- 19 de novembro de 2024
E agora ministro? Guilherme Evelin Da equipe do Correio Três meses antes de ir para o governo Lula, o ministro da Previdência Social, Romero Jucá, patrocinou emenda que autorizava o uso de terras na Amazônia sob suspeita de serem áreas de domínio da União, tomadas por grileiros, na quitação de débitos previdenciários. Aprovada pelo Congresso no apagar das luzes do ano passado, a emenda, incluída em projeto de conversão de medida provisória que tratava originalmente da criação da Secretaria de Receita Previdenciária, da qual Jucá foi o relator no Senado, foi vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ser lesiva ao interesse público. Segundo o veto presidencial, "muito provavelmente", as terras são de ocupação indígena. No veto, o presidente Lula deixou claras as suspeitas sobre a grilagem das áreas, localizadas nos municípios de Envira e Silves (AM) e Apiacás (MT), incluídas por Jucá na medida provisória com a finalidade de autorizar o uso no abatimento de dívidas com a Previdência. Em mensagem enviada ao Congresso com as razões da rejeição da emenda apresentada pelo seu ministro da Previdência, Lula argumentou que a medida poderia "propiciar o cancelamento de débitos previdenciários por via do recebimento de terras indevidamente apropriadas de domínio da União". Ao referir-se à "enorme extensão" das áreas, situadas no sul do Amazonas e norte do Mato Grosso, o presidente mencionou ainda que elas aparecem "sem descrição precisa dos proprietários, algumas sem indicação do registro e identificação na forma da Lei de Registros Públicos". O fato suscitou outras desconfianças presidenciais. "Parece estranho que imóveis com dimensões aparentemente muito grandes (há medidas laterais, entre marcos, de mais de 120 quilômetros) não tenham maiores indicações dos contribuintes devedores que se beneficiam com a dação em pagamento", assinala a mensagem de Lula ao Congresso. Dação é o termo jurídico para a entrega de uma coisa em pagamento de outra que se devia. Grilagem É a segunda vez que o nome do pernambucano Jucá, que fez carreira como político em Roraima, aparece em meio a transações obscuras com áreas devolutas na Amazônia. Em dezembro de 2003, o Correio revelou que propriedades localizadas no sul do Amazonas, também sob suspeita de grilagem, haviam sido oferecidas como garantia de um empréstimo tomado junto ao Banco da Amazônia S/A, o Basa, por uma antiga empresa de Jucá, a Frangonorte, em que ele aparece como devedor e fiador. Na semana passada, uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo confirmou que as fazendas não existem. Jucá alega, no entanto, nada ter a ver com a fraude na operação do Basa. O ministro argumenta que as supostas fazendas foram apresentadas como garantias por seus sucessores na sociedade da Frangonorte, quando ele já se preparava para deixar a empresa. No caso das áreas colocadas em suspeita pelo veto do presidente Lula, não há dúvidas sobre a titularidade da iniciativa da inclusão em um anexo do projeto de conversão da Medida Provisória 222/04. Mesmo já com a função de relatar o Orçamento Geral da União, Jucá foi nomeado pelo então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), relator-revisor da MP quando ela chegou ao Senado em 14 de dezembro. Uma semana depois, em 21 de dezembro, o hoje ministro apresentou parecer favorável ao projeto de conversão, com a emenda em que autorizava o uso das áreas sob suspeita na quitação de débitos previdenciários. Acerto de contas Com ligeiras alterações, a emenda é a mesma apresentada por um correligionário de Jucá, o deputado José Borba (PR), líder do PMDB na Câmara, quando ele relatou a MP na sua passagem pela Câmara. O pretexto da permissão de uso das terras na Amazônia em acertos de contas com a Previdência era a possibilidade de ampliação da área de preservação ambiental, seguindo as diretrizes do Programa Nacional de Florestas. A emenda de Borba, que incluía também glebas nos municípios de Alta Parnaíba (MA), Paranaita, Alta Floresta e Novo Mundo (MT) e no estado do Pará, foi barrada, no entanto, pelos deputados. A aprovação foi impedida pelos protestos dos deputados Alberto Goldman (PSDB-SP) e Fernando Coruja (PPS-SC), que se rebelaram em plenário, na sessão de 9 de dezembro, contra a inclusão no projeto de conversão do "contrabando" - matéria estranha ao teor original da MP. "Quando tem jabuti na árvore, é porque alguém o colocou. Não sei quem o colocou na árvore, nem com que interesse. Não sei a quem interessa isso, mas certamente não deve ser ao povo brasileiro", reclamou Goldman. Borba teve de retirar a emenda para conseguir a aprovação do projeto de conversão na Câmara. Ele chegou ao Senado em 14 de dezembro já trancando a pauta de votação e foi apreciado a toque de caixa. A leitura da ata da sessão do Senado em que Jucá reapresentou a emenda derrotada na Câmara mostra que a maioria dos senadores aprovou o projeto de conversão da MP de afogadilho e quase no escuro. "Em relação a muitas matérias transformadas em lei a partir de medidas provisórias editadas pelo governo e analisadas, às pressas, em cima do laço, por esta Casa, não podemos afiançar que algo de errado não se passe amanhã, porque não houve tempo de estudá-las", disse o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), ao falar na sessão. Só a senadora Heloisa Helena (PSol-AL) registrou voto contra o projeto de conversão de Jucá. Em 22 de dezembro, um dia após a votação no Senado, o projeto com as modificações reintroduzidas por Jucá passou de novo pela Câmara. Obteve parecer favorável de outro peemedebista, o deputado Osmar Serraglio (PR), e desta vez, não enfrentou restrições. Segundo fontes do governo, o PMDB, que já controlava o Ministério da Previdência, com o senador Amir Lando (RO), e a presidência do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), com Carlos Bezerra, pressionou para que o texto da nova lei fosse sancionado na íntegra pelo presidente. Lula, no entanto, resistiu. Em 14 de janeiro, vetou o texto proposto pelo seu futuro ministro Jucá, encharcando-o de suspeições. O Correio procurou a assessoria de Comunicação Social do Ministério da Previdência Social para ouvir Jucá a respeito do seu projeto de conversão sobre o MP 222. Segundo o assessor Alexandre Jardim, Jucá estava em viagem pelo interior do estado de Roraima e não pôde ser localizado até o fechamento desta edição. O Correio procurou ainda o deputado José Borba. Deixou recados em dois de seus telefones celulares, mas também não obteve resposta.