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Oraculo

A cicuta e a cruz


A cicuta e a cruz
 

JOBIS PODOSAN

 

Luís Inácio Lula da Silva tornou-se herói popular por razões muito menores do que ele acredita. O povo, nos países pobres, veem os governantes pela ótica dos instintos. É bom, aquele que lhe permite o acesso a alguma coisa, migalhas que sejam, porque a dimensão das necessidades básicas não conhece o amanhã. Não dá para esperar plantar os laranjais, é preciso entregar as laranjas. Lula pegou o país com os laranjais plantados e ao invés de plantar mais, passou a distribuir as laranjas sem cuidar da plantação para o abastecimento futuro. Porém, sorte não lhe faltou. Tivesse sucedido José Sarney nas eleições de 1989 e hoje repousaria no esquecimento, porque nada teria que distribuir para enganar os apetites do mais necessitados, mas que elegem.

Chegou revestido do mito que fazer alguma sem ter se preparado, o mínimo que fosse para a tarefa. Tornou-se vítima de sua própria imprudência e dos aproveitadores que dele se acercaram para tirar proveito da sua enorme vaidade, só menor que o seu despreparo.

A coisa ficou tão boa que certos artistas passaram a ganhar a vida sem trabalhar, só cantando o Lula lá e, agora, cessada a causa da inércia, voltam aos palcos em busca dos caraminguás, que pararam de cair da colmeia, para o bom e velho uísque.

O objeto do artigo de hoje, porém, é a manifestada intenção de Lula de concorrer à Presidência da República, apesar da vedação da lei para sua candidatura, opondo ao impedimento legal o fato dele ser quem é e de a lei a ele não poder se aplicar.

É desta falta de percepção que vamos falar.

Lula é Ex-Presidente da República, portanto, já exerceu o mais alto cargo do país, tornando aquele que o exerce em exemplo para as gerações futuras. O juramento que fez ao investir-se no cargo, - cumprir e defender a Constituição e as leis do país – o obriga juridicamente durante o exercício do cargo (liturgia do cargo) e moralmente, após dele sair (liturgia da responsabilidade), a ser o primeiro a cumprir as leis do país, a não ser agitador das massas, a ser um pacificador dos ânimos exaltados, a acalmar as Gleisis que gritam matar, matar!!.

Um cidadão que, por vontade da maioria dos seus concidadãos se torna presidente, quando assume o mais alto cargo da estrutura do país, passa a ter poderes e obrigações, jurídicas e políticas, que nenhum outro cidadão tem. E igual forma quando deixa o cargo, tem responsabilidades que o desigualam dos demais cidadãos, até porque tem mais direitos, que perduram para até a sua morte. Um Ex-Presidente se torna reserva moral do País e não pode agir como outro cidadão qualquer. A não ser que tenha passado pelo cargo e não tenha visto a sua dimensão, a não ser que não tendo dimensão para ocupar o cargo que ocupou, continue a não tê-la depois, a não ser que não tenha percebido que o tempo da rabada com polenta e Velho Barreiro já passou, a não ser que seja apenas mero grão de areia quando se supunha – ou supõe - ser pico do Himalaia.

O filósofo grego Sócrates, que não exercia qualquer autoridade pública, aceitou a pena de morte bebendo cicuta (veneno) por haver expressado suas ideias contra a os deuses da época e tentado corromper os jovens atenienses. Foi concitado a rebelar-se contra a condenação, mas não o fez, optou por aceitar a pena que os tribunais lhe impuseram.

Qualquer pessoa pode não aceitar a decisão condenatória contra si mesmo e jurar que a decisão é errada do seu ponto de vista, mas não pode furtar-se de cumprir a decisão pregando a rebelião contra os juízes que legalmente o julgaram, até porque a justiça dispõe de meios coercitivos para fazer valer a sua autoridade.

Quem já foi Presidente da República também pode achar que as decisões contra si são erradas e injustas, porém lhe é proibido julgar os juízes que o julgaram, atribuindo-se poderes que nenhum cidadão dispõe, principalmente quando os efeitos da condenação que sofreu decorreu de uma lei que ele próprio sancionou.

