- 12 de novembro de 2024
O primeiro blefe durou menos de uma semana; o segundo, menos de 24 horas. O presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), desistiu ontem de defender a criação da CPI dos Correios - que na semana passada se comprometera a apoiar - e abandonou também a intenção, proclamada segunda-feira, de devolver os cargos ocupados por representantes do partido nas empresas estatais. O recuo de Jefferson em relação às duas iniciativas coincidiu com o surgimento de dificuldades para a Polícia Federal aprofundar rapidamente as investigações sobre o esquema de cobrança e arrecadação de propina na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, em benefício do PTB, revelado pelo então chefe do Departamento de Contratação e Aquisição de Material da ECT, Maurício Marinho, em conversa mantida com supostos empresários e gravada por eles. Ontem a PF ouviu Marinho, que se retratou. Ouviu o colega dele, Fernando Godoy, ex-assessor da Diretoria de Administração da ECT, que limitou seu depoimento à afirmação de que não é culpado de nada. O outro integrante do esquema de propina citado na gravação por Marinho, o ex-diretor de Administração dos Correios Antônio Osório, a PF não encontrou nos endereços em que esteve. Não o procurou onde ele passou a tarde: na reunião da Executiva Nacional do PTB. No Congresso, a desistência do PTB de apoiar a criação da CPI surtiu pouco efeito, porque apenas 13 deputados do partido estão entre os 253 parlamentares que assinaram na Câmara o requerimento pela instalação da comissão. O governo, contudo, aposta que o recuo do PTB será repetido nas bancadas de partidos aliados e, até a meia-noite de hoje, acabará por inviabilizar a CPI a ser criada em sessão prevista para as 10h. ATO PÚBLICO Hoje, às 8h, trabalhadores dos Correios prometem fazer uma manifestação, em frente ao edifício-sede da empresa, a favor da instalação da CPI sobre corrupção na empresa |
Marinho assume culpa e diz que foi "armação" Lúcio Vaz Da equipe do Correio
Em depoimento de oito horas à Polícia Federal, o ex-chefe do Departamento de Contratação e Aquisição de Material da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) Maurício Marinho assumiu sozinho a responsabilidade sobre o recebimento de propina, negou a existência de um esquema de corrupção na estatal sob o comando do PTB e procurou passar a idéia de que foi vítima de uma "armação" com objetivos políticos. "Aquilo foi mais uma bravata. Eu não tenho relacionamento político com ninguém, eu sou um técnico. Sei que errei, falei demais, falei coisas que não deveria ter falado. Mas nós não vamos transferir responsabilidades a outras pessoas. Não há essa corrupção falada na ECT", afirmou Marinho após ser indiciado por corrupção passiva e fraude em licitações. Um dos advogados de Marinho, José Ricardo Baitelo, reforçou a estratégia de defesa ao ser questionado sobre os motivos de quem fez a gravação, que registra o pagamento da propina de R$ 3 mil. "Nós acreditamos que seja algo maior, para desestabilizar. uma coisa muito maior. Isso é uma questão política. Com certeza é política". Baitelo disse que Marinho conversou três vezes com o presidente nacional do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), mas "em situações formais". O ex-assessor da Diretoria de Administração Fernando Godoy também prestou depoimento, mas não foi indiciado. "Ainda não possuímos elementos para fazer o seu indiciamento", afirmou o delegado Luiz Flávio Zampronha. Godoy será chamado para novo depoimento se surgirem informações que o comprometam. "Não sou culpado de nada", afirmou Godoy, laconicamente, após depoimento de duas horas e meia. O delegado Zampronha afirmou que Marinho foi indiciado porque a polícia "não ficou satisfeita com a sua versão dos fatos" e porque ele entrou em contradições. "Não é uma versão consistente. Contou a imagem dele recebendo