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"Sociologicamente, o governo acabou" - Arthur Virgílio

Líder tucano avalia que oposição só tratará do impeachment do presidente Lula se isso for inevitável.




Alon Feuerwerker
Da equipe do Correio

Daniel Ferreira/CB/15.9.05
A oposição não pretende o impeachment (de lula). Se um dia ele se tornar inevitável, o presidente Aldo rebelonão irá barrá-lo
 

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), é uma das línguas afiadas da crise política. Chegou a dizer da tribuna que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou é "corrupto", ou é "idiota". Duríssimo com Lula, o tucano diz não se sentir confortável no papel de "herói de CPI". "Eu não me sinto bem jogando duro contra uma pessoa desarmada. Prefiro alguém que tem mandato como eu, que está em pé de igualdade."

O tucano do Amazonas tem trabalhado firme na blindagem do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, para evitar que a CPI dos Bingos o convoque. Elogia Lula por ter recusado o caminho do "populismo econômico" para enfrentar o terremoto político. Diz que a estabilidade da economia, assim como deu a reeleição ao presidente Fernando Henrique Cardoso, dará a Lula o direito de chegar ao final do mandato. Ainda que, segundo o tucano, o petista comande um governo que "sociologicamente, acabou!".

Arthur Virgílio recusa a tese de que a vitória de Aldo Rebelo (PCdoB-SP) - a quem elogia - para a presidência da Câmara leve o governo a retomar o controle da situação e a iniciativa política. Ironiza o medo de um possível impeachment, que diz não querer. Mas acha que Aldo não terá como evitá-lo se o processo político conduzir a isso.

Sobre José Dirceu, elogiou-o por não renunciar e enfrentar o julgamento político. "Era o que eu esperava do lutador de 68." Esta semana, pediu para colocar nos anais do Senado um artigo do ex-deputado Ibsen Pinheiro em defesa de Dirceu. "Ibsen Pinheiro deu todo o benefício da dúvida a alguém que jamais deu o benefício da dúvida para ninguém." Em seu gabinete, o líder tucano deu esta entrevista ao Correio Braziliense.

Senador, parece que a oposição perdeu o "timing", o tempo político da crise. E que o governo retomou a iniciativa, com a vitória na eleição para a Presidência da Câmara?
Não. A oposição jamais quis derrubar presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E o governo dele, sociologicamente, acabou. Ele não tem a capacidade de ousar mais nada. O presidente Lula já é um "lame duck", um pato manco, como dizem os americanos. Da eleição na Câmara emergiu uma oposição unida e mais forte. No começo do governo a oposição numericamente posta era a do Senado, graças à união do PSDB com o PFL e à aliança tática que fizemos com outras correntes. Na Câmara chegávamos no máximo a 130 votos. Agora houve empate no primeiro turno, 182 a 182. Entre dois candidatos extremamente categorizados, intelectual e moralmente. Um deles, o ex-ministro Aldo Rebelo, até mais íntimo meu do que o outro, meu bom amigo, o deputado José Thomaz Nonô. Mas, infelizmente, naquele momento, o presidente Aldo representando um viés histórico pior e o Nonô, um viés histórico melhor.

Mas, senador, antes da eleição do novo presidente da Câmara havia ali um foco de instabilidade. O governo tomou a cadeira de volta. Sua importância está também no poder de fazer andar ou não um eventual processo de impeachment. O senhor não pode negar que essa vitória teve o efeito de tranqüilizar o governo e o próprio presidente Lula?
A oposição não pretende o impeachment. Se um dia ele se tornar inevitável, o presidente Aldo Rebelo não irá barrá-lo. Se for irreversível, ele próprio aderirá. A oposição não perdeu nada, porque ela está diante de um governo tão frágil que dá graças a Deus quando imagina que não vai haver um processo de impeachment. Talvez a consciência do presidente o acuse de ser merecedor do impeachment. Nós, ao contrário, temos evitado seguir por esse caminho. Estamos conversando um dia depois de eu, o senador José Agripino e o senador Antonio Carlos Magalhães termos sido decisivos para não se convocar o ministro Antonio Palocci para a CPI dos Bingos. Um governo se defender de atitudes extremas de uma oposição que não é extrema mostra a mediocridade de uma administração que se arrasta. Quando o país se livrar dela nas eleições, ficará patente que o Brasil escapou de uma aventura. Se Deus quiser, não terá sido funesta. Mas poderia ter sido, se dependesse apenas do caráter de certas pessoas e da fraqueza de liderança do presidente da República, que consegue ser autoritário sem encarnar a autoridade que o presidente tem no presidencialismo.

O senhor tem sido duro com o presidente. Mais do que com os acusados de corrupção?
Eu não gosto de crise. Eu não sou bem o tipo "herói de CPI". Eu não me sinto bem jogando duro contra uma figura desarmada. Prefiro alguém que tem mandato como eu, que está em pé de igualdade. Eu cumpro meu papel e procuro respeitar quem está ali. Eu não durmo de noite se minha mulher diz: "Você foi grosseiro com fulano de tal". Fulano de tal roubou, mas eu não vou ser grosseiro com ele. Eu vou me portar ali como juiz, que não tem o direito de ser grosseiro. Eu posso procurar enredá-lo numa teia de perguntas, para que ele caia. Mas não tenho o direito de me portar de maneira indigna, agressiva em relação a um ser humano que está depondo, desarmado, à minha disposição.

