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Edersen Lima

A QUASE MENINA


A QUASE MENINA

JOBIS PODOSAN

A Constituição Brasileira de 05 de outubro de 1988 é uma jovem senhora, hoje quase uma menina, perto da Constituição dos Estados Unidos da América, que foi promulgada no Séc. XVIII, no ano de 1787, a primeira Constituição escrita que o mundo conheceu. A nossa Constituição é uma lei imensa, hoje com 250 artigos na sua parte permanente, 114, na parte transitória, 99 emendas constitucionais promulgadas e um sem número emendas e intenções de emendas em tramitação ou na cabeça dos que podem propor emendas constitucionais, além de um sem número que reside na cabeça dos brasileiros em geral. A nossa ideia de constituição muito se aproxima da ideia de decreto, que se destina a resolver problemas imediatos e contingentes. De peixe (meio ambiente) a lobisomem (patrimônio imaterial) a Constituição Brasileira trata de tudo, só não promete trazer a pessoa amada em três dias, segundo tirada sarcástica e bem humorada do Ministro Roberto Barroso, do STF.

Quer dizer: nossa Constituição é uma menina cercada de intenções de vulneração, sejam boas sejam más, ao gosto de cada freguês. Ninguém a respeita, quanto mais venerá-la!

Os candidatos que foram ou forem eleitos nas eleições de 1988, estão, a cada discurso, prometendo mudanças na Constituição e ouvem-se até vozes falando de mudança de Constituição. Já mudamos sete vezes de constituição, alguns até falam de oito, por considerar a emenda nº 01, à Constituição de 1946, de tão extensa e feita por órgão estranho ao poder constituinte derivado previsto na própria Carta (três oficiais generais), por mais estranho que isto possa parecer. A nossa história constitucional é feita aos solavancos, aos soluços, aos espasmos. A nossa Constituição que vigeu mais tempo foi a do império que regeu a vida do país por 64 anos (1825 a 1889). A atual está sob ameaça, o que significa – se outra  houver - que haveremos de zerar de o tempo de estabilidade e afundar na insegurança das coisas novas, cujas promessas se revelam sempre mais úteis que a realidade.

Falta-nos a consciência de que constituições demais significa constituição de menos. A constituição não é virtuosa por ser nova. Mas exatamente pelo contrário: é boa por ser velha. A estabilidade não é produto da novidade, mas da decantação. As novidades devem ser produto das leis de governança, feitas em obediência aos parâmetros constitucionais. Como qualquer coisa que se pretenda sólida e permanente, não se pode impunemente mexer nos pilares da construção que sejam estruturais e estruturantes. Ou então viveremos como fênix pela eternidade afora: ressurgindo sempre das cinzas do fogo que, a propósito de mudar, ateamos ao país.

Todos os países do mundo sempre tiveram Constituição, porque não é possível se ter um estado sem Constituição, como não existe uma pessoa humana, um cavalo, uma baleia ou uma casa, sem constituição. Se fecharmos os olhos e pensarmos numa dessas coisas a veremos com nitidez, porque suas imagens estão inscritas na nossa consciência. Constituição significa justamente isto: uma estrutura estável sem a qual a coisa ou pessoa perde suas características estruturais. Uma pessoa sem braços, um cavalo sem pernas ou uma casa sem alicerces estão sem sua estruturação completa, que lhe permita o alcance das suas finalidades em igualdade de condições dos seus congêneres. Podem existir, mas necessitarão de mecanismos compensatórios para mitigar a desigualdade estrutural.

Assim, a Constituição, que antes era baseada nos costumes antigos, chamados leis do reino, e não podiam ser mudadas pelas leis do rei (governo do momento), gozavam de equilíbrio de consciência de obrigatoriedade de todos. Depois das constituições escritas, salvo nos EUA, todos os governos têm discursos de mudança a cada eleição. É previsível que venha aí uma série de mudanças na nossa quase menina, seja quem for o eleito. Cada governo acha que suas mudanças são sempre boas e necessárias, esquecidos de que leis humanas são imperfeitas, necessitando de tempo e aplicação continuada por várias gerações para que seja depurada e amenizada em seus defeitos e descobertas velhas e novas virtudes. Uma geração é muito pouco para que se descubra e se conclua que uma lei é boa ou má. É o estudo diuturno e a aplicação repetida que torna uma lei boa ou má. A Constituição dos EUA, que nenhum americano quer mudar, se fosse feita hoje seria totalmente diferente. Mas a aplicação a fez boa. As leis naturais – flutuação dos corpos, gravidade, da inércia, da ação e reação -  não são nem boas e nem más, são apenas leis inexoráveis. Dada a causa o efeito ocorrerá, de modo inevitável. Se alguém se jogar de uma torre ou do penhasco, se estatelará no solo, independentemente de ser uma pessoa virtuosa ou um salafrário. A lei da gravidade não poupará a virtude e punirá o canalha. A consequência para ambos será a mesma. A noção de valor está ligada às leis humanas: fato, valor e norma, na trilogia invencível de Miguel Reale.

As leis feitas por nós não são de causa e efeito: estabelecemos a causa e prevemos os efeitos, mas estes nem sempre ocorrerão como previmos. Pode ocorrer exatamente o oposto. Tome-se  o caso do ingresso no serviço público: a Constituição prevê que a regra é o concurso público e o REDA (Regime Especial de Direito Administrativo), a exceção. O que a prática vem demonstrando? Seja quem for o administrador, a aplicação do REDA é mais simpática e permite mais apadrinhamentos que o concurso e, por esta razão, contrariando a norma, a exceção vem virando regra e a regra, exceção. Outro exemplo: diz a lei penal sobre o crime de homicídio (CP, art. 121): matar alguém, pena de reclusão de seis a vinte anos. Todo aquele que mata sofre efetivamente esta pena? Mais além. Todo aquela que mata injustamente sofre esta punição? A realidade está aí, farta de exemplos de assassinos não punidos e até elogiados, alguns tendendo ao heroísmo.

Voltemos ao plano constitucional para pedir que deixem a menina envelhecer e se tornar respeitável. Tão velha que ninguém ouse tocá-la, novamente como nos Estados Unidos, onde nenhum presidente ousa basear sua plataforma de governo em mudanças na Constituição que, no dia da posse, jurará cumprir. Veremos este paradoxo se repetir aqui no dia 01 de janeiro vindouro na solenidade de posse: o Presidente eleito, de mão sobre a Bíblia, no Congresso Nacional e na presença do Presidente do STF e de legações estrangeiras, jurará solenemente cumprir a Constituição e no mesmo ou no dia seguinte a estuprará impiedosamente e veremos, novamente, os fatores reais do poder (Lassalle, 1849) prevalecerem sobre a força normativa da constituição (Hesse, 1959), prolongando o quase debate entre Ferdinand Lassalle e Konrad Hesse, que até hoje nos intriga.

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