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Oraculo

DEPOIS EU CONTO


DEPOIS EU CONTO

JOBIS PODOSAN

É lugar comum entre os escritores que a felicidade é matéria antiliterária. Todas as vezes que a felicidade é encontrada o livro, a novela, a peça, o enredo, o conto, chegam ao seu final. Ninguém consegue prender a atenção de ninguém contando estórias de felicidade. São até chatas de ouvir. Ninguém suporta ouvir além do sou feliz. Até essa mera notícia já tem uma conotação negativa. A pessoa que diz ser feliz é malvista no contexto em que todos desfiam as suas dificuldades. Até se afastam dos tais felizes, envergonhados talvez. A melhor felicidade é a percebida no dia a dia e não a cantada de decantada. A expressão “felizes para sempre” basta e sobra e se refere ao passado, porque o futuro é e deve ser incerto, senão seríamos deuses. É por isto que quando esta expressão surge, as cortinas baixam, as luzes se apagam..

Bom mesmo são as histórias tristes, escabrosas, desde que envolvam terceiros, gente de fora da família. A tristeza é, em si mesma, misteriosa. Há gente triste pelos motivos que outros se alegram. Não por acaso, o poeta disse que “o que dá pra rir dá pra chorar, questão só de peso e medida, problema de hora e lugar, mas tudo são coisas da vida”.

A verdade também não produz literatura de qualidade. A verdade também faz a história acabar. Pense-se na mulher grávida de outro homem que nada disse ao marido, que este não poderia ser o pai, pois esteve em viagem por mais de um mês no período da concepção. Chegando o marido, se ela, compungida, lhe contar a verdade, a história acaba. Se o marido for do tipo que acredita nas fatalidades da vida e aceita o pedido de desculpas comovido da esposa (que apenas sucumbiu à fraqueza da carne, mas jurou estar pensando nele na hora do hosana nas alturas!, acolhe o filho como seu e até se sente um tanto culpado pelas horas distantes, a história acaba. Neste caso, bastam umas poucas lágrimas e a tristeza se faz contentamento. Mas se o marido não é dado a razões estéticas ou sentimentais, rejeita o filho do adultério, pode a separação e arranca os chifres com o divórcio, produz uma solução civilizada, mas que acaba com a história. Pode ser que o marido traído reaja com violência, invocando pretextos antigos e lave a honra com sangue, matando a infiel e o futuro rebento, quiçá o destruidor do lar, se o nome dele souber, há muito que contar. Porém, mortos uns e presos outros, perdem todos, e a história acaba.

Tudo muda de figura se no enredo for introduzido pelo autor o famoso depois eu conto. A literatura de qualidade se baseia nessa figura. É o depois eu conto que gera o suspense e a expectativa. Quem de nós nunca se valeu do depois eu conto e perdeu o momento de contar, transformando problema em tragédia? Quem é que conta a verdade de bate pronto, mal o fato aconteceu? Qual a mulher que diz ao marido que acha estar o melhor amigo dele dando em cima dela, pelo menos com olhares fixos e miradas nas pernas ou nos seios? Qual o marido que diz à mulher que amiga dela está lhe rondando? Essas coisas se resolvem com o depois eu conto.

Gilberto era telegrafista da Leste, jovem de 36 anos, gorducho e bonachão, era o organizador do futebol local, nos dias possíveis da semana. Um domingo qualquer ensolarado e alegre, todos no campo a jogar quando, de repente, numa corrida, o ar lhe faltou e ele caiu. Morto. Definitivamente morto. Não havia socorro a dar, apenas o levamos ao posto médico para melhor contar a história à viúva deixada só, mãe de filha pequena. Observe-se que só nesta pequena estória há dois depois eu conto. Gilberto sabia que estava doente do coração, mas não contou à esposa, que podia ajudá-lo, contendo-lhe o excesso de sal, que ele apreciava. Descobrimos depois em sua gaveta de trabalho, na Estação da Leste, um sem número de receitas e remédios que a esposa nunca tinha visto. Depois eu conto, pensou ele. O segundo depois eu conto foi quando decidimos pelo aparente prestar socorro ao levá-lo ao posto médico para, só depois, contar a notícia fatídica. O primeiro depois eu conto, pode ter custado a vida dele, o segundo foi ditado pela amizade, piedade, sofrimento de nós próprios ou o temor de sermos o portador da notícia.

Observem nos filmes, nos livros, nas novelas que se não fosse o depois eu conto não haveria nem a trama e nem o suspense que nos prende a atenção.

Como descobri isso? Depois eu conto.

 

 

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