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A SEPARAÇÃO

Os papéis tramitaram na morosidade que é peculiar à justiça brasileira e, depois de alguns meses, foi marcada a audiência judicial. Sexta-feira, onze horas da manhã, se encontravam Saulo, seu advogado Julinho, Maria Helena e seu defensor frente ao juiz de direito.


 

João Saulo Batista, negro, pernambucano, funcionário público, casou-se com Maria Helena, morena bonita e voluptuosa, sergipana, também servidora pública e, juntos, se deslocaram para Boa Vista, Roraima, onde prestavam serviços para o Governo Federal; ela na Delegacia do Ministério da Educação, ele na Delegacia do Ministério da Saúde. A vida deu-lhes três filhos: João Saulo Júnior, Maria Anete, e Lúcia Helena. Maria Helena não era mulher muito séria e, vez por outra, dava umas escapadas em busca de braços (y otras cositas) mais ardentes. Dizem as más línguas que Lúcia Helena, a caçula dos três filhos, não era filha de João Saulo, mas de Ariosvaldo Medeiros, um dos casos da irrequieta senhora. As feições finíssimas, a pele branca, os cabelos loiros e os olhos azuis, idênticos aos do amante da mãe, levam-nos a crer que o povo falava a verdade.

Ao longo dos anos o casal adquiriu um sobrado no centro da cidade e um Chevette 89; isto era tudo o que tinham. Seus salários cobriam, apertadamente, a manutenção da casa e a educação dos filhos. 

Saulo, durante muitos anos, em nome da paz tentava fazer vista grossa às leviandades da esposa. Tudo tem limites. À proporção que Maria Helena ficava mais descuidada em suas aventuras, Saulo pensava em dar um fim àquele casamento e suas desventuras; hesitava, porém, quando pensava em ter que dividir o patrimônio amealhado ao longo da vida.

Certo dia, conversando com seu compadre Julinho, advogado, foi aconselhado a partir para separação litigiosa; segundo o causídico, se fundamentassem propriamente o litígio Maria Helena sairia em desvantagem na separação, pois seu comportamento desvairado faria com que o juiz a desabonasse na partilha. Depois de muito relutar, Saulo concordou e entrou com a petição.

Os papéis tramitaram na morosidade que é peculiar à justiça brasileira e, depois de alguns meses, foi marcada a audiência judicial. Sexta-feira, onze horas da manhã, se encontravam Saulo, seu advogado Julinho, Maria Helena e seu defensor frente ao juiz de direito. Depois de esgotadas as possibilidades de conciliação, passaram às alegações das partes, com doutor Júlio sempre ressaltando o comportamento irregular de Maria Helena. A cada argumento ou ponderação das pessoas ali na sala, o advogado falava "O comportamento da requerida não é sério...", ou "Meritíssimo, a senhora Maria Helena, não se comporta com dignidade neste casamento...", ou ainda "Meritíssimo, a senhora Maria Helena tem desrespeitado meu cliente ao longo dos últimos vinte anos...". Saulo, ouvindo repetidamente aquelas afirmações, encheu-se de vergonha e, indignado, resolveu interpelar seu defensor:

- Compadre Julinho, não fique repetindo a toda hora esse negócio de chifre, pois você também o seu.

 

 

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