00:00:00

CRISE NO GOVERNO - Agenda comprometedora

Anotações da ex-secretária apontam relação entre antigo patrão e integrantes da cúpula do PT - e acrescentam ao escândalo do mensalão o nome de Marcos Flora, da Secretaria de Comunicação Estratégica



Helayne Boaventura e Ugo Braga
Da equipe do Correio

Entregue ao Conselho de Ética da Câmara como prova de testemunho, a agenda da secretária Fernanda Karina Somaggio referente a 2003 agitou deputados da oposição. As anotações revelam, com riqueza de detalhes, quão próximos são o publicitário Marcos Valério de Souza, o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o secretário-geral do partido, Sílvio Pereira. Mais que isso: dão novas cores à ligação entre a SMP&B Comunicação e a presidência da Câmara durante a administração do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), põem na fogueira o deputado José Mentor (PT-SP), ex-relator da CPI do Banestado, e acrescentam ao escândalo do mensalão a figura do historiador Marcos Flora.

Flora é o segundo homem na hierarquia da Secretaria Especial de Comunicação e Gestão Estratégica, comandada pelo ministro Luiz Gushiken. A atribuição dessa secretaria, que tem status de ministério, é coordenar toda a política oficial de propaganda, sobretudo quanto e a quem cabem os pedaços da verba publicitária do governo - mais de R$ 120 milhões no ano passado.

Entre maio de 2003 e janeiro de 2004, período em que Fernanda Karina trabalhou na SMP&B Comunicação, Marcos Valério falou várias vezes com Marcos Flora. A proximidade dos dois era até aqui ignorada. Houve pelo menos cinco encontros da dupla. Um dos mais intrigantes aconteceu no dia 29 de agosto. Eles se reuniram no Luminis, elegante Centro Empresarial construído no bairro de Funcionários, um dos mais sofisticados de Belo Horizonte. Não se sabe por que, tendo a sede de sua empresa na mesma cidade, o dono da SMP&B tenha preferido levar o burocrata poderoso para uma sala de reunião alugada alguns quarteirões adiante.

Cinco dias depois, a partir das anotações, Valério pegou um avião no aeroporto da Pampulha, na capital mineira, viajou a Brasília , hospedou-se no hotel Mercure e, por telefone, pediu à secretária que contatasse Flora. Teriam se encontrado no dia seguinte, segundo as anotações.

Não se pode dizer que os dois não se estimassem. Dois meses antes, Valério havia mandado comprar duas canetas Mont Blanc, mimo bastante apreciado por milionários, por ser caríssimo, inacessível aos menos abastados. Há aí um simbolismo forte a se admitir. Uma dessas canetas foi dada de presente ao então presidente da Câmara, João Paulo Cunha. Disso já se sabia. Só que a outra, era para Marcos Flora.

Impossível deixar de notar as menções a João Paulo Cunha anotadas na agenda da secretária da SMP&B. Pelo motivo muito simples de a agência ter ganho a conta da publicidade da Câmara na licitação promovida em 2003 e visto seu faturamento com esse contrato subir de R$ 5,6 milhões para R$ 9 milhões. O processo dessa licitação começou em março de 2003, um mês depois de João Paulo assumir o cargo. Dia 10 de junho, houve o já famoso presente da Mont Blanc. Pouco mais de um mês depois, em 17 de julho, a agenda de Valério marca um café-da-manhã com o presidente da Câmara. No dia 3 de setembro, novo café-da-manhã, desta vez na residência oficial da presidência. Há outro encontro anotado no dia 17 do mesmo mês e mais um café no dia 20 de outubro, em São Paulo. É a última vez que os dois se vêem, segundo a agenda.

Em 31 de outubro, isto é, 13 dias depois do encontro do Ibirapuera, a concorrência para escolher a agência de publicidade da Câmara foi aberta. A SMP&B venceu. O contrato foi assinado em 31 de dezembro de 2003. Fernanda Karina não anotou mais nada envolvendo João Paulo Cunha.

Entremeados ao longo do ano, a agenda aponta encontros entre Valério, Delúbio e Pereira. Alguns deles realizados em hotéis de São Paulo e Brasília. Neles, se intercalam pessoas diferentes, como o ex-dono do Banco Rural, José Augusto Dumont (morto num acidente no ano passado), e o empresário Carlos Rodemburg, ex-cunhado e sócio do banqueiro Daniel Dantas no banco Opportunity.

