- 05 de novembro de 2024
Da redação
Se alguém errou, não foi ele. Se alguém se omitiu, não foi ele. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou o ano de 2006 com uma entrevista exclusiva ao programa Fantástico, da TV Globo. Na entrevista , veiculada ontem à noite, o presidente esforçou-se para circunscrever no PT todas as irregularidades cometidas no que em 2005 ficou conhecido como o escândalo do mensalão. Para Lula, o que houve de errado foi cometido por dirigentes petistas, numa articulação partidária com aliados que envolveu somente interesses eleitorais, sem chegar ao governo.
O presidente, porém, admitiu que os erros cometidos - segundo ele, apenas pelo partido - foram muito graves. Uma traição a ele. Ou "uma facada nas costas", de acordo com as suas palavras. E, por conta desses erros, os dirigentes petistas foram punidos. Lula deu nome aos bois: José Genoino deixou a presidência do PT. Delúbio Soares e Sílvio Pereira saíram da tesouraria e da secretaria-geral do partido. E incluiu entre as punições a dirigentes petistas a cassação do mandato de deputado do ex-todo-poderoso ministro da Casa Civil José Dirceu.
Isolandoo governo da crise, o presidente lamentou que as denúncias tivessem ofuscado as boas ações que, na sua ótica, foram feitas pelo Executivo em 2005. E que permitem que ele pinte um quadro otimista para 2006. Segundo ele, estão traçadas as linhas para que diminua o desemprego e melhore o desenvolvimento do país.
Animador de auditório
A oposição rechaçou as previsões otimistas de crescimento da economia e do nível de emprego feitas por Lula na entrevista. "O presidente continua o mesmo animador de auditório de sempre: faz promessas sem compromisso com a eficiência", criticou o líder do PFL no Senado, José Agripino (RN). O líder do PFL no Senado argumenta que a geração de emprego não acontece "por espasmos", e sim por uma "escalada sem interrupções". Agripino cita a liberação de R$ 440 milhões para recuperar a malha rodoviária, em caráter de emergência, como uma "confissão da incompetência do próprio governo".
Para o líder do PSDB na Câmara, deputado Alberto Goldman (SP), o país repetirá este ano os "índices medíocres" registrados em 2005. "Não há mais nenhuma possibilidade de se ter um grande avanço no nível de crescimento econômico e de emprego até porque 2005 foi ano de crescimento muito baixo e de investimento muito reduzido. Para ter impacto positivo em 2006, era preciso ter investido mais no ano passado", justifica o tucano.
CPIs e combate à corrupção Tudo que eu desejo na vida é que a CPI apure corretamente o que tem que apurar, faça todas as acareações que tiver que fazer, apresente o seu relatório final. O Ministério Público, a partir daí, vai fazer as suas investigações. E aquilo que for para o Poder Judiciário, será julgado. Aquilo que precisar de a Polícia Federal investigar, será investigado. (.) Se nós quisermos transformar (o país) na grande nação que eu sonho transformar o Brasil, nós teremos que fazer do combate à corrupção quase que uma profissão de fé. O mensalão, os petistas envolvidos e as punições que receberam São erros (o esquema montado pelo PT com a ajuda do publicitário Marcos Valério de Souza). E tanto é que foram punidos. O (José) Genoíno saiu da presidência do PT. O Silvinho (Pereira, ex-secretário-geral do partido) não está mais no PT. E o (o ex-deputado) Zé Dirceu perdeu o mandato. O Delúbio (Soares, ex-tesoureiro do partido) saiu do PT. Porque, para mim, a apuração, ela tem que ser feita dentro do meu partido, nos outros partidos, dentro da sociedade, naqueles que são amigos do presidente e naqueles que são adversários do presidente. Afinal de contas, a investigação séria, o combate à corrupção, o combate aos erros administrativos (.) não podem ter cor partidária. O PT e a "encalacrada" em que se meteu O partido tem consciência da gravidade