- 19 de novembro de 2024
PERPLEXIDADE SUPREMA
JOBIS PODOSAN
Este artigo vem a propósito de uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, alguns dias atrás, a respeito de se aplicar ou não aos deputados estaduais as imunidades previstas na Constituição Federal para os Deputados e Senadores no art. 53 da Lei Maior, que a doutrina chama de Estatuto dos Congressistas. Tais imunidades visam à proteção do mandato dos parlamentares, deixando-os mais livres para representarem o povo que os elegeu.
Segundo o art. 53 da Constituição Federal são as seguintes as prerrogativas ou imunidades para os parlamentares federais:
O STF em longa discussão e votação decidiu, por 6 X 5, que esse artigo também se aplica aos parlamentares estaduais.
E onde está o espanto?
É simples. A Constituição trata das prerrogativas dos Deputados e Senadores no at. 53, da inviolabilidade dos vereadores no art. 29, VIII e deputados estaduais no art. 27, § 1º.
Sobre os vereadores diz o art. 29, VIII: a inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato limita-se à circunscrição do Município. Quer dizer: um vereador de Taubaté em São Paulo não tem prerrogativa alguma em Belo Horizonte. Significa também que os vereadores de todo o Brasil somente gozam de inviolabilidade por sua opiniões, palavras e votos, nada mais. Havendo previsão de outras imunidades nas Leis Orgânicas dos Municípios, estas serão inconstitucionais.
Ao tratar dos deputados estaduais a Constituição Federal diz, no art. 27, § 1º: Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.
Ao tratar da competência do Supremo Tribunal Federal a Constituição, no art. 102, diz qual é a principal tarefa deste importante tribunal: compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. Isto quer dizer que o que está na Constituição não pode dela ser retirado por via de interpretação e o que nela não está não pode ser incluído via interpretação. Se a letra da constituição não permite dúvida, ou mais de uma interpretação, não se pode interpretar para excluir ou para incluir o que nele não está. Cabe ao Poder Constituinte Derivado, portanto ao Congresso Nacional, mudar a Constituição, seja para retirar seja para colocar matéria nova no seu texto, preservadas as cláusulas pétreas que são insuscetíveis de modificação.
Releva dizer que a Constituição que o STF guarda é a Constituição escrita pelo poder constituinte e não a Constituição que o poder constituinte deveriater escrito, na opinião de cada Ministro da Suprema Corte. Se a Constituição está errada, deve ela ser modificada pelo poder constituinte derivado e não pelo STF. Este é submisso à Constituição e não pode reescrevê-la.
Durante a discussão sobre o tema acima mencionado, os Senhores Ministros do STF ignoraram por completo a regra que está no § 1º do art. 27, como se fosse inexistente. Repito, para enfatizar: art. 27, § 1º: Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.
Não é espantoso que o STF se indague se deputado estadual tem o mesmo estatuto dos parlamentares federais, ante a clareza do texto e, ainda pior, cinco Ministros, inclusive o Decano do tribunal, que tem mais de 30 anos na Corte, negue o que está explicitamente concedido no Texto constitucional?
O Ministro Roberto Barroso, tecnicamente reconhecido por todos e por mim admirado, admirou-me pelo lado negativo, pois votou como se fosse um Senador defendendo da tribuna da Câmara Alta um projeto de emenda constitucional em tramitação no Senado da República (de lege ferenda) e não como um juiz limitado pela lei existente (de lege lata). Invocou um caso concreto do Rio de Janeiro para negar às Assembleias Legislativas o que a Constituição expressamente lhes concede. Na verdade, propôs emendar a Constituição sem a participação do Congresso Nacional. Não guardou a Constituição, como de sua obrigação, impulsionou-a às estrelas, num petardo magistral. Brilho não faltou na sua argumentação, faltou conteúdo constitucional.
Pode-se admitir que Ministros do STF, em livro ou artigos doutrinários teçam críticas à letra da Constituição, entendendo que o texto poderia desta ou daquela forma, mas abrir uma discussão, num julgamento, contra texto expresso da Lei Maior, ainda mais dividindo a corte quase ao meio, lança-se insegurança no meio jurídico ou dúvida sobre o saber dos ministros ou a pretensão deles de alterar a Constituição sem a participação do poder constituinte derivado. A tanto não vai o poder do STF, aliás, como guarda da Constituição é vedado ao STF alterá-la por via de interpretação.
E os Ministros do STF só não revogaram o texto constitucional porque o Presidente do Tribunal, que já tinha votado errado sobre o tema, mudou o voto e deu aos parlamentares estaduais o que a Constituição expressamente já lhes concede. Diga-se que ele não mudou o voto pela razão correta, mas por motivos também errados, além de confusos. O Ministro Presidente, havido nos meios jurídicos como não portador do notável saber jurídico que a Constituição exige para o cargo, talvez tenha lido, à sorrelfa, o § 1º do art. 27 e ficado com vergonha de, votando por último, revelar ao Brasil inteiro que os outros 10 ministros, sábios e notáveis, não viram o que estava escancaradamente no texto constitucional, desde a promulgação da Constituição, no dia 05 de outubro de 1988. Este caso, como se vê, não requer nenhum saber jurídico notável, requisito que os Ministros do STF são obrigados a ter, para além da presunção de iure.
A madureza deve ver além da cortina de fumaça.