- 19 de novembro de 2024
A BELEZA DO CÍRCULO
JOBIS PODOSAN
SOMENTE DIREITOS
Formou um consenso de que os jovens de hoje não têm obrigações, são titulares apenas de direitos. Os pais, professores, parentes, pessoas mais idosas, ninguém mais pode opor obstáculos à caminhada que cada jovem escolhe para viver, ainda que o caminho leve à destruição. Independência total. O cenário parece tenebroso aos mais velhos e auspicioso aos mais jovens, que se apoderaram da própria vida e empoderaram-se para enfrentar as dificuldades, como se poder fosse a melhor coisa do mundo!. A boa notícia é que isto é apenas uma miragem, pois a visão está focalizada tão somente na aquisição da maioridade. Os mais velhos morrem e os jovens de hoje tornam-se os velhos de amanhã e experimentarão, inevitavelmente, a beleza do círculo. Estão ouvindo hoje o que não querem ouvir, mas é o mesmo que dirão aos seus filhos amanhã.
PAI E MÃE PARA SEMPRE
Há amores para cima (de filhos pelos pais), amores para baixo (de pais para os filhos) e amor para os lados (amor de cônjuge, de irmãos e primos etc.). O amor é mais forte de cima para baixo que baixo para cima ou para os lados. O amor de filhos pelos pais é imenso quando são crianças e a dependência total tornam os pais as pessoas providenciais para tudo. É o amor decorrente da necessidade e da conveniência inconsciente. Com o tempo, a amor sentimento de filhos e pais deveriam ser substituídos pelo amor comportamento, que se revela na cooperação, compreensão, respeito, que se realiza de longe, pois cada um assume ou reassume as suas vidas quando os filhos tornam-se maiores.
Inventaram (quem?) essa história de pai e mãe para sempre, que transforma os pais em escravos dos filhos e os filhos em eternos dependentes, naquilo que lhes convém. Nada é para sempre, no plano físico. Ao contrário, o princípio é o da transitoriedade, da impermanência. Os pais vão envelhecendo e se distanciando dos filhos, até se tornarem uma figura longínqua e invisível no horizonte.
A CAMINHO DA DESNECESSIDADE
À medida que as independências chegam e os pais vão se tornando desnecessários, vão, eles, pais, ao mesmo tempo, se tornando estorvos, pois tentam dirigir a vida dos filhos, até maiores, como se ainda fossem crianças, dando conselhos imperativos e usando a vitimização própria como argumento, tentando mostrar as experiências suas como se servissem para orientar a vida de quem quer seguir outro caminho.
A presunção da lei brasileira diz que o filho se torna maior aos dezoito anos. Com essa idade, desligam-se as luzes da direção da vida, o filho passa a ser obrigado a cuidar de si e tem o direito de cuidar de si mesmo. Cuidar de si mesmo é direito e dever. Todavia, a presunção da lei encontra obstáculos no realidade da vida. Há filhos que agem como se fossem maiores antes da idade legal e filhos que completam a idade legal e entram na posse apenas dos direitos decorrentes da maioridade, são absolutamente ciosos desses direitos, porém, o outro lado da maioridade é deliberadamente esquecido, há por aí adolescentes de 40, 45 anos de idade, que vivem nas costas dos pais, achando muito natural que seja assim, afinal pai e mãe são para sempre. São pessoas capazes, que se tornam, por sua própria vontade, em incapazes.
O AMOR COMPORTAMENTO
O amor de que nos fala o apóstolo Paulo, aquele que “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”, não é amor sentimento, mas amor comportamento. Pais de filhos maiores têm pelos filhos amor comportamento, não precisam sofrer com as escolhas dos filhos, apenas compreendê-las e ajudá-los, sabendo que quem ajuda faz a menor parte. A maior parte cabe sempre ao ajudado e não a quem ajuda. Os direitos e as obrigações são correlatos. Onde está um está o outro. Se eu digo que sou independente, tenho que agir com independência. As parábolas cristãs do filho pródigo e do bom samaritano ilustram bem esse modo de pensar. A independência não é indolor, ela provoca crises, há sempre lágrimas a chorar quando a situação fica difícil, mas são exatamente essas crises que resultam na pessoa adulta e madura, capaz de enfrentar os embates da vida sem olhar na direção dos pais a todo instante. Para encontrar a solução, o jovem capaz olha no espelho e, na imagem refletida, busca a solução dos seus problemas. Após a maioridade o pai é o último mourão a se buscar apoio. Mas é o apoio certo a encontrar, quando tudo mais der errado. O destino é o que cada um escolhe, os pais são apoio. Cada filho deve encontra o seu próprio caminho. Seu próprio lugar no mundo, caso contrário, quando os protetores faltarem, conhecerão as agruras do espaço que sobra: a rua! Rua deve ser lugar de passagem, nunca uma opção de vida.
A LUTA PELA INDEPENDÊNCIA
O filho peleja para alcançar as independências - que não chegam todas ao mesmo tempo. A independência é fruto de muitas lutas, em muitas frentes. A independência física é uma dádiva da natureza, quase todos os humanos a alcançam. É fruto do mero passar do tempo e dos cuidados paternos. Nascidos com saúde e bem cuidados na infância e na adolescência desaguamos na independência física. Afora o infortúnio, é a mais fácil de todas. Em seguida vem a independência intelectual, que pelo esforço conseguimos estudando e aprendendo a ver e entender as coisas. São adquiridas habilidades que nos permitem o pensamento crítico, a formação de ideias próprias a partir do conjunto de ideias dos nossos antepassados, Caem as escamas dos olhos e passamos a ver premissas e formular nossas próprias conclusões, deixamos de repetir apenas slogans e frases feitas por outrem. O intelecto nos possibilita e facilita a independência profissional, embora não seja o único caminho para o sucesso. A independência profissional nos habilita a criar, e transformar o mundo a nossa volta, realizando pequenas e grandes coisas que nos tornam útil à sociedade. O não saber fazer nada é talvez a maior doença de que pode padecer uma pessoa, porque ela se serve do esforço dos outros e não pode dar nada em troca. Sequer pode ser ajudado, porque para ajudar é preciso que o ajudado saiba fazer alguma coisa!
A independência financeira é, de todas, a que dá vitalidade a todas as demais. Ninguém é verdadeiramente independente enquanto não consegue pagar as suas contas e reger a sua vida. Sem recursos para viver toda independência fictícia.
O coroamento da vida independente vem com a independência emocional, que consiste na capacidade de responsabilizar-se pelos atos que pratica. É a liberdade de decidir o que fazer e assumir as consequências, sem ter que olhar para os lados e buscar o responsável. A independência emocional é você diante da vida. O responsável é você. O ato é seu, a responsabilidade é sua.
FECHANDO O CÍRCULO
Porém, como acima se disse, a pessoa que pensa apenas ter direitos não está pensando na beleza do círculo da vida e esse círculo o surpreenderá, pois, mais tarde, quando forem pais, ouvirão suas bocas dizerem aos filhos as mesmas palavras que recusaram ouvir dos seus pais.