continuar na região, consta que líderes indígenas de várias etnias trabalham nas plantações para sustentar suas famílias. "Aqui na minha fazenda tenho 68 empregados. Desses, apenas 12 não são índios", ressalta o agricultor Manuel Robério Costa. Ele quer ficar na reserva até o final de 2006. Mas nem todos os líderes indígenas estão de acordo.

A Raposa Serra do Sol é composta por terras indígenas que foram reivindicadas durante 26 anos, mas que só em 2005 passaram para o domínio de cerca de 14 mil índios das etnias Macuxi, Uapixana, Ingaricó, Aurepangue e Patamona. A área foi homologada de forma contínua e representa 1,7 milhão de hectares. Depois da homologação, a Funai passou a trabalhar com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para assentar as famílias que estão na reserva.

Para o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em Roraima, Amarildo Macuxi, a ação que os arrozeiros movem na Justiça não vai mudar o trabalho de preservação da cultura indígena que organizações não-governamentais e a Funai já estão fazendo na região. Amarildo assegura, também, que os índios que estão trabalhando com os produtores de arroz são os mesmos que se opuseram à demarcação contínua da área.

O governador de Roraima, Ottomar Pinto (PSDB), que entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar cancelar o decreto presidencial, ainda reclama que a homologação das terras da Raposa Serra do Sol prejudicará o desenvolvimento do estado. Segundo ele, com a reserva indígena, as terras da União em Roraima já somam 83%. "Aqui, o governo estadual administra só 7% do território", reclama Ottomar. O governador também se diz preocupado com as áreas de fronteiras, que, segundo ele, ficaram desprotegidas com a homologação da área. "As terras indígenas na Amazônia são contínuas, passam para a Venezuela e Suriname e formam uma área maior do que vários países do mundo", diz.

A Polícia Federal em Roraima teme que a resistência dos produtores de arroz cause conflito no estado. Há dois meses, um grupo com cerca de 100 homens encapuzados invadiu o Centro de Formação Cultural Raposa Serra do Sol, no município de Pacaraima, e ateou fogo no local. O incêndio criminoso destruiu uma igreja, um posto de saúde, parte de um alojamento e um refeitório. Até um professor foi espancado. A Polícia abriu inquérito e descobriu que os autores da ação criminosa eram índios que trabalham para arrozeiros da região. Dois deles foram presos.


Mais terras reconhecidas

Se tudo ocorrer conforme o programado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá homologar mais 35 terras indígenas este ano. Doze delas já estão em fase final de instrução pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

O procedimento de regularização de uma terra indígena é longo. Inicia-se com o estudo de identificação e delimitação, feito por técnicos da Funai, que duram, em média, quatro anos. A homologação é a última fase, na qual o presidente da República assina o decreto concordando com as conclusões dos trabalhos.

Para o antropólogo Fernando Moura de Castro, da Universidade Federal do Pará (UFPA), o maior problema que o Brasil enfrenta para demarcar terras indígenas é a lentidão do governo. "A Funai é um órgão sucateado. O governo só reconhece uma área como reserva depois de muita pressão dos povos e do movimento indígena", critica. De 1998 a 2004, o Ministério da Justiça reconheceu uma média de 14 terras indígenas por ano.

Segundo a Funai, a demarcação de terras indígenas no Brasil enfrenta problemas com o Judiciário, que costuma paralisar processos no órgão do governo federal para atender à reivindicação de quem é contrário à homologação. Outros entraves, segundo a Funai, são os problemas técnicos, já que as terras reivindicadas por índios ficam em lugares distantes e conflitos que ocorrem nas áreas em processos de demarcação. (UC)


Exército pode estar treinando índios

Da redação
Reprodução/O Globo
Um militar, em lugar não identificado, ensina indígena a usar fuzil
 

Militares das Forças Especiais do Exército podem estar fornecendo treinamento para índios. Reportagem publicada ontem pelo jornal Extra sugere que indígenas são submetidos a exercícios de guerra no interior do país. As fotos mostram homens e mulheres, com caracteristicas indígenas, enfileirados, praticando tiro ao alvo, com armas que seriam de uso exclusivo das Forças Armadas, sob supervisão de um soldado.

A reportagem sustenta que os exercícios seriam feitos anualmente. As atividades fariam parte de um treinamento da Brigada de Operações Especiais, que atua no Rio de Janeiro, em Goiás e no Amazonas. Apesar de o jornal defender que os exercícios são regulares, ainda restam dúvidas quanto ao ano e local das fotos. Ontem, a procuradora do Ministério Público Ela Wiecko afirmou que o lugar pode ser a cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), conhecido como "Cara do Cachorro".

Na matéria, o repórter informa ter procurado um especialista em armamentos que acredita que as fotos são recentes. Diretor do Núcleo de Estudos Estratégicos da UFF, Ronaldo Leão afirma que os fuzis que aparecem nas fotos são, aparentemente, o Pára-Fal e o Colt M4. O segundo modelo é utilizado pelo Exército desde 2004, o que sugeriria que a foto foi tirada nos últimos dois anos.

Procurado pelo Correio, o Exército, contestou a reportagem e informou, por meio de nota, que as imagens mostram o treinamento de tropas e não da população. Os exercícios militares "sempre contam com a participação voluntária de homens e mulheres, por ocasião dos exercícios simulados no terreno e sem munição real".

As Forças Armadas ignoram o parecer dos especialistas e asseguram que as imagens são anteriores ao atual governo. "No caso questionado, mostra o treinamento de operadores de forças especiais na Amazônia, nas décadas de 1980 e 1990, naturalmente valendo-se de habitantes locais", defende-se o Exército.

O Comando do Exército lança dúvidas sobre a possibilidade de as fotos serem de índios. "Em que pese a semelhança, provavelmente não se trata de uma comunidade indígena específica, já que a população no interior dos estados da Região Norte apresenta sempre nítidos traços indígenas, fruto da intensa e secular miscigenação da gente da Amazônia", diz a nota.

Para o advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Paulo Monteiro, a utilização de índios em treinamentos militares é novidade. Surpreso, ele cobra explicações das autoridades. "Se isso for verdade, o Exército tem que dizer por que os índios estavam recebendo esse tipo de treinamento. Isso tem que ser esclarecido. É muito estranho", disse Monteiro, que até então só tinha conhecimento de casos de índios estimulados a se alistar. "Nunca ouvi falar de treinamento militar para civis índios ou não-índios", completa.

Advogada do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Joenia Wapichana alerta para o risco que treinamentos do gênero podem trazer: "Se isso estiver mesmo acontecendo é muito perigoso. O grau de cultura deles é diferente do da maioria da população. Eles podem usar o que aprenderam em conflitos com outras tribos", especula. "A gravidade do caso depende do grau de aculturação do grupo", diz o antropólogo Roque Laraia, professor titular da Universidade de Goiás. "Também seria importante o Exército comprovar que foi voluntária a adesão desses índios que aparecem nas fotos", acrescenta.


Os fazendeiros que plantaram depois da homologação não terão direitos sobre a safra

Gonçalo Teixeira dos Santos, administrador da Funai em Roraima



O número
625
famílias que vivem dentro da reserva ainda não deixaram a região

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