do problema. Tem consciência da encalacrada em que se meteu. O PT cometeu um erro, um erro que é de uma gravidade incomensurável. O PT cometeu um erro que será de difícil reparação pelo próprio PT. O PT vai sangrar muito para poder se colocar diante da sociedade outra vez com uma credibilidade que ele conquistou ao longo de 20 anos. (.) Numa família, quando alguém comete um erro qualquer, você não pune a família inteira. Vai ser punido quem cometeu o erro. E a legenda continuará com a mesma grandeza que fez política nesses últimos 20 anos. O governo e o combate à corrupção Eu estou convencido de que em nenhum momento da história do Brasil teve um governo que colocasse o aparato do Estado brasileiro para fazer investigação como nós temos colocado. (.)Esse é um processo de depuração que vai levar tempo. Você não tem uma varinha de condão que você fala: "apareçam os corruptos ou os malfeitores da pátria que nós vamos punir". José Dirceu No caso do Zé Dirceu, (.) diferentemente do Delúbio que assumiu a responsabilidade, o Zé Dirceu ainda não definiu seu processo. Ele foi cassado, vai ter o relatório da CPI ... Vamos aguardar para ver o que vai acontecer. Ss lições da crise A crise serviu para alertar a gente de que é preciso primeiro tomar mais cuidado. Segundo: é preciso fiscalizar mais. Terceiro: é preciso fortalecer as instituições. Quarto: é preciso exercer mais democracia e que a sociedade possa ter mais controle das ações do Poder Executivo, do Poder Legislativo. Como o presidente não sabia? Só tem três hipóteses de você saber das coisas. Você está comigo aqui no terceiro andar e tem gente trabalhando no quarto andar, tem gente trabalhando no segundo, tem gente trabalhando nos ministérios. Nem eu nem você sabemos o que está acontecendo. Então, como é que você sabe? Quando você participa da reunião ou quando alguém que participou te conta ou quando sai uma denúncia. O que é importante não é se você sabia ou não, porque se eu tivesse condições de saber não teria acontecido. Esse é o dado concreto. (.) Na medida em que eu soube, naquilo que diz respeito ao presidente da República, as providências todas foram tomadas. Foi afastado quem deveria ser afastado. Foi punido quem deveria ser punido. (.) E, no caso do PT, o PT fez a sua parte. Não adianta querer que as coisas aconteçam antes do tempo que têm que acontecer. Eu quero que seja assim para mim. (.) Desejo que seja assim para todo o povo brasileiro. Na hora em que sobre qualquer cidadão brasileiro pesar qualquer suspeita, eu quero que ele tenha o direito. Antes de ser condenado à forca, que ele possa ser julgado corretamente para que a gente não absolva um culpado e nem para que a gente condene um inocente. Facada nas costas Eu me considero traído(.). Porque eu dediquei parte da minha vida para construir esse partido. Eu, com a minha mulher e com as minhas crianças. (.) E a gente criou o partido exatamente para mudar a forma de fazer política nesse País. Mas eu não quero nem julgar se eu fui traído por A ou por B. É que eu acho é que o conjunto dos acontecimentos, para mim, sabe, soou como se fosse uma facada nas costas de alguém que junto com outros milhões de brasileiros dedicou parte da sua vida para construir um instrumento político que pudesse ser diferente de tudo que estava aí. Reeleição A minha preocupação nesse instante não é com reeleição. A minha preocupação nesse instante é que eu tenho um ano para governar esse País. Eu tenho muita coisa para fazer no Brasil esse ano e eu não estou nem um pouco preocupado com problema eleitoral. Se na hora que for decidir, lá para o meio do ano, chegar à conclusão que eu possa ser candidato porque interessa às forças políticas que me apóiam em ser candidato, eu também não tenho nenhum problema. Eu não tenho pressa. Quem tem pressa são os meus adversários. (.) Eu tenho que governar o Brasil até o dia 