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EDITORIAL - 2006 e o futuro do país

O ano de 2005 terminou melancolicamente. Nunca se viu tanto escândalo em um só governo. Nem tanta desfaçatez. O presidente sempre "na sala ao lado", sem nada ouvir nem ver. Apenas se beneficiando politicamente das articulações dos homens de má catadura. O Congresso absolve réus confessos: caixa dois em campanha passa a ser pecado venial. Esqueceu-se de que nem campanha eleitoral havia.


O ano de 2005 terminou melancolicamente. Nunca se viu tanto escândalo em um só governo. Nem tanta desfaçatez. O presidente sempre "na sala ao lado", sem nada ouvir nem ver. Apenas se beneficiando politicamente das articulações dos homens de má catadura. O Congresso absolve réus confessos: caixa dois em campanha passa a ser pecado venial. Esqueceu-se de que nem campanha eleitoral havia. Que dizer da vitória na Assembléia do Ceará do homem das digitais indecorosas com seus cem mil dólares?

O presidente devaneia na região onírica onde prevalece o lema "antes de mim ninguém fez tanto quanto eu". A oposição, entretanto, necessita ter os pés no chão e propor caminhos seguros ao povo, não apenas nomes de candidatos. Que passos dar para recuperar o tempo perdido na competição áspera com as demais nações emergentes? Como responder, ao mesmo tempo, às demandas crescentes de uma população cada vez mais informada e exigente?

Não sou pessimista: o Estado e a sociedade sempre demonstraram no Brasil capacidade de adaptação. Nos últimos 50 anos uma população eminentemente rural passou a ser eminentemente urbana; a explosão demográfica havida, com taxas de fecundidade média de mais de 6 filhos por mulher, encontrou ponto de equilíbrio: hoje são 2,1 filhos por mulher; a população cresce ao redor de 1% ao ano. A pressão por mais empregos diminuirá paulatinamente. Conseguimos reduzir drasticamente os índices de analfabetismo; criamos uma base tecnológica razoável e um sistema de informações moderno; substituímos uma agricultura extensiva por um agronegócio altamente competitivo; passamos de uma indústria de bens de consumo à grande indústria globalizada. Formamos parte do grupo de países conhecidos como BRICs, integrado pelas grandes economias emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China.

Poderemos, pois, construir uma sociedade melhor. Basta não errarmos muito. Dentre estes erros, se é que assim se pode qualificar um crime, a falta de decência dos governos é uma vergonha inaceitável. Noutro plano, a descontinuidade político-administrativa se tornou um entrave aos objetivos nacionais. Foi a continuidade de boas políticas, que assegurou um futuro melhor à Espanha e ao Chile. Para obtê-la é fundamental o convencimento da sociedade da justeza dos rumos. Foi por ter conseguido desmoralizar a crença no que antes se fazia que o PT chegou ao poder. Foi por ter continuado algo do que antes se fazia que o governo deste mesmo PT não se desmoralizou de início. Mas é pela falta de compromisso histórico com o que faz que permanecem dúvidas sobre o futuro.

Depois da transição civilizada que fiz questão de conduzir, eu esperava que o governo Lula fosse capaz de cimentar um novo entendimento entre as elites dirigentes e delas com o povo. Infelizmente os que hoje mandam preferiram lançar suas dificuldades à conta da "herança maldita", da qual são beneficiários, e imaginar que começariam tudo de novo, esquecendo-se que um país se constrói pelo legado de gerações e não por bazófias de dirigentes gabolas.

Não cabe chorar sobre o leite derramado. Os partidos e a sociedade precisam de uma plataforma mínima para os próximos 20 anos. Como ponto de partida, devem reafirmar o tripé que vem dando certo (responsabilidade fiscal, metas inflacionárias e câmbio flutuante) para em seguida buscar a redução progressiva da taxa de juros e dos impostos. Sejamos claros: os juros não baixarão ao nível desejável (ao redor de 8% ao ano) sem controle da expansão das despesas correntes. É esse controle, mais a manutenção de um superávit primário robusto e a conclusão da reforma previdenciária, que permitirá ao país avançar mais rapidamente no corte das taxas de juros e assegurar a diminuição da dívida pública interna. E, ao mesmo tempo, reduzir a carga tributária. Antes das eleições os candidatos deverão se comprometer com essas medidas. Só assim será crível anunciar taxas de crescimento superiores a 5% ao ano.

Será preciso reduzir drasticamente as nomeações nos cargos de confiança, que foram partidarizadas pelo governo atual. E será necessário estipular como requisito para todas as aposentadorias um mínimo de 65 anos de idade, sem ressalvas. As outras medidas previdenciárias podem, eventualmente, respeitar os chamados "direitos adquiridos", ou seja, valerão daqui para frente.

Os candidatos devem se comprometer a assegurar a expansão e a melhoria do ensino fundamental e do ensino médio (maior número de horas de aula e melhor qualificação do professorado, bem como melhores salários). E também a desatar o nó do sistema universitário federal, enrolado em suas greves e demandas corporativas, bem como a cobrar mais qualidade do ensino superior privado. Só a transformação da educação na grande bandeira do futuro nos tornará um país desenvolvido. Além do mais, a educação é a alavanca fundamental para a mobilidade social e para a redução das desigualdades.

O esforço cooperativo entre a União e os estados deve ser feito na área de segurança pública. Se a bandeira dos direitos humanos é fundamental em uma democracia moderna, o primeiro deles é o direito à vida, posto a perigo pelo crime organizado, pelas drogas e por toda sorte de violência, inclusive das polícias. É preciso transformar o combate ao crime em objetivo nacional, coordenar as políticas de segurança e dar maior papel nelas às ações comunitárias.

O Estado não dispõe de recursos sobrantes. As obras de infra- estrutura (viária, portuária, energética, saneamento) recairão principalmente na iniciativa privada, nacional e estrangeira. Agências regulatórias competentes e sem ingerência político-partidária assegurarão as regras dos investimentos e de desempenho.

Tudo isso requer gestão eficaz e democracia moderna, com participação popular ampliada nas deliberações, mas ancorada no sistema representativo. Seu fortalecimento implica mudar o sistema eleitoral, aproximando os eleitores dos representantes. Os candidatos comprometer-se-ão com uma reforma eleitoral que inclua a adoção de listas fechadas de candidatos às Câmaras (podendo o eleitor alterar a ordem deles), com o voto distrital (a ser adotado primeiro nas câmaras de vereadores), com regras de fidelidade, com a manutenção da proibição de coligações nas eleições proporcionais, etc.

Se os candidatos se comprometerem com esses objetivos (e não esgotei as questões a serem discutidas) quem sabe assim voltaremos a ver uma luz na proa do barco e a acreditar no futuro.

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