Apesar das gritantes necessidades do país de virar a mesa e dar um salto maior no crescimento econômico aprovando uma série de reformas constitucionais, não será em 2006 que isso ocorrerá. As eleições presidenciais - associadas às comissões parlamentares de inquéritos (CPIs) - vão travar todas as possibilidades de o Congresso avançar em qualquer discussão.
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, defende os investimentos oficiais na educação
A preocupação é grande. Apesar das gritantes necessidades do país de virar a mesa e dar um salto maior no crescimento econômico aprovando uma série de reformas constitucionais, não será em 2006 que isso ocorrerá. As eleições presidenciais - associadas às comissões parlamentares de inquéritos (CPIs) - vão travar todas as possibilidades de o Congresso avançar em qualquer discussão. "Serão, portanto, três anos perdidos, pois em 2004 e 2005 não se aprovou nada de importante, que vão nos custar muito caro mais à frente, quando o mundo, que está em franco processo de crescimento, já não nos ajudar mais", diz o economista-chefe da Corretora Convenção, Fernando Montero. O mesmo sentimento de desesperança atinge o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. "Infelizmente, não há nenhum chance de se aprovar qualquer grande reforma em 2006. Eu já perdi as esperanças", desabafa.
O que mais assusta Montero, no entanto, é a perspectiva de que o próximo presidente, seja ele quem for, não tenha força suficiente para promover as mudanças que o Brasil precisa. "Certamente, a necessidade de reformas não estará no centro dos debates eleitorais do ano que vem. A tendência é de radicalização nas acusações, sobretudo se confirmada a polarização entre PT e PSDB", diz. Para Montero, o presidente Lula estará em uma situação confortável para não encampar as reformas no ano que vem, já que todos os indicadores mostram que a economia vai crescer, impulsionada pelos gastos maiores do governo e pela queda dos juros. "Com os ajustes feitos na economia nos últimos anos, especialmente na área externa, o governo terá gordura para queimar. Mas todo mundo sabe que essa gordura é limitada e, cedo ou tarde, as fragilidades vão aparecer", acrescenta.
Privilégios A mesma avaliação é feita pelo chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco. Que vai além: "O grande problema, que perturba a todos, é que o Brasil ainda não percebeu em que direção vai seguir e o que é preciso ser feito para crescer de forma consistente". Para ele, essa falta de visão é um problema cultural, fortalecido pelos interesses de classes que se beneficiam das benesses oferecidas pelo Estado e minam todas as tentativas de se pôr fim a elas. O caso mais gritante, avalia o economista da CNI, é a Previdência. Há uma elite, a do funcionalismo público, que continua a usufruir de privilégios vistos em poucos países do mundo.
De início, o governo Lula mostrou disposição de limitar os abusos e conseguiu aprovar uma mini-reforma no Congresso no final de 2003. Mas, com a ajuda do Senado, o funcionalismo derrubou parte importante das limitações e, do que sobrou, nada foi regulamentado até agora. O descaso é tão grande, lembra o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal, que mais de 40 mil servidores foram contratados pela atual administração federal, todos pelas regras antigas, com forte impacto sobre os cofres públicos. No caso dos trabalhadores da iniciativa privada, vinculados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ainda prevalece o tempo de contribuição como condição para se pendurar as chuteiras, apesar do expressivo aumento da longevidade dos brasileiros. Se as contas dos especialistas estiverem certas, o rombo total da Previdência neste ano baterá na casa dos R$ 100 bilhões, com forte tendência de expansão nos próximos anos.
Ferrenho defensor das reformas, o economista Sérgio Werlang, diretor-executivo do Banco Itaú, reconhece que 2006 será um ano perdido para mudanças mais profundas na estrutura da economia brasileira. Portanto, ele prega que o governo, mesmo estando na reta final, não abandone a disposição de fazer mudanças na microeconomia. "Quando se mobilizou e obteve o apoio da sociedade, o governo conseguiu aprovar a Lei de Falências no Congresso. Ou seja, há espaço mais avanços", diz. A nova Lei de Falências será um importante instrumento para ajudar a derrubar as taxas de juros cobradas nos empréstimos a empresas, pois dá aos credores a preferência no recebimento dos débitos.
A Lei de Falências, no entanto, é apenas um ponto a destravar o complexo sistema de crédito do país. No entender de Werlang, é preciso ir muito mais longe para se reduzir o chamado spread bancário, que infla a margem de ganho dos bancos. Uma das alternativas propostas é a retirada dos impostos que incidem sobre os empréstimos concedidos ao setor produtivo. Se os financiamentos ficarem mais baratos, mais crédito as empresas vão tomar para aumentar a produção e criar empregos. O economista-chefe da Sulamérica Investimentos, Newton Rosa, adiciona outros pontos no debate: a falta de determinação do país para combate a insegurança jurídica, que não garante o direito de propriedade, e a falta de marcos regulatórios. Deficiências como essas, diz ele, afastam os investimentos. Não é à toa que o capital estrangeiro anda um tanto relutante em aportar em novos projetos no país.