No dia 3 de outubro, Valério foi a São Paulo só para se reunir com o deputado José Mentor. Eles haviam sido apresentados meses antes pelo deputado João Magno (PT-MG) e trataram da CPI do Banestado. Relator, Mentor retirou o Banco Rural de seu texto final.


Reunião no Planalto

A assessora especial da Casa Civil Sandra Rodrigues Cabral, apontada como interlocutora do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza no governo, confirmou na manhã de ontem, em São Paulo, que o recebeu no gabinete por "três, quatro ou cinco vezes" para tratar de uma eventual candidatura do tesoureiro nacional do PT, Delúbio Soares.

As declarações de Sandra foram dadas na sede nacional do partido, na capital paulista, onde ela esteve por cerca de uma hora, para dar, segundo ela, um "abraço nos amigos José Genoino (presidente nacional da legenda) e Delúbio Soares". Depois de dizer que veio à cidade para fazer exames médicos, ela destacou que ficou "absolutamente surpresa" com a denúncias do presidente nacional licenciado do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ).

"Nunca ouvi essa palavra na minha vida (mensalão) e, com certeza, tudo será esclarecido." Sandra afirmou que não terá dificuldades em depor na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) caso seja convocada. "É óbvio (que irei). Sou uma cidadã absolutamente honesta e trabalhadora. Vou em qualquer lugar que me chamar e falo tudo o que eu sei, que é exatamente a verdade. Tudo será esclarecido e se comprovará que é uma grande armação."

A assessora especial da Casa Civil disse que o gabinete é público e que recebe centenas de cidadãos, "inclusive o sr. Marcos Valério, algumas vezes". Emendando, em seguida: "Poucas vezes". Sandra afirmou que ele não é amigo dela e que não ofereceu, "em absoluto", serviços da agência de publicidade. A assessora da Casa Civil acrescentou que as conversas com Valério não foram referentes à administração federal.

"Não conversei, concretamente, com Marcos Valério nenhum assunto de governo." Sandra entrou em contradição, ao dizer que não sabia, antecipadamente, o tema das audiências no ministério e, depois, que as pessoas "marcavam, previamente, o assunto da audiência".

A assessora especial foi incoerente ao justificar o fato de ter recebido o publicitário no Palácio do Planalto para tratar da candidatura do tesoureiro nacional do PT. Sandra declarou, sobre a razão de tratar de um assunto desta natureza no gabinete: "O gabinete é o meu local de trabalho. É natural ter conversado (sobre esse tema) porque Delúbio é de Goiás, da mesma cidade, amigo há 29 anos."

A assessora complementou dizendo que é costumeiro uma amiga da mesma legenda conversar sobre a viabilidade da candidatura de um conterrâneo. Ainda sobre os encontros que teve com Valério no gabinete, garantiu: "Uma ou duas vezes, trocamos idéias (sobre) se era pertinente uma candidatura do meu amigo íntimo, de 29 anos, Delúbio."


Doação confirmada

Helayne Boaventura
Da equipe do Correio
Ailton de Freitas/Agência O Globo/21.6.05
Cofre do PTB: para primeiro-secretário do partido, Roberto Jefferson ainda guarda os R$ 4 milhões
 

O presidente afastado do PTB, Roberto Jefferson (RJ), pode ter uma carta na manga, ou melhor, no cofre. Para o primeiro-secretário do PTB, Emerson Palmieri, tesoureiro informal do partido, Jefferson ainda guarda os R$ 4 milhões doados pelo PT à legenda para financiar campanhas a prefeito em 2004. A avaliação de Palmieri foi feita à comissão de sindicância da Corregedoria da Câmara criada para investigar escândalos de corrupção.

Em depoimento ontem, a portas fechadas, aos cinco integrantes da sindicância, Palmieri confirmou a versão de Jefferson de que os dois receberam o dinheiro repassado pelo PT em duas parcelas. Segundo ele, ao guardar no cofre do partido a segunda remessa, de R$ 1,8 milhão, a primeira parte, de R$ 2,2 milhões, ainda se encontrava no cofre do partido.

Ele disse que fechou o cofre e entregou a chave a Jefferson. Questionado pelos deputados, Palmieri disse acreditar que o ex-presidente do partido ainda guarda todo o recurso. O dinheiro teria sido entregue na sede do PTB pelo publicitário Marcos Valério, que deve depor hoje à Corregedoria, seria parte de um acordo de R$ 20 milhões fechado pelos dois partidos.

