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Romero Jucá, um ministro feito 110% de encrenca - JOSIAS DE SOUZA

O inquérito policial de que se serviu o procurador Villa-Verde contém depoimentos de madeireiros e de um sertanista que pertencia aos quadros da Funai. Chama-se Francisco de Assis da Silva. Contou ter recebido de um assessor de Jucá proposta para negociar "com os indígenas" a exploração de madeira. Confessou ter recebido dinheiro "como adiantamento". Forneceu nomes, datas e lugares. Declarou que Jucá participava da "partilha da venda de madeira dos índios".


COLUNISTA DA FOLHA Desde que virou ministro, Romero Jucá vem dedicando todo o seu tempo a provar que não tem nada a ver com irregularidades. Já convenceu o Palácio do Planalto. José Dirceu até saiu em sua defesa. Como de hábito, o chefão da Casa Civil sabe o que faz. Seria mesmo tolice discutir com Jucá sobre perversões administrativas. Ele é perito no assunto. O novo ministro da Previdência não entrou na política ontem. Passeia por entre os cofres públicos há longos anos. Arrasta atrás de si um casulo pegajoso de encrencas. Meteu-se em muitas transações suspeitas. Porém, esquiva-se de condenações com galhardia. Faz jus ao sobrenome. O Aurélio ensina que Jucá é sinônimo de "pau-ferro". Pernambucano, Jucá chegou a Brasília pelas mãos do grupo político do conterrâneo Marco Maciel. Mas foi nos fundões do país que se fez próspero. Enxergou as potencialidades de Roraima numa época em que aquele naco do mapa do Brasil ainda era mero território federal. Jucá foi mandado para Roraima, como governador nomeado, sob José Sarney. Os primeiros ruídos de suspeição soaram na prestação de contas que apresentou ao TCU no exercício de 1989. Entre outros babados, foi acusado de torrar dinheiro público em promoção pessoal. Distribuiu cadernos aos alunos da rede oficial de Roraima. Traziam na contracapa uma mensagem ilustrada com a imagem do governador. Abaixo da foto, o nome do "patrocinador" do mimo: Romero Jucá. A Constituição proíbe expressamente a confecção de peças com nomes, símbolos e imagens que caracterizem "promoção pessoal". A defesa de Jucá foi considerada inconsistente. O tribunal rejeitou-lhe a escrituração. E condenou-o, em 1992, a pagar multa mixuruca. Coisa de R$ 20 mil, em valores de hoje. Jucá protocolou nova defesa no TCU. Alegou ter inserido a própria foto na contracapa dos cadernos sem "o intuito" de autopromover-se. Desejava apenas, segundo declarou, enaltecer os valores da "educação e do trabalho". Em decisão indecente, o tribunal de contas acatou a impugnação. Os julgadores reafirmaram a convicção de que a Constituição fora "afrontada". No entanto, mandaram ao lixo a decisão anterior. Segundo o novo acórdão, Jucá não teve o "animus" da promoção pessoal. As contas de Roraima foram reabilitadas. A multa foi anulada. Antes mesmo de ser despachado para Roraima, Jucá já se havia revelado, à frente da Funai (1986-1988), um administrador, digamos, temerário. Sob sua gestão, madeireiros foram autorizados a abater árvores nobres, mogno inclusive, em reservas indígenas. Escudado em investigações da Polícia Federal, o procurador da República Juliano Villa-Verde de Carvalho denunciou Jucá. O repórter recuperou a peça do procurador. É um libelo estarrecedor. Diz o texto: "Cada contrato celebrado entre a Funai e as serrarias envolveu uma propina em dinheiro, que era repartida entre os funcionários da Funai diretamente responsáveis pela operação, cabendo sempre uma parte para o presidente da Funai, destinada ao financiamento de suas pretensões políticas". O procurador acusou o hoje ministro da Previdência de montar uma "quadrilha" na Funai. Segundo a denúncia, Jucá "designou três homens de sua íntima confiança para representá-lo nas negociações criminosas". Diz ainda o texto da denúncia: "50% da propina" cobrada dos madeireiros "era destinada a Romero Jucá", que vislumbrou na exploração madeireira das reservas uma "mina de dinheiro". O inquérito policial de que se serviu o procurador Villa-Verde contém depoimentos de madeireiros e de um sertanista que pertencia aos quadros da Funai. Chama-se Francisco de Assis da Silva. Contou ter recebido de um assessor de Jucá proposta para negociar "com os indígenas" a exploração de madeira. Confessou ter recebido dinheiro "como adiantamento". Forneceu nomes, datas e lugares. Declarou que Jucá participava da "partilha da venda de madeira dos índios". À época da denúncia, 1995, Jucá já era senador. O exercício do mandato conferia-lhe foro privilegiado. Só podia ser julgado pelo STF. O processo morreu, porém, antes de chegar ao Supremo. Feneceu nas mãos do então procurador-geral da República Geraldo Brindeiro. Pernambucano como Jucá, Brindeiro, "el engavetador", mandou o caso Funai aos arquivos, em setembro de 1996, por considerar que não havia nos autos senão "vagas suspeitas". Endossou, de resto, a tese de que, ainda que pudessem ser comprovados, os supostos crimes já haviam sido alcançados pela "prescrição". Brindeiro voltou a socorrer Jucá. Mandou à gaveta também o caso da Fundação Roraima. Esse mesmo que, temperado com revelações apimentadas da Receita Federal, volta agora ao noticiário. Embora inocente até que as provas em contrário sejam efetivamente analisadas, Jucá não parece pessoa talhada para o ministério. Qualquer ministério. Difícil saber por que José Dirceu defende o colega de maneira assim, tão enfática. Ganha um carro usado de Jucá quem souber informar as razões de que são feitas as convicções de Dirceu.

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