o dinheiro. Ele foi indiciado pelo que fez, porque recebeu dinheiro. Acho isso um fato grave", explicou. O delegado disse acreditar que vai identificar rapidamente os responsáveis pela gravação da fita de vídeo. Questionado se a CPI dos Correios ajudaria na apuração das denúncias, afirmou: "Acredito que possa fazer surgir novos elementos. Mas o trabalho da polícia é independente da CPI". Aposentadoria Segundo a versão de Marinho, ele não teria recebido propina, mas um adiantamento por conta de uma futura parceria com uma multinacional americana, a Goldman Equipament: "Foi um momento de uma auto-promoção de uma empresa multinacional querendo trabalhar conosco. E eu, a dois anos da minha aposentadoria, tinha o interesse em ter uma organização que conheça processos, que saiba desenvolver projetos. Eu esperava ter um trabalho após essa aposentadoria. O objeto que eu tinha era de trabalho". Ele afirmou ao delegado que os dois supostos representantes da empresa, com quem teve três encontros, se apresentavam com os nomes de Vitor e Goldman. Marinho não negou que tenha recebido os R$ 3 mil, mas procurou explicar o contexto em que isso ocorreu. "Em momento nenhum nos esquivamos disso. A empresa não tem nenhum negócio com a ECT, ela não tem produto, não tem projeto. É uma empresa multinacional que desejaria entrar no Brasil. Mas, na verdade, não existe empresário, não existe empresa. O que existiu foi uma armação, mas não sei qual a motivação disso. Era um projeto de vida. Quando se teve a oportunidade de ter um negócio futuro, começamos a discutir essa possibilidade. Mas, na fita, em momento nenhum foi solicitado algum recurso. Não se falou em nenhum valor", disse o ex-chefe do Departamento de Aquisição de Material. Ele acrescentou que "aquilo foi um trabalho desenvolvido por profissionais". E informou que vai doar o dinheiro e uma instituição filantrópica. Baitelo afirmou que Marinho pediu licença da ECT em março, para tratamento de uma hepatite crônica e de uma diabete crônica. Segundo a versão do advogado, como estava se sentindo doente, Marinho teria procurado apenas garantir o seu futuro após a aposentadoria. O outro advogado de defesa, Sebastião Coelho, contestou o indiciamento por corrupção passiva: "Não há corrupto sem corruptor. Não existe corruptor, não existe uma empresa, não existe o objeto negociado. Quem quiser forçar que isso é corrupção passiva é só dar uma lida num manual bem simples de direito". Ele acrescentou que qualquer pedido de prisão, pelo delegado ou pelo Ministério Público, "será para aparecer". A PF vai tentar ouvir hoje o diretor afastado de Administração dos Correios, Antonio Osório. Ele foi citado por Marinho na gravação feita pelos supostos empresários. O delegado Zampronha afirma que o próximo passo da investigação será analisar a auditoria feita pela Controladoria Geral da União (CGU) em contratos da ECT. Se forem apontadas irregularidades, a polícia vai tentar chegar ao nome dos responsáveis e investigar se alguém foi beneficiado. O DRIBLE DE OSÓRIO Convidado pela Polícia Federal, o ex-diretor de Administração dos Correios Antonio Osório Batista não compareceu ontem à superintendência do órgão, em Salvador, para prestar depoimento. Batista não foi localizado em seu apartamento em Salvador nem no hotel onde mora, em Brasília. Ele agora será intimado a depor. Além de tentar colher o depoimento, o delegado Luiz Gustavo Valença Góes esteve na capital baiana para cumprir um mandado de busca e apreensão na residência de Osório, localizada no 13º andar de um luxuoso prédio em Corredor da Vitória, área nobre da cidade. Após revistar o apartamento durante toda a tarde de segunda-feira, o delegado e outros três agentes federais recolheram documentos e disquetes, que foram levados para Brasília. A PF só não procurou Osório onde ele estava: na reunião do PTB, na sede do partido na SQN 303. |