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Oraculo

O abraço do afogado


O abraço do afogado
 

JOBIS PODOSAN

 

Não é possível estabelecer regras morais pela lei civil. É ao contrário: a moral determina o conteúdo das leis e elas duas se encontram em algum momento futuro formando um povo decente, no qual o individual cede ao coletivo, a presença do outro se torna um imperativo de comportamento. O que parece ser um absurdo no Brasil é uma constante em países como a Suécia, a Dinamarca, a Finlândia, Nova Zelândia, Holanda, Noruega, Suíça, Cingapura, Canadá, Alemanha, Luxemburgo, Reino Unido. Ora, se é possível em outros países, é possível também aqui.

A natureza, o clima, o relevo, a história, são fatores importantes para qualificar um povo, porém, o fator distintivo é o povo em si mesmo.

É o povo que escolhe ser honesto ou não. Todos os povos, em algum momento, terão de fazer essa escolha, pois não é possível que todos se transformem em lobos de todos.

Veja-se o caso do Brasil. Recebemos tudo de bom e quase nada de ruim. Mas e nós, quem somos? O que queremos, para onde vamos?

A nossa cegueira não nos permite ver que a acumulação de riquezas pessoais não nos acrescenta nada em virtude. A riqueza é um bem, faz bem a quem a conquista, mas a sua maior virtude é a percepção de que ninguém a conquista sozinho. Toda riqueza é obra coletiva. Nenhum homem, por mais que viva, consegue erguer sozinho uma fortuna extraordinária. Aliás, ninguém necessita de riqueza extraordinária para gozar uma boa vida.

Um exemplo triste, mas corriqueiro no nosso país:

Certo prefeito bateu na minha porta e me contou, candidamente, uma estória que me deixou pasmo. Perdeu a eleição para a corrente política contrária. Para dificultar a vida do prefeito eleito, apropriou-se de todo o dinheiro disponível na prefeitura, sem distinção da origem ou destino, e quebrou tudo na Prefeitura.

— o senhor agora me deixou preocupado.

— o senhor está preocupado comigo?

— Não. O senhor já está ferrado, o braço da justiça já está no seu pescoço. Estou preocupado é comigo. Como foi que o senhor chegou a mim? Que informações lhe deram a meu respeito que lhe deram a coragem de vir a mim e me contar uma estória dessas?

—  Disseram-me que o senhor era um bom advogado!

—  Santo Deus, piorou! Então bom advogado para o senhor é isto?

—  Então o senhor vai me entregar por causa da história que lhe contei?

— Não, estou impedido de fazê-lo. Mas isto não será necessário, porque o senhor deixou pegadas documentais e materiais que o pegarão rapidamente, eu não vou entregá-lo, porque e mesma lei que o senhor violou me proíbe de fazê-lo. Porém, acredite, vou acompanhar o seu caso pela imprensa e torcer que durante o processo, o senhor se arrependa do que fez ao seu povo. Ajude o advogado que aceitar defendê-lo a minorar sua pena com base no seu arrependimento sincero. O senhor, na verdade, deu um prêmio ao seu sucessor.

— Como assim?

— Ele vai entrar na prefeitura arrasada e vai lhe denunciar. Se for honesto, o senhor vai responder apenas pelo que fez. Mas se for igual o senhor vai responder pelo que fez e pelo que não fez. O senhor deu carta branca a ele para destruí-lo

— Doutor, me enganaram o senhor é um péssimo advogado!

— Vindo de você, isto é um elogio, muito obrigado!

            Esse exemplo singelo serve para nos demonstrar que, quando o nível moral da sociedade é baixo, tendemos a violar as leis civis e a tentar fugir da responsabilidade dos atos que praticamos livremente. A vergonha desertou de seu íntimo, já não ama, nem a si, nem a aos outros e muito menos a Deus, até a morte não lhe faz mossa. Não tem mais escrúpulos, até zomba de quem os tem. Vagueia como cadáveres insepultos carregando o produto do seu crime como troféus Na linguagem bíblica, verdadeiros sepulcros caiados.

Em algum momento, a partir dos anos 1970, iniciou-se no Brasil a derrocada da autoridade: os pais, o professor, o padre, o delegado, o padrinho, as pessoas de respeito, as pessoas mais velhas, que eram sustentáculos da moral, passaram a ser enxovalhados e no seu lugar colocamos instituições como os juízes, o Ministério Público e a Polícia e todo aparato criminal para ensinar os jovens através das ações penais e da cadeia. Substituiu-se a regra do amor e do respeito pelas regras da punição estatal. Não é à toa que os jornais televisivos ocupam mais de 80% do seu tempo transmitindo notícias de crime que vemos na hora da das refeições, arregalamos os olhos pelas cenas terríveis e voltamos a rir  e a comer sossegados. Os que controlam os crimes se confundem, no imaginário popular, com os que nos governam e com os que controlam os meios de informações. É muita gente vivendo do crime. Há os que os cometem e os que ganham fortunas para acobertar os primeiros. Para isto, unem as duas pontas: o criminoso e a polícia como farinhas do mesmo saco.

Não há freios para praticar os atos. A desonra pessoal faz o criminoso negar o seu crime até para si mesmo. A pessoa de bem não foge das consequências dos seus atos, antes as suporta com estoicismo, até certo orgulho. Entrega-se às autoridades e não as tenta desautorizar ou desmoralizar, transformando-se de réus em julgadores dos seus juízes.

Não agem como o filosofo grego Sócrates que, após incitar os jovens de Atenas e ser condenado à morte por envenenamento, optou por beber a cicuta que matou seu corpo, mas lhe fez resplandecer o espírito para a eternidade.

O que vemos hoje são pessoas que não tem pejo de cometer crimes, mas se indignam quando o braço da lei os alcança.

Nem sentem que os pés não mais alcançam o fundo do rio.

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