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Oraculo

O beijo da princesa


O beijo da princesa
 

JOBIS PODOSAN
 

            A Inglaterra é povoada castelos, lendas, princesas, duendes, contos de fadas e outros seres do mundo etéreo. A ideia de princesas que beijam sapos convertendo-os em príncipes nos remete a uma princesa brasileira dos tempos atuais, a corrupção, cujo beijo transforma políticos em sapos, com as escusas do batráquio.

O sapo político é vertebrado, vive na terra e ainda não vive na água. Dada a má fama dos políticos, é difícil à política atrair gente decente e os que entram são submetidos a uma pressão tal do sistema viciado que terminam por sucumbir aos encantos da princesa. A própria família entra na dança, com mulher ou marido e filhos participando da refrega de aquisição e dos benefícios do dinheiro fácil. A família é parte da quadrilha e o político só se lembra dos próprios pais e dos filhos quando o braço da lei os alcança. É nesse momento que eles invocam sentimentos familiares tradicionais para sensibilizar a opinião publica. É difícil resistir ao beijo da princesa, porque o político saí de seio do povo já deformado e com intenções perversas. A princesa seduz o político, soprando-lhe no ouvido que é na política que se pode cometer crimes grandes, ficar impune, adquirir capacidade financeira para defender-se acaso seja apanhado, distribuir recursos públicos aos necessitados para angariar apoios, de reagir contra as autoridades responsáveis por apurar e punir as ilegalidades e enganar o povo fingindo ser perseguido, contratar advogados que se tornam sócios do crime e do criminoso.

O povo acredita que a política é uma atividade que comporta certo grau de oportunismo. Cada um pensa que, se chegar lá, nada lhe impede de usar a lei do terço sendo mais que justo que de cada três reais que entre nos cofres públicos, um seja destinado ao povo na forma de obras e serviços públicos, um seja destinado ao Prefeito, Governador ou Presidente e um seja destinado aos aliados que sustentam o chefe no poder. Tanto é assim que o povo sabe, em cada Estado da Federação, quem são os políticos desonestos, mas vota nele assim mesmo, porque sabe que de sua mesa caem migalhas.

Foi sintetizado numa fórmula atribuída a certo governador paulista dos anos 50/60 que, segundo se espalhou Brasil afora: rouba, mas faz. De muitos políticos de hoje se diz isto, mais de forma elogiosa que ofensiva. É o contentamento com o menos ruim como substituto do pior, que é o nem rouba e nem faz. É como se o conceito de honra comportasse certa dose de desonra. O político ideal é o que não rouba e faz, sendo certo que nós brasileiros abrimos mão de acreditar na existência deste tipo de gente, até porque hoje —  e isto é uma crença generalizada - não há pessoas insuspeitas, todos somos ladrões em potencial. Quem não está roubando é quem está longe dos cofres.

 Segundo o Estadão, “o ex-governador do Rio Sérgio Cabral Filho (PMDB) citou a frase atribuída ao ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros (1901-1969) ao dizer que não era igual ao político paulista, “que rouba, mas faz”. O peemedebista citou Adhemar ao se defender das acusações de fraude em licitações em depoimento ao juiz federal Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal”

Segundo parece, esse ex-governador navegou direto da honra extremada para a desonra deslavada, levando com ele dezenas de auxiliares, que se encontram também presos. É difícil precisar o momento em que a mentalidade muda e a princesa da corrupção tem a sua vez e beija o sapo, um beijo sem volta, porque o corrupto é irrecuperável, como dizia um velho Batedor de Carteiras, de alcunha coca Cola, que andava pelas ruas da Bahia nos anos sessenta. Ensinava que só tem duas coisas no mundo eram impossíveis: 1) Deus pecar  e 2) ladrão deixar de roubar. A história do império romano, mesmo com Júlio César, parece justificar as condutas de conquista do povo. César e os demais imperadores romanos cunhavam moedas para jogá-las ao povo para lhes conquistar a simpatia. Até hoje o processo é o mesmo, todos prometem dar dinheiro aos pobres, que é a maioria votante, só não o fazem publicamente e em moeda sonante, preferem os meio indiretos, mas o ato é o mesmo. Apenas compram o voto para pagamento posterior, mas a compra é a mesma.

Em relação ao ex-governador do Rio de Janeiro, disse parece porque não há decisão transitada em julgado que atribua certeza jurídica à condenação, apesar do conjunto imenso de provas já carreadas aos diversos processos.

Uma lida nos contos Teoria do Medalhão, onde se lê a ironia como condição de sucesso, e O Espelho, de Machado de Assis, pode revelar o momento em que as ideias cínicas penetram na mente das pessoas apoucando-lhes o talento e as fazendo cegas às responsabilidades. Só o brilho do ouro fica visível. A própria família perde a importância, a mulher ou o marido entra na roda da ambição, as despesas disparam, as fontes lícitas de ganhos se tornam insuficientes, o supérfluo se torna necessário, os falsos amigos se multiplicam e os verdadeiros desaparecem, o abismo que antes estava na linha do horizonte se aproxima, a linha reta passa a ser um inconveniente, é preciso caminhar sinuosas, os credores se multiplicam, a sanha dos amigos aumenta para ganharem mais, a cozinha cresce, os pratos se diversificam segundo os paladares dos convivas, a adega se torna um orgulho, os tapinhas nas costas, os “você é o cara” se tornam rotinas. Tudo isto e muito mais vai tornando o couro do sapo duro para ouvir conselhos e a princesa o cerca por todos os lados.

A polícia começa a virar rotina na vida dos sapos e a cara cínica do batráquio bípede se especializa em expressões como “só falo em juízo”, “todas as minhas contas foram aprovadas pela Justiça Eleitoral”, “estou sendo perseguido pela Polícia, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Os antigos parceiros de quadrilha fazem delações, devolvem somas enormes em dinheiro e se tornam inimigos do chefe que antes tinha neles plena confiança.

Enfim, os sapos são todos inocentes, só falta uma penitenciária chamada Lagoa para abrigá-los a todos.

 

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