- 19 de novembro de 2024
REFLEXÕES SOBRE O PODER JUDICIÁRIO (4)
JOBIS PODOSAN
Continuando com as reflexões sobre o Poder Judiciário seguem mais dez que podem ajudar a compreender essa função tão difícil, que coloca homens e mulheres na delicada função de julgar os atos dos seus semelhantes, quando todos sabemos quão difícil é julgar, principalmente em momentos de baixa extração moral, onde tudo se mede em função de vantagens e cada um somente enxerga imoralidades nos atos dos outros.
A fiscalização que o juiz exerce sobre o seu cartório é uma garantia para o próprio cartório, que não negligencia nas suas tarefas. O cartório não deve receber pedidos, deve receber petições, juntá-las aos autos e fazê-los conclusos ao juiz no dia seguinte à juntada. Assim evita que as solicitações indesejadas e os rapapés suspeitos maculem a dignidade da magistratura. Quando as petições não chegam aos autos e/ou estes não vão ao juiz, abrem-se as porteiras do favoritismo e da corrupção.
O tratamento no foro não comporta suspiros de enamorados, rapapés de pedinte, intimidades, simpatias ou antipatias, próprios à vida privada. O foro é lugar de austeridade, lhaneza no trato, urbanidade e respeito, nunca de frivolidades próprias dos ambientes festivos e lúdicos. Pessoas estranhas ao serviço cartorário - mesmo advogados - circulando dentro do cartório, são elementos complicadores da qualidade da justiça, quando não fonte de caminhos indesejados e intimidades funestas.
O tratamento no foro nunca deve ser íntimo. A atividade pública não comporta intimidades. Uma é pública e a outra é privada, não há mistura possível. O “meu bem”, o “querida”, o “meu amor” e similares são tratamento da vida íntima que são impróprios na vida forense.
A única forma de se obter o andamento regular do processo, quando a tramitação estiver irregular, é requerer isso ao juiz. Não é aceitável, lícita e moralmente, que se acolha como válido o boato que percorre os corredores do foro de que o processo só anda na base do pagamento de “incentivos”. Só a má vontade de alguns simpáticos à tese de que o crime compensa poderia crer ser isso possível no coração da justiça. Se o processo não anda que se reclame a quem o pode fazê-lo andar, sem lançar suspeitas infundadas contra a honra alheia. A seriedade da justiça não é compatível com condutas de tal jaez. Todos no foro sabem que partes são pessoas que tem interesses em conflito, querem coisas opostas, portanto não se pode conceber preferências e privilégios a ninguém.
A avaliação equivocada da lei pode causar danos e transtornos desnecessários à parte, que poderiam ser evitados com um juízo razoável de interpretação. Constitui erro grave, por exemplo, entender como decorrente de relação de consumo a reintegração de posse estabelecida entre um proprietário de um terreno e um grupo de ciganos. Um erro desse porte só pode ser justificado pelo excesso de trabalho que provoca escassez de reflexão. Pode-se não acreditar que um juiz do cível, na Capital, decidiu como de consumo uma relação possessória entre o dono de um terreno e um grupo de ciganos, mas lá na Bahia, onde este fato aconteceu, como disse Mangabeira, de tudo tem precedente. A parte não se animou em representar contra esse magistrado, temia que ainda aparecesse alguém para defender a tese esdrúxula e ainda prejudicar o andamento da ação!
Às vezes, face à impossibilidade de remover os obstáculos, é preciso suportar alguns prejuízos. Desiste-se, em face da demora, do recurso de apelação e requer-se devolução à vara de origem. A demora no julgamento da ação ou do recurso pode levar, e não raro leva, desânimo e à desesperança.
Um dia, que esperamos não esteja longe, a forma normal de pedir, que é a petição dirigida ao magistrado, vai superar a velha, desgastada e desgastante fórmula dos negócios de balcão, praticada aos cochichos das vozes e dos trespasses de dádivas, reveladas por objetos, sorrisos, preferências e olhares ternos. Hoje, ao contrário de ontem e de amanhã, as petições ainda não produzem efeito positivo. Provocam, até, a ira de alguns, mas é a ira dos injustos, que irão resvalar na inglória do cadafalso. Alguns já sentem essa tenebrosa agonia. Os justos esperam uma luz que, ao longe, começa a ser vista no fim do túnel, diretamente da consciência dos bons juízes para a glória da cidadania.
O diabo não tem necessidade e nem legitimidade para consertar o inferno. Por isto as reformas para o bem só podem ser feitas e gozarem de confiança se o reformador vier do caminho contrário ao do mal. Se fazia parte dos esquadrões da corrupção, a reforma será nessa direção. Ela apenas vai substituir um algoz por outro, sem ganho para os bons. Os “donos do poder” no Séc. XX, e outros governantes foram para a lua. Os últimos desses donos deixaram uma lição impagável ao Poder Judiciário: o desejo de ser rodapé não eleva ao teto. O Judiciário acordou. Mas sono longo ao rés do chão dificulta o caminho da luz e da claridade, a dívida de decência ainda está longe de ser paga ao povo.
É justo que a parte, após longos anos de espera pela decisão final do processo, sinta-se compelida a querer o que a sentença lhe assegurou. Mas não é compreensível que o Judiciário, que deu o bem da vida pretendido pela parte, no momento de entregar ao cidadão o produto mais valioso do seu trabalho judicante, quede-se inerte, deixando o tempo corroer o espírito do cidadão, que vê com maus olhos essa demora injustificada. O juiz, que deve ser cioso da sua simetria com o cidadão, não pode permitir que entraves injustificáveis levem a sua reputação à zona de sombras que assombra a justiça.
Há, no processo, o Juiz que o preside e conduz ao fim constitucional visado – a entrega de jurisdição – e os demais profissionais do Direito que a Lei Maior denominou de exercentes de “funções essenciais à justiça”: os advogados, públicos e privados, e os defensores públicos, que são advogados do povo necessitado. O Juízo é o órgão judicial composto pelo Juiz e pelos seus auxiliares. Pelos atos destes é o juiz responsável. Os demais componentes do sistema não têm autoridade sobre tais pessoas e com elas não deve manter outro tipo de contato senão o absolutamente indispensável. A cobrança é sempre ao juiz.