- 19 de novembro de 2024
Negro, não!
JOBIS PODOSAN
Alguns já disseram de formas diversas, que o Brasil é um país tirar, de buscar, e não de por, de trazer. Quem vem a esta terra abençoada e rica vem buscar alguma coisa, da qual a natureza a fez pródiga. E vêm, quase sempre, de mãos vazias. Já nós, brasileiros, raramente vamos lá fora buscar. Vamos levar, por, acrescentar algo à torta deles. Os raros ricos de fora que aqui chegam, vêm ficar mais ricos. Quando o negócio deles sofre aqui algum revés, simplesmente vão embora e levam seus haveres aqui obtidos. Falta-nos a ideia de sermos alguém, talvez devido ao fato de que a colonização/submissão brasileira se fez de fora para dentro, com os brancos e os negros prevalecendo sobre o elemento interno nativo. Os negros foram trazidos à força e, ainda hoje, lutam para se livrar da chibata. O Brasil é uma terra que “em se plantando tudo dá”, mas até o que não se planta, dá. A ordem se fez assim: brancos, negros e índios. Os primeiros sempre exerceram o poder, os segundos foram suporte da economia até pouco antes do advento da República e depois passaram a exercer as funções braçais, dando uma nova vestimenta à escravidão, e os índios passaram apenas a lutar pela sua não extinção.
Até hoje esta situação permanece igual, embora o sangue negro seja prevalecente no país.
Assim, embora a população brasileira seja geneticamente negra em sua maioria, o que nos chama atenção é que a questão genética não influencia os nossos costumes. Importa-nos a cor da pele. A ideia de superioridade da pele branca, dado ao largo tempo de escravidão que vivemos – a escravidão tem o dobro do tempo da liberdade — é sociologicamente explicável, embora hoje seja culturalmente repugnante.
Tomo como exemplo a cidade de Salvador, na Bahia, cidade que é majoritariamente formada por pretos e por parcela minoritária de brancos de pele, mas negros de sangue e, ainda assim, o poder e o dinheiro circulam nas mãos da minoria de pele branca.
Destaco o exemplo dos Prefeitos da Capital ao longo da República.
Salvador teve, no período republicano, cerca de 70 (setenta) prefeitos. Até o ano de 1928, na República Velha, os prefeitos eram chamados intendentes. Na primeira eleição republicana para o cargo de Intendente (18 de fevereiro de 1892) foi eleito José Luiz de Almeida Couto, que governou de 1893 a 1895, sendo sucedido por uma série de intendentes interinos, quase todos com períodos de governo inferior a dois anos. Em 1928, foi eleito Francisco de Souza, o primeiro a ter o título de Prefeito, sendo seguido por outra série de prefeitos interinos ou ditatoriais até 1955, quando foi eleito, pelo voto, Hélio Ferreira Machado, que governou de 1955 a 1959. Heitor Dias foi eleito no período de 1959/1963 e Virgildásio Sena, eleito em 1963, foi afastado em 1964 pelo Golpe Militar. Só em 1986 é restabelecida a eleição direta para Prefeito de Salvador, sucedendo os prefeitos “eleitos” indiretamente, na verdade nomeados pela ditadura, uma vez que os “eleitores”, deputados presos ao cabresto, apenas homologavam os nomes apresentados.
Depois desse período foram eleitos pelo voto popular Mário Kertesz (1986/1989), Fernando José Guimarães Rocha (1989/1993), Lídice da Mata(1993/1997), dois mandatos sucessivos de Antônio Imbassahy (1997 / 2005), sendo o primeiro prefeito reeleito, João Henrique Barradas Carneiro, eleito em 2005 e com mandato até 2012, uma vez que foi reeleito em 2008, e ACM Neto, atual prefeito, eleito e reeleito e com mandato até 2020.
O mesmo se diga de governadores e senadores da Bahia. Nenhum negro de pele negra. Deputados federais e estaduais e vereadores os negros, uns poucos já foram eleitos, mas deveriam ser a maioria das casas legislativas.
Na cidade negra, nenhum negro foi eleito Prefeito pelos negros. Já teve até negro vice-prefeito, mais usado para atrair votos que para compartilhar o poder. Continuaram a entrar pela porta de serviços. O prof. Edvaldo Brito, negro de talento fenomenal, foi Prefeito nomeado pelo governador por sua vez nomeado pela ditadura militar no final dos anos 1970, mas perdeu eleição quando pediu o mandato aos negros da cidade pelo voto. Foi eleito e reeleito vereador no provecto entorno dos 80 anos e integra a Câmara de vereadores da Capital.
Negro é bom para propaganda, para caminhar pela cidade, para ser vice, mas os negros não se organizam, ao menos até hoje nada fizeram de efetivo, para vencer as eleições, limitando-se a criticar o fato de serem discriminados, como se, sendo maioria, precisassem do consentimento dos brancos para assumir um poder que está em suas mãos. Salvador é o que os negros dizem que ela é, mas, até hoje, os negros não resolveram tomar nas mãos o destino de sua cidade. Reclamam de discriminação e votam nos brancos para os lugares de poder. Impressionante!
Embora não haja pesquisas conclusivas sobre as causas desse autodesamor, algumas hipóteses são aqui e ali levantadas, entre elas as seguintes: 1) os negros ainda não assumiram a sua identidade, inventando artifícios de cores intermediárias para parecerem brancos; 2) negros não gostam de sua cor; 3) os negros se sentem envergonhados de serem negros; 4) o padrão de beleza branco é imposto a todos; 5) o negro não gosta nem de si nem de outros negros; 6) os negros não casam com negros quando assumem algum destaque, casam com brancos ou brancas para “limpar a raça” e produzirem descendentes mais claros; 7) a submissão escravista ainda não cedeu entre os descendentes de escravos; 8) os brancos atraem para si os negros que alcançam algum sucesso e os “branqueiam”; 9) os negros aceitam o menoscabo dos brancos e menoscabam-se entre si; 10) os negros imaginam ser menos inteligentes que os brancos; 11) o verso “vida de negro é difícil, é difícil como quê!” está entranhado na alma dos negros, e lhes destrói a autoestima.
Notícias chegadas da Bahia dão conta de que esse quadro dantesco está tendendo a mudar. Demora, mas um dia os negros baianos perceberão que não dependem de branco nenhum para tomarem o poder na cidade mais negra do Brasil.
O detentor do poder é o negro, mas não têm, ainda, consciência disto. Por enquanto estão delegando aos brancos o exercício do poder e reclamando por uma causa que já é sua.
Não precisam lutar, pedir, implorar, se vitimar.
Somente precisam se candidatar e votar e eleger e comandar os seus próprios destinos.
Portanto, NEGROS, SIM!
Quando quiserem.