- 19 de novembro de 2024
Hierarquia de bandidos
JOBIS PODOSAN
Circula nas redes sociais a preocupação de alguns juristas e jornalistas sobre a inadequação de se acabar com o foro por prerrogativa de função, porque isto causaria o absurdo de um juiz de primeiro grau vir a julgar um desembargador, um ministro de estado, um ministro das cortes superiores. Este pensamento, embora quem assim pense não o admita ou até ache absurdo, em face de termos sido um país monárquico, no qual os nobres detêm privilégios que nenhuma outra pessoa tem, é uma tentativa de desigualação que não de justifica. Todo aquele que comete crime, seja qual for a sua posição na sociedade, deve responder perante a justiça que a todos submete. Não é o juiz que sobe para julgar alguém do alto, mas alguém do alto que desce para igualar-se aos demais delinquentes.
É claro que juízes de primeiro grau não vão julgar ministros ou desembargadores: vão julgar alguém a quem é imputada a prática de um delito. Quando um desembargador ou ministro comete um crime é um bandido como outro qualquer. Aliás, o fato de serem o que são deve constituir circunstância qualificadora, com aumento significativo de pena. Quem tem de cuidar da reputação deles são eles e não o sistema judiciário. Bandido é bandido, não havendo hierarquia entre eles. Quem quiser saber se juízes vão julgar desembargadores ou outras autoridades basta fazer um levantamento para saber que não há desembargadores ou ministros decentes respondendo a processos criminais. Os que estão sendo processados, na verdade, não deveriam ser desembargadores ou ministros. São “bandidos de toga”, como os denominou certa magistrada de escol.
Aqui cabe um esclarecimento sobre a distinção entre reputação ilibada e presunção de inocência, ambos institutos previstos na Constituição. Reputação ilibada é a que tem o cidadão filho do sol e da claridade, nada existindo contra ele, sequer uma mera ação de alimentos de um filho que precisou recorrer ao Judiciário para ser mantido pelo pai. É quem anda anda na rua sendo saudado pelos circunstantes com respeito e consideração. É pessoa citada como exemplo para as demais. Pobre ou rico, preto ou branco, militar ou civil, autoridade ou cidadão comum, seja quem for, merece a deferência e a recebe, basta cada um olhar no seu entorno e os verá.
Já a presunção de inocência é o instituto que visa a não antecipar as penas daqueles que cometeram alguma conduta ilícita. A reputação ilibada demonstra a inocência. A presunção de inocência indica que a pessoa que a alega pode ser culpada. Autoridades superiores não podem alegar presunção de inocência como se isto fosse titulo para investidura ou manutenção no cargo. Quando uma autoridade é submetida a processo, entra em cena a presunção de inocência e ela ser afastada do cargo para ser julgada: pode ser que seja bandido!
Tome-se o caso atual, dezenas de autoridades com foro privilegiado exercendo cargos arrimados na presunção de inocência. Para os ocupantes de cargos em comissão isto chega a ser espantoso! Que parlamentares e demais ocupantes de cargos eletivos aleguem presunção de inocência ainda se entende, pois o povo o elegeu com o caráter que disputou a eleição, mas cargos vitalícios, efetivos ou cargos em comissão não existem justificativas. Os dois primeiros desafiam o afastamento e o último, simples exoneração.
A presunção de inocência é suficiente para ser candidato a cargo eletivo, pois o provimento depende do voto popular. Se o povo quer o bandido para representa-lo, que seja o bandido. Se o povo aceita que a raposa tome conta das suas galinhas, que assim seja.
Tome-se como exemplo o caso de ministros do Supremo Tribunal Federal.
Não se trata de um mero ato de nomeação. É uma das mais salientes competências que a Constituição confere ao Presidente da República. Tanto é assim que submete e escolha ao controle do Senado, cabendo a este verificar se, de fato, o indicado preenche os requisitos da exigidos pela Constituição. Se o nome indicado preencher os requisitos, os Senadores devem chancelá-lo. Se não preencher, têm de recusar.
O requisito do notável saber jurídico não se esgota em títulos ou livros, mas nisso e no pensamento democrático (CF/88, art. 1º), na sintonia entre o pensar e o agir, na sensibilidade da percepção social, na consciência de que o titular do poder é o povo (CF, art. 1º, parágrafo único), sendo os servidores públicos eletivos seus representantes. O conhecimento jurídico profundo dissociado dos valores sociais é uma arma perigosa à disposição das mentes tirânicas. A história tem demonstrado que sempre houve algum jurista de grande conhecimento técnico — e nenhuma preocupação ética — pronto para realizar os atos de opressão que infelicitaram o nosso País.
O requisito da reputação ilibada, para esse fim, não consiste na mera verificação de ausência de condenação penal. Para defini-lo, não basta a apresentação de uma certidão negativa de antecedentes. Ministros da Corte Suprema são filhos do sol e da claridade. O que nos outros cidadãos deve ser olhado com a condescendência da presunção de inocência, em Ministros do Supremo deve ser olhado com o máximo rigor. A presunção de inocência, por si só, é insuficiente para que se considere a reputação de alguém ilibada para ter acesso ao mais alto Tribunal do país. Está-se escolhendo alguém para decidir sobre as questões fundamentais para o povo. A sua permanência naquela Casa ultrapassará o mandato e a própria a vida da autoridade que o indicou. Se a escolha for bem feita, haverá rejúbilo de todos. Caso contrário, as consequências são funestas. Ministros do Supremo se botam, mas não se tiram. Presunção de inocência é para alguém que delinquiu. Reputação ilibada é para a vida exemplar. Não basta não ter cometido crimes ou não ter sido condenado para ter reputação ilibada. Um juiz de tribunal que mata, rouba ou aceita corrupção pode ser alçado ao STF alegando presunção de inocência? Desenganadamente, não!
O Presidente da República quando escolhe Ministros para o Supremo, tem a sua disposição o corpo de juristas do País para fazer livremente a escolha que a Constituição lhe determina. O escolhido não tem comportamento ativo na indicação. Não existe, nem pode existir pretensão, sonho, ou objetivo de alguém de se ser Ministro o STF. O melhor ministro é o que é surpreendido com a indicação. O que corre atrás, se insinuando, pedindo, mendigando o cargo, será um mau ministro, porque entra devedor e vai trair ou o compromisso, por julgar segundo a cartilha do protetor (e aí não será juiz), ou trairá a este. A Suprema Corte não é causa do sucesso é consequência dele. Escolhe-se o Ministro pelo seu passado e não pelo seu futuro. O futuro Ministro deve ser um homem já realizado, distante das ambições do quotidiano. Vai, na Corte, brilhar o brilho que para ela já leva. Não vai lá conquistar um lugar para brilhar. Vai fazer brilhar o lugar conquistado. Não vai servir a pessoas, mas a ideias e ideais. Vai honrar o seu lugar na História, vai virar, ele mesmo, História. A honra de quem o nomeou, é tê-lo nomeado, sem pretensão de reciprocidade malfazeja.
Uma pessoa que está na Suprema Corte e comete um crime, resvala e se iguala a qualquer cidadão, que afinal é o que é. Sua responsabilidade é muito maior que a dos demais cidadãos e o seu julgamento pelo juiz comum deve servir motivo de educação do povo.
Deve cair do andor, ser afastado do cargo, e se submeter ao julgamento dos juízes que julgam os demais.
A hierarquia não concede privilégios atribui maiores responsabilidades.