- 05 de novembro de 2024
Ismael Machado
BELÉM. Pelo menos dez pessoas foram contaminadas por malária como resultado de uma pesquisa que envolvia cobaias humanas de uma comunidade ribeirinha do Amapá. A pesquisa, financiada pela Universidade da Flórida e pela ONG Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, usava moradores das margens do Rio Matapi, no município de Santana, a 18 quilômetros de Macapá, no Amapá, para caçar mosquitos. As pessoas tinham de usar o corpo para serem picadas pelos mosquitos. O pagamento pelo serviço variava de R$ 12 a R$ 20.
A Comissão de Direitos Humanos do Senado pediu ao Ministério Público que investigue o uso de brasileiros como cobaias na pesquisa, que tem apoio da Fiocruz e da USP. Os promotores já constataram que cerca de 20 famílias da comunidade de São Raimundo do Pirativa chegaram a alimentar cem mosquitos em seus braços e pernas para estudos de marcação e recaptura do inseto transmissor da malária, segundo contrato assinado com a ONG.
- Depois que a gente captura, a gente põe os mosquitos num caneco e bota no corpo para eles se alimentarem do nosso sangue, até o último mosquito encher - disse o desempregado Sidney Siqueira.
Biólogo terá que apresentar documentos sobre pesquisa
O promotor Haroldo Franco, da Promotoria da Cidadania de Santana, notificou o biólogo Alan Kardec Galardo, responsável pela pesquisa "Heterogeneidade e malária no Brasil", e deu prazo de dez dias para que ele apresente a autorização para a pesquisa. Um item do contrato diz que os voluntários serão solicitados a alimentar os mosquitos nos braços ou nas pernas.
- É uma questão que envolve direitos humanos e leis socioambientais. São pessoas humildes - disse o promotor.
Segundo Franco, a ONG já estaria atuando há quatro anos no Amapá e não permite que agentes da Funasa borrifem repelentes na comunidade. O promotor vai investigar se há biopirataria. Ele diz que ouviu relatos de moradores de que pelo menos outras cinco comunidades podem estar sendo usadas na pesquisa. Os moradores estão indignados por não terem sido atendidos após contrair a doença.
- Cheguei a ficar de 18h até meia-noite para atrair as carapanãs (mosquitos). Recebi R$ 10 porque estava precisando de dinheiro. Mas me arrependi porque caí doente e ninguém me ajudou - disse Adilson Pinto Ribeiro, uma das cobaias.
O GLOBO teve acesso ao contrato assinado pelas cobaias. O item 5 diz que o objetivo da pesquisa é determinar se o tipo, a prevenção e a abundância de mosquitos podem ser usados para monitorar e melhorar a prevenção e o controle da malária. O item mais polêmico é o 6. Nele, o ribeirinho é informado de que participará na captura de mosquitos que podem transmitir a malaria. "Você irá aspirar mosquitos de uma perna exposta, acima do joelho, antes dos mosquitos picarem, usando um aspirador plástico. O procedimento será feito por nove noites consecutivas a cada mês". Os voluntários também são solicitados a alimentar cem mosquitos no braço ou perna. "Isso ocorrerá duas vezes durante o ano", diz o documento.
- Pedi ao Ministério Público para, se for o caso, barrar imediatamente o que está sendo feito. E estou esperando uma opinião da comunidade científica sobre o que de fato aconteceu - disse o senador Cristovam Buarque (PDT-DF).