- 19 de novembro de 2024
O SISTEMA DOS QUATRO NECESSÁRIOS (1)
JOBIS PODOSAN
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem em vista, aproveitando a pesquisa feita pelo professor LUCIANO OLIVEIRA (Oliveira, 1985, I), trazer à luz uma experiência vivida pelo autor respeitante ao acesso à justiça, tema encarecido por tantos, e sobre a efetividade da atividade estatal referente às respostas que a população deseja, no campo da composição de conflitos.
Conquanto a pesquisa acima referida tenha sido realizada no âmbito de agências policiais, será feita uma generalização dos seus resultados, uma vez que, no seu âmbito, se encontra também a solução de problemas cíveis.
Por outro lado, o enfoque visa, não a polícia, mas ao Poder Judiciário, num dos seus aspectos negativos mais lamentáveis: a demora na entrega da prestação jurisdicional. Essa entrega será abordada de um ângulo especial, simples, porém ainda não devidamente estudado e, talvez, propositada ou inadvertidamente, esquecido. Para chegarmos ao âmago da questão, daremos uma amostra do problema, das diversas soluções propostas, da atualidade da questão e, a final, a exposição sistemática do que autor chamou de sistema dos quatro necessários, como solução para a eficácia do serviço forense. Esclareça-se que embora a introdução foque no problema penal, a solução final a ser proposta enfoca o processo civil, mas permite a generalização ao processo penal.
DO ANSEIO E DA OFERTA DE UMA PRETENSA JUSTIÇA
Conhecer, respeitar e temer são expressões de sentido diverso. O conhecimento é tema de alta complexidade, transbordando do científico para o filosófico. Entretanto, a expressão pode também ser tomada em sentido mais simples, no sentido comum de se ter conhecimento formal de alguma coisa. O conhecimento derivado da observação, do estudo, da vivência. Creio que foi neste sentido que o prof. LUCIANO OLIVEIRA tomou a expressão no texto que cita, de autoria de ANTÔNIO LUIZ PAIXÃO: a polícia “é mais temida que conhecida pelo cientista social brasileiro”. Com efeito, sobra na experiência que a polícia exerce sua atividade em dois lugares distintos. Atua em público e, mesmo assim, não consegue ter uma atuação que afaste a violência. E atua em particular, nas delegacias, no interior dos quartéis, dentro das viaturas, onde a violência é conhecida pelos resultados que produz, pelas versões dos presos ou de testemunhas, presumida da atitude arrogante dos agentes. Ora, se atuando sob as vistas da população a polícia comete violência, é consequência lógica a admissibilidade que, atuando em particular, a cometa com maior intensidade. Deriva daí que pouco se saiba dessa violência particular.
Pouco se sabe, mas o temor da polícia é evidente, a dispensar comentários. O temor nasce, justamente, desse desconhecimento ou da presunção de inerência dela à atividade policial. Parece que há um consenso de que é mais prudente temer que conhecer a polícia.
Respeitar é sentimento do espírito, enquanto o medo é reação dos sentidos. Aquele é conquistado, este é imposto. Aquele é duradouro, este é efêmero, ocasional.
Como decorrência disto, há uma polícia formal e uma polícia material. A primeira expressa nos livros acadêmicos, na dogmática jurídica. A segunda, na praxis, na experiência do dia a dia. A primeira é conhecida, é a polícia do dever ser. A segunda é a polícia de fato, difícil de ser conhecida, onde poucas pesquisas empíricas foram realizadas. As que foram, mostram apenas parte do fenômeno. A literatura da segunda é a literatura dos jornais, da linguagem, do jargão. Para esta, o sistema jurídico desaparece, os fins justificando os meios, quando não é a violência um fim em si mesmo, para deleite da autoridade.
O trabalho do professor LUCIANO traz à tona uma atividade policial não prevista no sistema legal. Revela que, numa lacuna da entrega da prestação jurisdicional pelo Poder Judiciário, atua a polícia em substituição, numa atuação peculiar, resolvendo casos de pequenas agressões, ameaças, calúnias, difamações etc. Isso se faz através procedimentos próprios e consequências específicas.
É uma experiência que não depende de provas a lentidão da resposta do Poder Judiciário aos cidadãos que procuram a justiça e esta é uma luta de todos, pois se não houver uma saída do poço no qual a justiça se meteu, é preciso acabar com ela e substituí-la por outro sistema de justiça que permita a todos obter uma resposta do poder que se destina exatamente a dirimir os conflitos.
Já está claro que os algoritmos substituirão os juízes humanos em breve tempo, porém até lá precisamos de soluções para as pessoas que estão agora no trem da vida.
DA OMISSÃO À DESNECESSIDADE
A proposito da dificuldade enfrentadas no pelo Poder Judiciário hoje, trago parte do um artigo a respeito de uma greve no Poder Judiciário, ocorrida no final do Sec. XX, publicado no Jornal A Tarde, de Salvador, na Coluna Judiciárias, no qual se vê não serem os problemas de hoje tão recentes.
“Outro problema, também nacional, é a questão da submissão de juízes a interesses estranhos à missão outorgada na Constituição, pessoalizando o impessoal fazendo cessão indevida de poderes que não são seus, dando o que não têm, tirando do povo o que é dele, povo, e entregando indebitamente a outrem.
Como dito, há, em todo Brasil, juízes que cedem a sua independência. Alguns, por agradecimento, face à investidura sem esforço. Outros, por cupidez, carreirismo, insuficiência de conhecimentos que lhes permitam dilucidar o alcance do seu papel. Outros, ainda, por subserviência mesmo, homenageando o orgulho do lacaio. Impossível enumerar todas as causas que justificam certas condutas.
Esse é também um problema nacional.
Todavia, na Bahia, o problema é de proporção.
O que agora se vê, embora se possa negar, é resultante dessa desproporção. O Poder Judiciário, não tem poder. Não pode resolver o problema dos servidores, porque não tem podido resolver problema algum. No confronto com os demais é um nada. Enquanto o poder moderador — que só existiu, de direito, no Império, no século XIX, e hoje, de fato, na Bahia — não disser o que vai acontecer, nada acontecerá.
A submissão na Bahia virou galardão, virtude, se tornou mérito para promoção e condição para se chegar aos melhores cargos. A independência e altaneria, dever constitucional e valor mais alto da judicatura, passou a ser vitupério, objeto de enredos e perseguições, lançando sombras onde deveria haver luzes.
Diga-se, no entanto, que o germe não atingiu todo o corpo de juízes. Ao contrário, tem servido de candeia para alumiar a virtude. Os verdadeiros magistrados, aqueles que reerguerão o Poder em tempo breve — que já se delineia no horizonte — estão de pé e a postos, perseguidos, vivendo em grande dificuldade, mas dignos, operosos, lírios que vicejam em terreno repleto de adversidades, mas cujas vestes, imaculadas, superarão, em glória, às de Salomão. Foram chamados, na Restauração serão os escolhidos.
Finalmente, há o espantoso dado referido no título desta matéria e que não tem paradigma no resto do país: o povo poderá punir o Judiciário que aí está com a pena e a pecha dadesnecessidade. A Bahia, já dizia Mangabeira, é a terra dos precedentes, bons e maus. Esse singular povo baiano, capaz de viver e ser feliz — ao menos buscar a felicidade — no meio das maiores desgraças, novamente dá uma lição enorme.
Não será surpresa se surgir no seio do povo a ideia de greve ao inverso: ninguém vai mais ao Judiciário”.
Como se pode ver o autor do artigo ainda tinha esperanças. Eu ainda as tenho.
Continua...