Com o dinheiro na mão, Jefferson teria duas opções. A primeira seria desmoralizar a cúpula do PT, que nega o repasse ao PTB. A outra seria tentar escapar do crime eleitoral de ter recebido dinheiro para campanha sem declarar à Justiça Eleitoral. Se ele não distribuiu o recurso aos candidatos, os valores não iriam se configurar em verba de campanha.

Palmieri - que este mês deixou o cargo de diretor de Administração e Finanças da Embratur, cargo da cota do PTB - disse ainda que o acordo com os petistas foi fechado em mais de duas reuniões, como disse Jefferson. O depoimento, porém, levantou dúvidas dos integrantes da sindicância porque não foi afirmativo e apresentou contradições. Está marcado para hoje na Corregedoria o depoimento do presidente petista, José Genoino, do secretário-geral, Silvio Pereira, e do tesoureiro do partido, Delúbio Soares.

A hipótese levantada por Palmieri foi reforçada pelos depoimentos de outros três petebistas ouvidos ontem pela comissão de sindicância da Corregedoria. O ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, disse desconhecer a existência dos R$ 4 milhões supostamente entregues pelo PT. O deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE) disse o mesmo.

O candidato do PTB à prefeitura de Recife em 2004, o deputado Joaquim Francisco, também depôs ontem à sindicância e foi outro que disse não saber do dinheiro. Ele garantiu ter feito uma campanha precária, com pouca ajuda do diretório nacional do partido. Nas palavras de um integrante da sindicância Joaquim Francisco terminou a eleição fazendo campanha "em uma bicicleta com alto-falante".

A comissão de sindicância da Corregedoria também ouviu ontem outras sete pessoas. Entre elas, a ex-secretária do publicitário mineiro Fernanda Karina Somaggio e o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. Em um depoimento relâmpago, de seis minutos, Ciro confirmou ter recebido de Jefferson o alerta sobre a existência do mensalão, o suposto pagamento de R$ 30 mil de mesada a deputados do PP e PL.


Publicitário na polícia

Marcelo Rocha
Da equipe do Correio

Além de ir à Corregedoria da Câmara dos Deputados, o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza é aguardado na Polícia Federal. Ele prestará esclarecimentos sobre os contratos de publicidade que as agências DNA e a SMP&B, das quais é sócio, mantêm com o governo federal. Os policiais encarregados de investigar as denúncias de corrupção que envolvem o nome do empresário querem saber ainda o destino dos saques milionários realizados nas contas dessas empresas.

A ida dele, provavelmente hoje, à PF foi negociada. Os responsáveis pelo caso se comprometeram a não divulgar hora e local da audiência - exigência dos advogados do empresário para evitar exposição na mídia - para apressar o interrogatório. Um delegado federal viajaria ontem para Belo Horizonte para ouvi-lo, mas decidiu ficar, já que Marcos Valério estará hoje em Brasília.

O publicitário é acusado pelo deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) de ser o operador do mensalão - a suposta mesada paga a parlamentares do PP e do PL em troca de apoio político ao governo do PT. Relatório do COAF, que detalha a movimentação financeira na DNA e na SMP&B, mostrou R$ 20,9 milhões em saques nas contas das duas empresas, entre junho de 2003 e maio de 2005. Valério, cujas agências cuidam, entre outras, da publicidade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios), justificou a movimentação financeira com compra de gado.

Numa análise preliminar da papelada apreendida na semana passada no escritório de contabilidade que cuida das contas da DNA e da SMP&B, em Belo Horizonte, a Polícia Federal não encontrou rastro de negócios pecuários. Conforme explicou o diretor da instituição, Paulo Lacerda, toda movimentação de recursos destinados a compra de qualquer tipo de produto ou animais tem de ter o correspondente registro contábil.

Além do empresário, a Polícia Federal pretende ouvir os suspeitos de realizar os saques e distribuir dinheiro em hotéis de Brasília. Seriam eles Geiza Dias dos Santos, do departamento financeiro da SMP&B, e Alexandre Vasconcelos Castro, proprietário da Express, empresa de cobrança e factoring. A PF também pesquisa a estada deles e outras pessoas ligadas às agências de publicidade de Valério na capital do país - segundo as declarações de Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária do publicitário, eles se hospedariam em hotéis da cidade, como a Grand Bittar.

Em junho de 2003, a agenda mostra reunião com Delúbio e a suposta compra de canetas Mont Blanc para Marcos Flora e João paulo

Últimas Postagens