Ceticismo Nenhuma reforma será bem-sucedida, porém, se o governo não investir em educação, avalia Sérgio Werlang, que explica boa parte da grande desigualdade de renda. "Está provado que o aumento de produtividade de uma economia decorre muito mais da qualidade do ensino do que da elevação do número de anos de estudos", ressalta. O ministro do Planejamento endossa essa tese. "Por isso, o governo está tão empenhado em aprovar o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica)".
No caso da frágil infra-estrutura brasileira, que tira a competitividade do país e limita a expansão do Produto Interno Bruto (PIB), Paulo Bernardo faz mea culpa e afirma que o governo falhou ao não priorizar os investimentos nesse setor. "Mas vamos avançar muito. Temos a promessa do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, de que mais de 9 mil quilômetros de estradas serão recuperados no ano que vem", assinala.
Mas o ceticismo é grande. Nem mesmo as meninas dos olhos do presidente Lula, as Parcerias Público-Privadas (PPP), apontadas como a salvação para evitar o apagão da infra-estrutura brasileira (rodovias, portos, energia elétrica e saneamento básico), saíram do papel, apesar de já terem sido aprovadas pelo Congresso. "É esse tipo de paralisia que assusta e faz com que se projete taxas de crescimento tão medíocres para o Brasil", sentencia Nuno Câmara, economista, em Nova York, do banco alemão Dresdner Kleinwort Wasserstein.
Fiscal Melhorar a qualidade dos gastos públicos, reduzindo as despesas correntes (com a máquina) para ampliar os investimentos, principalmente em infra-estrutura. Prorrogar e aumentar o percentual da Desvinculação de Receitas da União (DRU), hoje de 20%. Prorrogar ou tornar permanente a CPMF. Diminuir o grau de vinculação das receitas.
Previdência Reduzir os benefícios de aposentados do setor público e regulamentar as mudanças aprovadas em 2003 pelo Congresso, ampliando seus efeitos em estados e municípios. Mudar a regra de tempo de contribuição para idade mínima de aposentadoria de homens e mulheres no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Combater as fraudes e reduzir o pagamento de benefícios indevidos. Aumentar a fiscalização para coibir a sonegação e a informalidade no mercado de trabalho, o que aumentará a base de contribuintes da Previdência.
Administrativa Reduzir o tamanho do Estado, inclusive com a extinção de vários ministérios. Profissionalizar a mão-de-obra e aumentar o número de funcionários de carreira em cargos de confiança. Eliminar desperdícios na gestão da máquina.
Trabalhista e Sindical Estipular a negociação e o contrato coletivo de trabalho, reduzindo a intervenção judicial nos conflitos trabalhistas. Desonerar parte dos tributos que incidem hoje sobre a folha salarial, que chega a dobrar o custo de um funcionário com carteira assinada.
Restringir o número de sindicatos que proliferam sem nenhum controle pelo país e definir o papel das centrais sindicais nos processos de negociação.
Defesa da concorrência Acabar com a superposição de competências de vários órgãos e dar maior clareza aos conceitos que orientam suas decisões. Da forma como está estruturado hoje, o sistema não consegue coibir a tempo atos que prejudicam a concorrência.
Licenciamento ambiental Dar maior agilidade às decisões, para estimular os investimentos produtivos.
A falta de transparência e as contradições no licenciamento limitam o crescimento econômico do país. Não há, no Congresso, nenhum projeto que traga avanços para o país.
Micros e pequenas empresas Agilizar o projeto que está em tramitação no Congresso, dando incentivos fiscais e trabalhistas às firmas de pequeno porte, as grandes empregadoras de mão-de-obra do país.
Agências reguladoras Definir, com clareza, o papel dos órgãos reguladores. É preciso garantir a independência (inclusive financeira) e a transparência das agências, de forma que os investidores se sintam mais seguros. Dar estabilidade aos dirigentes.
Saneamento básico Estabelecer regras claras e consistentes para o setor, que incentivem os investimentos privados. É preciso superar, principalmente, a disputa entre estados e municípios sobre a titularidade dos serviços.
Política Impedir a infidelidade partidária. Reduzir os custos e aumentar a transparência das campanhas eleitorais. Punir com maior rigor os crimes políticos.
Tributária Melhorar a eficiência do sistema arrecadatório, muito complexo. Unificar as legislações do ICMS. Diminuir o número de impostos indiretos e equilibrar a taxação sobre os ganhos de capital
Crédito Implantar a central de risco, para diferenciar os bons dos maus pagadores. Reduzir a tributação sobre os empréstimos, para estimular os financiamentos de longo prazo.
Jurídica Agilizar o julgamento dos processos, para que os custos caiam e a sociedade tenha a garantia de que os crimes serão punidos de verdade e com rigor. Estabelecer a súmula vinculante e criar varas especializadas, para que temas mais específicos, como os ligados ao sistema financeiro, não se arrastam por anos a fio. Dar segurança jurídica aos investimentos e à recuperação do crédito. O capital quer a garantia dos direitos da propriedade, evitando invasões em massa como se viu nos últimos tempos.
Infra-estrutura Tornar mais ágil o processo de licitação do Ministério dos Transportes, para que o dinheiro seja aplicado nas obras. Eliminar a burocracia e os altos custos para o atracamento de navios no país. A ineficiência só encarece os fretes, tirando a competitividade das exportações.