- 19 de novembro de 2024
O olho que tudo vê
JOBIS PODOSAN
Quem resolve fazer uma coisa errada espera que sua ação não seja descoberta. Sabe, porém, que tal possiblidade existe. Hoje, com os meios tecnológicos disponíveis, é mais que possível, é provável.
No momento ação, a pessoa esquece sua honra, seus pais, seus filhos, amigos, esposa e a todos com quem mantém alguma ligação afetiva. Quando descobertos, afloram as lembranças dessas pessoas e as suas próprias qualidades esquecidas no momento da ação criminosa. A honra passa a ser virtude capital. A confiança na justiça aumenta, a fé em Deus passa a ser visível em suas faces esquecidas do segundo mandamentos da Lei de Moisés — Não tomar seu santo nome em vão — , a crença de não haver provas contra si é o esconderijo mais buscado.
Há, porém, uma testemunha que tudo vê, viu e sabe: o próprio criminoso.
Conta a fábula que em certo mosteiro um velho frade concluía o curso de formação de novos sacerdotes, quando dá Aos noviços, como prova final, uma última missão.
Deveriam ir todos a uma cidade distante e roubar o máximo de coisas que pudessem, de maneira que só seriam aprovados os trouxessem uma grande quantidade de coisas roubadas. Mas havia outra condição: ninguém deveria ver os roubos sendo praticados. Os noviços estranharam. Todavia, por respeito ao mestre, resolveram se empenhar ao máximo na tarefa.
Saíram todos menos um, que ficou sentado em seu banco enquanto os outros saíam.
— Você não vai? Perguntou o mestre.
— Não, respondeu o discípulo.
— Por quê?
— Porque o senhor estabeleceu uma condição impossível de cumprir.
— Explique a condição impossível.
— Senhor, é impossível fazermos alguma coisa que sem ninguém nos veja, uma vez que não podemos esconder de nós mesmos o que fazemos. Então, se eu vejo o que estou fazendo, alguém está vendo. A condição que o senhor impôs é, pois, impossível de cumprir. Portanto, seria inútil sair para fazer os roubos.
— Então você quer dizer que seus colegas serão todos reprovados?
— Não. Serão aprovados os que voltarem de mãos vazias, por perceberem que não poderiam esconder deles mesmos o roubo que estavam praticando. Os que trouxerem coisas roubadas, não podem ser sacerdotes.
Ao final, todos trouxeram coisas roubadas e a turma teve um só sacerdote. Os demais foram obrigados a retornar à cidade para devolver as coisas que roubaram.
Estamos assistindo, no Brasil, pessoas cometendo crimes em profusão imaginando que ninguém está vendo, esquecidos que os olhos que importam são os seus próprios olhos, que estão vendo tudo.
Estamos todos esperando que apareça o homem que o filósofo grego Diógenes — ele acreditava que a virtude era melhor revelada na ação e não na teoria. Sua vida consistiu numa campanha incansável para desbancar as instituições e valores sociais que via como uma sociedade corrupta! — estava procurando: alguém que, tendo cometido um erro, seja capaz de assumir as responsabilidades do que fez e devolver ao povo tudo que furtou do povo, e pronto para cumprir o castigo que a lei determina. Antes que alguém bata em sua porta ás seis da manhã e não seja o leiteiro.
Aí, sua família já afundou e todos pagarão pelo seu erro.
Os filhos de fortunas corruptas estão vagando por aí, deserdados, sem poderem mais circular ou ter amigos, vagando como cargas de açúcar que não encontram sequer o asno que as carregue.
São os filhos de pais que os odeiam.