A chamada lei da Ficha Limpa, alterou a Lei Complementar nº 64, de 1990, colocando no rol dos inelegíveis “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”. Essa consequência legal se aplica a quem cometa certos tipos de crimes, todos indicados na lei. Essa lei, antes de ir à sanção presidencial, foi aprovada por unanimidade pelo Senado Federal, com muitos louvores de integrantes de todas as bancadas dos partidos que compõem aquela casa legislativa. Quer dizer: a lei foi proposta pelo povo e foi aprovada pelo Poder Legislativo como lei que provocaria uma mudança nos paradigmas políticos da nação e foi sancionada pelo Presidente da República. Qual Presidente? Ele mesmo, Luís Inácio Lula da Silva. Ele poderia vetar este artigo, mas não vetou. Optou por sancionar o projeto no momento da sanção e não pode pretender vetá-lo agora que a lei vai ser aplicada contra ele. O Presidente pode vetar um projeto, mas uma vez que o sancione submete-se à lei resultante da sanção. Ela, a lei,  torna-se maior que ele, Presidente.

Lula e o PT querem negar aplicação à lei que o Partido aprovou e o presidente sancionou pela razão singular de que a lei não se aplica ao Ex-Presidente ou os tribunais são corrompidos pela política. Os juízes bons e valorosos são somente aqueles que decidem a favor de Lula. Os que decidem contra são comprometidos com as mil causas que eles inventam.

A lei diz que são inelegíveis os que forem condenados por decisão proferida por órgão judicial colegiado. Ela não diz: 1) condenados por decisão proferida por órgão judicial colegiado, em decisão justa; 2) condenados por decisão proferida por órgão judicial colegiado, se o réu aceitar a decisão; 3) condenados por decisão proferida por órgão judicial colegiado, se aceita pelo PT e seus aliados; 4) condenados por decisão proferida por órgão judicial colegiado, desde que não se trate do Lula; 5) condenados por decisão proferida por órgão judicial colegiado, desde que alguém do PSDB também o seja; 6) condenados por decisão proferida por órgão judicial colegiado, salvo se o povo for para  rua protestar; 7) condenados por decisão proferida por órgão judicial colegiado, desde que a imprensa internacional aceite a decisão como válida; 8) condenados por decisão proferida por órgão judicial colegiado, desde que Luiz Fernando Veríssimo ou Chico Buarque avalizem a decisão.

Não.

A lei simplesmente exige, para a configuração da inelegibilidade que haja condenação por órgão colegiado. Poderíamos acrescentar: desde que esse órgão julgador esteja previsto na Constituição e atue nos limites da sua competência. Na República não há exclusões de fatos ou pessoas da apreciação do Poder Judiciário. Todos podem ser julgados e, uma vez julgados, todos podem ser condenados. Ninguém chega tão alto que escape do alcance da lei. Para eliminar ou mitigar os efeitos da condenação a lei permite os recursos, mas afasta da possibilidade de alguém ser investido em cargo público sendo não apenas suspeito, mas condenado em órgão judicial colegiado. Alguém com a FICHA SUJA.

Ao pretender ser singularizado Lula comete a mesma insanidade dos gabados sem fundamento. Gente que o ouvido só escuta elogio gritados em voz alta. Ele é simplesmente o tal. Até poderia ser, se tivesse alguém junto dele que soprasse em suas orelhas divinas que ser grande agora é, tão somente, dizer: eu sou inocente, porém agora, tenho que me afastar do processo eleitoral, até limpar a minha ficha que foi maculada por uma condenação injusta, mas é preciso cumprir a lei e eu, que a sancionei, darei o exemplo de respeito às leis do meu país. Vou derrubar essa condenação nos tribunais superiores, mas agora devo me curvar à majestade da lei. Por enquanto, estou condenado, mas amanhã não estarei.

E se eu não conseguir derrubar essa condenação?

Devo, como Sócrates, beber o cálice amargo da minha cicuta e deixar que a história me julgue.

O filosofo grego, renasceu e, até hoje, não foi superado moralmente por ninguém.

Jesus Cristo carregou a sua cruz ao calvário e a transformou, de um instrumento de castigo e humilhação, no maior símbolo religioso do Cristianismo.

Ao combate, senhor Ex-Presidente! Para vencer ou para beber a sua cicuta e carregar a sua cruz, deixando o seu julgamento para os pósteros.

Mas, numa hipótese ou n’outra,  com dignidade pessoal e histórica.

 

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