- 19 de novembro de 2024
O poder dos mitos
JOBIS PODOSAN
Ninguém desconhece o poder dos mitos, até porque vivemos cercados deles. Nossa vida é uma sucessão de mitos. Podemos até dizer que somos uma porção humana cercada de mitos por todos os lados. Os mitos fazem a verdade real ficar oculta detrás das verdades imaginadas. Sonhamos com um mundo ideal, imaginado por nós mesmos ou inculcado na nossa mente por uma mente mais poderosa e mais criativa que a nossa.
Antônio Conselheiro convenceu o povo de Canudos, no sertão da Bahia, que a República derrubou o Império para criar o casamento civil, separar a Igreja do Estado, cobrar impostos sobre a terra, espalhar a pobreza entre os pobres e a riqueza entre os ricos. Utilizou o Evangelho de Jesus Cristo como arma e pregava “verdades” por ele extraídas da Bíblia, que seus seguidores não tinham ideia do conteúdo. Para satisfazer os desejos daquela gente faminta de comida e água pretendia restaurar a velha ordem e prometia “rios de leite e ribanceiras de cuscuz”, dizia que o “sertão ia virar mar e o mar virar sertão”. Nos livros “Os Sertões”, de Euclides da Cunha e “A Guerra do Fim do Mundo”, do peruano Mário Vargas Llosa, poderemos vislumbrar a figura alta, magra e austera de Antônio Vicente Mendes Maciel, chamado o Conselheiro, controlando a mente do povo simples do sertão, cujas necessidades eram e continuam poucas, resumidas em basicamente três: Deus, água e comida, sendo Deus o meio para alcançar as outras duas.
Após três expedições malogradas, Antônio Conselheiro e seus esfarrapados seguidores, foram finalmente vencidos na quarta expedição, chefiada pelo General Artur Oscar, depois de ter derrotado a primeira, comandada pelo Tenente Pires Ferreira, a segunda comandada pelo major Febrônio de Brito e terceira comandada pelo ferocíssimo Coronel Moreira César.
O principio para o controle eram os mesmos de hoje: o conselheiro montou uma equipe de gente com alguma inteligência e muita ambição, no céu ou na terra, e articulou os princípios que repetiria incansavelmente para as pessoas mais simples, sempre girando em torno das poucas necessidades do povo sertanejo. No sertão, um gole de água e um prato de comida valem como um palácio Taj Mahal e o sertanejo, que foi chamado por Euclides da Cunha de “antes de tudo um forte” é um povo com um sentido de honra tão forte que, quando se sente agradecido, nunca esquece quem lhe fez um benefício. É, portanto, uma parcela da população fácil de ser controlada e mantida fiel. Não é por acaso que a “coronelismo” surgiu, reinou e reina no Norte e Nordeste do Brasil. A palavra fácil e a falta de vergonha em enganar o próximo continua produzindo líderes de barro nessas regiões, que continuam pobres, pois esses líderes os querem manter na santa ignorância que rende a eles o que é mais precioso: o voto. Trocam migalhas por ouro e riem dessas mansas criaturas.
Para o sertanejo o bem é objetivo, não importa a intenção de quem dá. Importa o benefício que recebeu. Não se importa de ser usado ou manipulado, importa a necessidade satisfeita. O carro pipa na porta, a ambulância na hora do parto, a redução do preço da saca do milho para alimentar a criação, o ponto de luz na casa, o afago da presença de vez em quando para que o pobre veja o benfeitor, tudo isto alimenta o mito. O sertanejo não tem esquerda e nem direita, recebe das duas mãos e a última é sempre a melhor. Até que outro mito sobrevenha, a crença do sertanejo permanece fiel. Ele não recebe as informações em tempo real e se as recebe não as decodifica, não identifica o mal por detrás da ação. Seu código de recepção de mensagens é em pequenas (para ele grandes) coisas materiais e em palavras que traduzam o céu, residência da misericórdia, onde os pobres verão a Deus, valendo o sacrifício na terra como ingresso gratuito no paraíso celestial, melhor ainda se tudo isto vier sem necessidade de se esfalfar no trabalho.
Antônio Conselheiro, onde andarás?