31 de dezembro e tenho muita coisa para fazer. (.) E muita coisa para colher. Porque você sabe que é assim: você planta, rega e um belo dia você começa a colher. Eu fui contra (a reeleição). Eu gostaria que não tivesse. Eu acho que, para o Brasil, um sistema bom seria que você não tivesse reeleição, tivesse um mandato de cinco anos - que já tivemos. Reformas A minha parte eu cumpri. Nós criamos um Fórum Nacional do Trabalho em que participaram empresários, trabalhadores e o governo. Apresentamos uma proposta que está no Congresso Nacional. Eu não posso bater escanteio e marcar o gol ao mesmo tempo. Eu enviei o meu processo ao Congresso Nacional que eu espero que ele vote. A reforma trabalhista, eu acho que ela precisa ser feita. Ser feita da forma mais madura possível para que a gente possa adequar o Brasil ao século XXI. Agora, ela não pode ser uma imposição de um grupo sobre outro. Ela tem que ser um acordo, em que leve em conta as necessidades do Brasil. É para isso que nós trabalhamos. Comparações Eu tenho mais 12 meses de mandato e eu quero poder comparar os meus números com os números de todos que passaram por aqui. Alguns, eu vou perder. Outros, eu vou ganhar. Mas me permita pelo menos fazer essa comparação. Pelo menos discutir as coisas que eu considere essenciais para o Brasil. Fé em 2006 Eu, como disse agora há pouco, eu não defini se sou candidato. (.) Ou eu estarei tomando posse ou eu estarei passando a faixa para alguém que ganhou as eleições. A única coisa de que eu tenho certeza de dizer ao povo brasileiro é que 2006 será "o" ano. Será o ano do povo brasileiro, porque está tudo engatilhado, está tudo preparado, está tudo armado para que o Brasil tenha um forte crescimento, uma forte distribuição de renda, muito emprego para esse povo e quem sabe a gente construir junto o Brasil que nós sonhamos há muito tempo construir. Obras Por que eu não vou colher as coisas que nós plantamos? Nós vamos colher e eu quero, como presidente da República, ir aos locais em que eu fui anunciar que ia fazer (obras). Eu quero ir lá colher agora o que eu plantei. Nós vamos fortalecer mais a política social. |
Réveillon discreto Letícia Sander Da equipe do Correio Um réveillon discreto, depois de um ano de crise. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou a virada do ano com a primeira-dama, Marisa Letícia, e familiares na Granja do Torto. Lula manifestou a assessores a intenção de aproveitar o fim de ano para descansar. O presidente não quis comentar os detalhes da festa familiar nem com assessores mais próximos, argumentando que o assunto era "de foro íntimo". Não forneceu sequer a lista das pessoas que estariam com ele. Ontem, a assessoria do Palácio do Planalto disse não ter condições de confirmar com quem ele efetivamente festejou a entrada de 2006. O clima na Granja do Torto no sábado era de isolamento. Nenhuma autoridade ou político passou pela entrada oficial da residência do presidente nem durante a tarde, nem à noite. O revéillon de 2005 foi tão discreto quanto o do ano anterior, quando Lula também ficou na Granja do Torto. Em 2003, o presidente recebeu amigos e familiares no Palácio da Alvorada, residência oficial que foi restaurada. A festa foi mais animada, com direito inclusive a uma queima de fogos de artifício lançados de uma área próxima à piscina do palácio. Em 2002, um dia antes de tomar posse, Lula foi a duas festas em hotéis da cidade. O presidente mostrou sinais de cansaço ao longo da última semana do ano. Tinha planejado inclusive tirar uma semana de folga. Acabou optando por uma solução de meio-termo. Terá uma agenda menos agitada durante esta semana, mas não se decretará "de folga". Hoje, Lula se encontra com o ministro de Relações Institucionais, Jaques Wagner, coordenador político do governo, para tratar das prioridades no Congresso durante a convocação extraordinária. |