O que o senhor vê de melhor nessa crise?
O que há de positivo? Primeiro, o tumor que existia explodiu. Segundo, vai nascer daí uma sociedade mais exigente. Vai ficar mais complicado o sujeito se tornar ladrão de dinheiro público no Brasil. Quer enriquecer num país de economia organizada, vá para a iniciativa privada, trabalhe o que eu trabalho no Senado que você ficará rico. Agora, não venha querer enriquecer no Senado. Aqui não é lugar. Como dizia Santo Tomás de Aquino, a pior coisa é colocar a virtude a serviço do vício. Trabalhar muito é uma virtude. Mas para roubar, não. Quem chegou aqui rico, muito bem, e se for honesto vai sair menos rico. Se for pobre, que permaneça pobre. Isso tem que ser cada vez mais compreendido por quem está aqui, cada vez mais entendido por quem vota.

Ninguém chega ao Congresso sem voto?
É uma crise, a sociedade tem que fazer a sua catarse e perceber que ela também errou. Jabuti não sobe em árvore. Ou é mão de gente, ou é enchente. Ninguém chegou aqui sozinho, chegou pelo voto de alguém. O segundo ponto, que julgo extremamente positivo é que um presidente acossado por denúncias de corrupção contra o seu governo percebe que o caminho para ele não é o do populismo econômico. Ao contrário, é o do compromisso com a austeridade econômica. A estabilidade econômica, que deu ao Fernando Henrique a reeleição, deu ao Lula o direito de ir até o final de seu governo. Eu entendo que, na democracia, os presidentes têm alguns direitos. Um deles é que, dentro da lei e da Constituição, eles terminem seus governos. Eu sou contra golpes. Agora, têm também o dever, que é o presidente ter o caráter, a firmeza, a força de terminar o seu governo. Eu quero reconhecer no presidente Lula o direito de terminar o seu governo. Quero dizer também a ele, num recado muito firme, que ele tem o dever de ter dignidade e força para terminar o seu governo. Quanto menos espiroquetagem, quanto menos bobagens eleitoreiras, quanto menos sorrisinhos gratuitos numa hora em que o país não está a não ser amargo, melhor. Ele ainda tem tempo para oferecer uma visão digna do governo dele se ele quiser se concentrar em projetos essenciais, pactuados com uma oposição que nunca se negou a trabalhar isso. A gente ainda tem tempo para fazer isso tudo.

Muito possivelmente o presidente dirá na campanha pela reeleição que fez o governo mais investigado da história do Brasil, com três CPIs simultâneas. Ao contrário do governo do PSDB, que segundo os petistas conseguiu barrar todas as CPIs?
Meu Deus. Foram 32 CPIs em oito anos. Duas sobre bancos, a do tal Sivam, qualquer uma dessas com a capacidade de derrubar o governo. É outra mentira repetida pelo PT, a de que não se faziam CPIs no governo passado. Mas há de fato uma grande diferença entre nós e eles. Na última terça-feira, eu pedi para inserir nos anais do Senado, no apagar das luzes da sessão, um artigo do ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro sobre o deputado José Dirceu, com o título "Um quadro político". Palavras com que concordo. Ele é um quadro político qualificado, um grande organizador de partido. Foi um mau articulador, mostrou uma ambição descabida, mas é sem dúvida um grande quadro. Vocacionado para a luta. Ele esteve em condição de se retirar da cena renunciando. E ele não me decepcionou. Eu não gosto dele. Mas eu esperava dele, e nisso eu o homenageio, precisamente que ele ficasse até o final. Era o que eu esperava do lutador de 68, era o que eu esperava do resistente à ditadura em todos os seus momentos, era o que esperava da pessoa teimosa, corajosa, valente que ele é. Eu coloquei nos anais por entender que eles devem conter os registros históricos. E por se tratar da observação de uma pessoa como Ibsen Pinheiro, que foi injustiçado, muito pela sanha acusatória de pessoas como José Dirceu. Ou seja, Ibsen Pinheiro deu todo o benefício da dúvida a alguém que jamais deu o benefício da dúvida para ninguém. Nunca na vida de José Dirceu ele deixou de dar uma sentença tipo Supremo Tribunal Federal. Última instância e irrecorrível. Nunca.

Qual é o seu veredicto sobre José Dirceu?
Eu me dava bem aqui com ele sem ser amigo dele. Depois, o governo mostrou uma faceta dele da qual não gostei. Veja que coisa interessante. Coloquei nos anais o artigo de um ex-deputado, injustiçado pelo José Dirceu, dando todo o benefício da dúvida ao stalinista que nunca teve dúvida de que sua certeza sempre seria correta. Quem no futuro for ler os anais do Congresso, os pesquisadores de amanhã vão ver que houve um líder da oposição que tomou essa atitude. O Ibsen me chamou a atenção para tantas coisas importantes, que eu fiz questão de eu mesmo colocar o elemento de dúvida. Deixando claro que eu não tenho nenhuma dúvida de que José Dirceu foi um dos principais artífices dessas coisas pelas quais responde hoje.

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