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Oráculo

A degradação do Direito


A degradação do Direito
 

JOBIS PODOSAN
 

A expressão acima foi usada por Orlando Gomes na sua última palestra, proferida por ocasião da comemoração dos 380 anos do Tribunal de Justiça da Bahia e que consta da publicação na revista comemorativa do evento, no final dos anos oitenta do século passado. Hoje estamos vivendo mais um momento desse triste vilipêndio da lei e principalmente do Direito. Pessoas ricas e poderosas estão sendo presas e o louco está se revolvendo dentro da camisa de força do Direito. Ensina Miguel Reale que a política não cabe dentro do direito. A política seria o louco e o direito a camisa de força que tenta sujeitá-lo. A política, por ser mais larga e menos escrupulosa, sempre consegue encontrar uma brecha por onde escapar da camisa de força. Estamos assistindo mais um embate desse tipo, com o louco se contorcendo e conseguindo aqui e ali algumas vitórias. 
Basta olhar as fisionomias dos juízes da Suprema Corte e se verá quem está constrangido por defender teses totalmente contrárias ao melhor direito. Chega a dar pena ver pessoas tirando palavras do intestino grosso para justificar posições jurídicas infelizes. Julgamentos devem sair da razão, da cabeça, com pitadas do coração, a fim de buscar os fins sociais a que a lei se destina. Alguns até estão defendendo posições contrárias a si mesmos, em manifestações anteriores. As fisionomias confrangidas, pelos vestígios de vergonha que subsistem em todos os humanos, mesmo quando abdicam de si mesmos em favor de alguém, que colocam acima das leis e do direito. Tem três Ministros na Segundo Turma do STF que não miram mais nas câmeras, com medo de que seus olhos revelem o que lhes vai na alma. O conflito da toga com os interesses concretos de alguém os está matando fisicamente, porque espiritualmente estão fazendo débitos a pagar em encarnação futura.
A tese de que as penas só podem ser executadas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória é tão exótica quanto uma lei que diga: nenhum branco, rico ou poderoso pode ser preso. Mas é isto mesmo que essa interpretação quer dizer. Ao invés de ajustar o fato (premissa menor) à lei (premissa maior), estamos ajustando a lei ao fato, algo que arrepia até ao aprendiz de direito. Mas o preço que tais juízes estão pagando e pagarão é tão alto que, passada tempestade da prisão dos ricos, tudo voltará ao seu leito comum. O ministro inculto, o culto e o notável (como ele pensa que é) comporão o pódio do servilismo e nos ensinarão como é estar e não ser.
Eles conhecem o direito e o estão degradando de propósito, para servirem a pessoas e não a causas. Basta olhar o mundo. Basta olhar o país e ver que milhares de presos estão atrás das grades por prisões provisórias infinitas. O Poder Judiciário vai ser abarrotado de habeas corpus e pobres miseráveis vão continuar na prisão, sem trânsito em julgado, com a sociedade clamando contra a impunidade e juízes cometendo abusos, porque criminosos ricos não podem ser presos, não podem usar algemas, porque não cometem crimes violentos, embora matem às centenas pelas pilhagens fabulosas que fazem nos cofres públicos. Matar uma pessoa é crime violento, mas matar dezenas de não é, desde que você seja um assassino rico, bem nascido ou poderoso.
As normas jurídicas positivas são feitas de cima para baixo. Quem as faz ou as pode modificar, pode se subtrair aos seus efeitos. Quando inadvertidamente a norma é feita e atinge gente poderosa, quem as fez nega. O que fez, como é o caso da lei da ficha limpa, desconsiderada por quem a sancionou e por quem a aprovou no legislativo por unanimidade. Começa uma luta sangrenta para não aplicar a lei ao poderoso. A sociedade se divide. Talvez a cadeia seja a punição errada para o rico e poderoso. Talvez seja necessário estabelecer outras penas para essa gente. Os gregos antigos tinham o ostracismo, hoje podemos ter a perda de todos os bens, presentes e futuros, até o erário estar plenamente ressarcido. Talvez a pena civil possa alcançar parentes sucessíveis lhes investigando a origem do patrimônio e quem não justificar, os perde. Também se poderá colocar o não ressarcimento do erário como inelegibilidade permanente, talvez se possa tanta coisa...
Mas a grande questão mesmo somos nós, os eleitores, que preferimos, eleição após eleição, eleger as raposas que vão tomar contas das nossas galinhas, pois a falta de escrúpulos é sempre mais simpática, aos olhos dos necessitados – os que elegem - do que a presença da honra, que promete um mundo melhor a longo prazo e necessidade só reconhece o agora.
Ou então os juízes tomarem vergonha e fazer com que o crime deixe de compensar. 
O direito é obra de divina e humana e é nesta que Rudolf von Ihering vislumbrou a Luta pelo Direito, que é permanente, cai e levanta a cada tempo, a depender dos valores que a sociedade abraça em cada geração. 

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