Oraculo

TEORIA DA PASSAGEM II
 

Continuação

JOBIS PODOSAN

Palavras do avô para o seu neto no dia da maioridade

O homem, meu neto, é uma dualidade físico-espiritual. É substância, mas é dualidade em corpo e espírito. As dores do corpo doem menos que as dores do espírito. Todos sofrem dos males físicos, mas os males da alma são reflexos necessários das nossas ações. Agradeças a quem te fez o bem. Agradeça a quem te tentou fazer o mal e tu repeliste. Agradeças, até, àquele que conseguiu te fazer o mal, porque deste aprendestes a lição pelo sofrimento espiritual. Não o culpes, senão a ti mesmo, por ter sucumbido aos argumentos da tentação, mas livras-te dele para o futuro. Procures querer bem a todas as pessoas, não te julgues superior a ninguém. Mas também não te julgues inferior e nem permitas que assim te tratem. Amas-te primeiro a ti para depois amares aos outros, inclusive a mim e aos teus pais. Só a Deus amarás antes de tudo e sobre todas as coisas. Não ambiciones opulência, mas lute com todas as tuas forças para fugir da pobreza. Seja tanto o teu trabalho que consigas para ti o suficiente, e possas, ainda, do que te sobejar, ajudar ao próximo, porque só quem tem pode dar. Procures ser sábio o suficiente para enxergar o valor das pequenas coisas. Não sonhes com quimeras postas em teu espírito pelos apetites do consumo. Buscas conquistar pelo mérito tudo o que for possível, mas te contentas com o que assim conseguires. Não te infelicites pelo que está fora do teu alcance e só ponhas o teu chapéu num lugar onde possas alcançá-lo. Consideres-te rico com as tuas conquistas e não mires as conquistas alheias para te infelicitares. Não olhes para a mesa do vizinho para invejares o repasto e o vinho, antes agradeças o pão e a água da tua mesa. Festejai o teu dia-a-dia, enche-te de alegria pelas coisas que tens.

Na medida em que fores vivendo, verá que tua vida se tornará mais complexa, que tuas responsabilidades aumentam. A família que te deu origem cederá lugar à que darás origem, que será substituída pela dos teus filhos, e assim sucessivamente. É por isto que viverás com honra e decência, para que não interrompas a trajetória de respeitabilidade e quebres a cadeia que justifica a vida na nossa família. Nós nada somos fora da sociedade. Fizemos um pacto de convivência pelo qual cada um cede o seu trabalho aos outros para que todos possam ter acesso a tudo que produzimos. Somos todos insuficientes para a satisfação das nossas próprias necessidades e, por isto, somos interdependentes e a todos devemos respeito e agradecimento.

Tornas-te um profissional respeitado pelo saber e pela conduta. Não cause lesão aos direitos dos outros, não queiras nada que não te pertenças, vivas honestamente. Nada acrescentes ao teu patrimônio que não seja fruto do teu trabalho honesto. Recuses as dádivas, venham de onde vierem, seja para o que for, seja qual for a tua necessidade, lembrando que sempre há uma alternativa possível dentro do campo da honra. Se não houver alternativa, sofras a perda, mas não sacrifiques a tua honra por nada, ela é o nosso supremo bem. Só a honra é perda irrecuperável. A própria vida é menos valiosa que a honra.

A vida, perdê-la-emos de todo modo. Mas a honra sobrevive à vida física. É a prevalência do espírito sobre a matéria. Quem prefere a desonra, opta pela morte antecipada do espírito, sobrevivendo como um corpo sem alma, morto, ainda em vida. Os sacrificadores da honra beberão dos vinhos mais caros, vestirão as melhores roupas, usarão os melhores calçados, perfumar-se-ão com as mais finas essências, frequentarão as páginas sociais dos jornais, brilharão pelo poder do seu ouro, mas sentirão o travo amargo da ausência de sentimentos, sequer piedade terá nas horas de dificuldade, que necessariamente virão. Estarão podres, mesmo que ainda vivos. Feitas as escolhas, empreendas as ações para materializá-las e persevere nos seus objetivos. A vida é uma série de bifurcações e a nós cabe, em cada uma delas, fazermos as opções de caminho, pois para cada escolha é feita uma desescolha. Os caminhos que não escolhemos se tornam impossíveis de refazer. A vida anda para diante. A escolha errada é apenas uma queda. Levantas-te e fazes uma nova escolha, aprendendo com cada perda. Preservai, assim, o teu outono e o teu inverno. Não cometas nem na primavera da adolescência e nem no verão da juventude, aquilo que te serás cobrado no outono da maturidade e será objeto do arrependimento no inverno da tua velhice. A vida é uma linha reta imaginária, mas Deus nos permite chegar ao objetivo final – a felicidade - mesmo através das linhas tortas. Podemos sucumbir - e sucumbimos - aqui e ali. Os nossos defeitos não nos permitem trilhar sempre a linha reta. Mas não podemos nos afastar muito dela. Erramos, sim, mas à linha reta devemos retornar pela via do arrependimento ou das sanções. Sejas intransigente com os teus erros e defeitos, mas generoso com os erros e defeitos dos outros, fiscalizai primeiro a ti, para só depois tirar o cisco no olho do vizinho. Mas não te consideres o último dos homens se pecares, pois nesse terreno não há primeiros. Ninguém pode lhe atirar a primeira pedra. Não te preocupes com a falação que girar em torno de ti, a tua consciência é o teu tribunal maior, se ela não te acusas, deixas que o comadrio fale de ti e sorria respeitosamente para os seus detratores, pois eles falam na tua ausência e isso indica antes respeito que desconsideração. Se te destratarem na tua presença, reaja como homem, defendas a tua honra, pois a ninguém é dado o direito de ofender aos outros, independentemente da razão que apresentem. Se necessário combatas, pois a ofensa física é menor que a ofensa espiritual. Sedes manso, mas não covarde. Não agridas, mas reaja. Não ataques, mas te defendas.

Continua na próxima semana.