- 19 de novembro de 2024
O REGIME MILITAR NO BRASIL
JOBIS PODOSAN
Atos de força não encontram explicação na teoria do estado, senão como atos de força, fora, portanto do Direito. O Direito só se explica dentro do direito. O Direito é ordem e não o caos. Quando os fatos não estão previstos no quadro geral do Direito, diz esse mesmo Direito que, sendo a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Isto quer dizer que se há fatos que pela sua força faz periclitar o direito posto, estamos na iminência de uma nova ordem jurídica para substituir anterior. Há ruptura da legalidade existente e procura-se, pela força, instaurar-se uma nova ordem.
Pode haver sucesso ou fracasso. No primeiro caso, instaura-se uma nova ordem. Se o movimento fracassa, restaura-se a ordem anterior. Podemos citar na história do Brasil, vários momentos que, da violência contra o direito vigente, surgiu uma nova ordem jurídica: 1) a declaração de independência em 1822, que abateu a ordem jurídica portuguesa; 2) a proclamação da república 1889, que extinguiu o Império Brasileiro e instaurou uma nova forma de Estado e de Governo; 3) a revolução de 1930, que acabou a chamada república velha, criando a Era Vargas; 4) o golpe de 1937, no qual Getúlio Vargas substituiu o Estado de Direito pela sua própria ditadura, que ele mesmo chamou de Estado Novo; 5) a deposição de Vargas em 1945, que deu origem à Constituição de 1946; 6) o golpe/revolução de 1964, que mudou novamente a ordem jurídica, criando um modelo legislativo totalmente fora da doutrina constitucional, que chamou de Ato Institucional, que superava a própria constituição e lhe servia de fonte de validade, nascido do punho de uma só pessoa e que pôs fim à separação dos poderes. Em vários momentos da história do Brasil tivemos homens que valiam como se fossem o próprio estado, materializando o L’État c’est moi francês: a) Pedro I, entre 07 de setembro de 1822 e 25 e março de 1824, data da nossa primeira Constituição; b) Deodoro e Floriano, desde a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, até a edição da primeira Constituição republicana, em 24 de fevereiro de 1891; c) Getúlio Vargas desde a revolução de 24 de outubro de 1930, até a promulgação da constituição de 16 de julho de 1934; d) novamente Getúlio Vargas ente 10 de novembro de 1937 e 29 de outubro de 1945, período dentro do qual Getúlio governava com poderes absolutos, apesar de existir uma Constituição, por ele imposta, mas que a modificava ao seu talante; e) os generais-presidentes do golpe/revolução de 31 de março de 1964 até que, em 13 de outubro de 1978, no governo Ernesto Geisel, foi promulgada a emenda constitucional nº 11, cujo artigo 3º revogava todos os atos institucionais e complementares que fossem contrários à Constituição Federal. Diz a emenda: "ressalvados os efeitos dos atos praticados com bases neles, os quais estão excluídos de apreciação judicial", restaurando o habeas corpus. A emenda constitucional entrou em vigor no dia 01 de janeiro de 1979, como parte da abertura política iniciada em 1974. Em todos esses períodos o Direito estava escondido pela máscara do arbítrio, o qual, disfarçado de boas intenções, servia às ratazanas que nascem e crescem à margem da fiscalização da sociedade, que, em tais casos, se contenta com alguns resultados positivos, enquanto fica cega para aos abusos cometidos.
Esses homens encarnavam uma forma de constituição viva, pois não havia limites para as suas atuações. Eles geraram o sentimento dos políticos brasileiros de salvadores da pátria que, ao invés de atuarem sob a lei, preferem atuar, sobre a lei, sendo eles mesmo a razão de tudo.
Nunca o povo brasileiro participou desses acontecimentos históricos no momento em que estavam acontecendo, salvo a atuação de pequenos grupos organizados e com interesses diretos sobre os resultados. Os que estavam se beneficiando do regime vigente, eram a favor, os que se achavam prejudicados pela nova ordem, eram contra.
Pergunta-se especificamente, sobre o regime militar: foi bom ou ruim para o Brasil?
Os militares e seus acólitos dizem que sim, pois livraram o Brasil do comunismo e da corrupção, então reinantes, as duas chagas com as quais justificaram a quebra da ordem jurídica. Iniludivelmente, as duas coisas estavam presentes no Brasil daquele então. Mundo vivia a guerra fria, com Estados Unidos e União soviética disputando cada palmo de chão e de mente dos povos, cada um proclamando as virtudes de suas doutrinas políticas e econômicas. Os que são contra argumentam que foi ruim, principalmente pela violência que resultou do endurecimento do Estado. Com o fim do regime militar, verificou-se que um dos seus pilares, a corrução, voltou com força rediviva. Porém, o regime comunista foi afastado da vida nacional e de resto, do mundo todo, vendo-se sombras em países minúsculos, como Cuba e Coréia do Norte, e na grande China, muito mais de nome do que de práticas, principalmente na área econômica. A própria fonte de inspiração do sistema, a URSS, foi extinta por eles mesmos e a sobrevivente Rússia luta para sair do terceiro mundo. Algumas frases atribuídas a Vladimir Ilyich Ulyanov, conhecido por Lenin, o líder maior da revolução russa de 1817, explicam o fim do regime: 1) Precisamos odiar. O ódio é a base do comunismo. As crianças devem ser ensinadas a odiar seus pais se eles não são comunistas; 2) Somos favoráveis ao terrorismo organizado – isto deve ser admitido francamente; 3) O proletariado tem como única arma, na sua luta pelo poder, a organização.
Como se poderia uma nação erguer-se e manter-se com base em tais pensamentos? O próprio Lenin não sobreviveu, sendo engolido pelos mais radicais de dentro do partido.
Ninguém hoje, com um mínimo de informação, pode desejar que o Brasil, naquele então, tivesse dado uma guinada comunista.
O Fundador do Brasil era jovem no ano do golpe/revolução, e não sofreu efeitos imediatos da sua instauração.
O que se tem certeza é que, se não tivesse havido o golpe/revolução, não teríamos o Fundador, que, falto de cultura do sistema, não teria o que contraponto que o fez crescer. Manso e quase adepto do regime militar, cuja vertente econômica elogiava, e sem a argumentação teórica pra ameaçar o regime, o Fundador sofreu uma prisão de 31 dias durante o regime militar, que mais o fez crescer que o prejudicou. Deu-lhe visibilidade e o elevou a líder nacional e o emergiu a líder sindical, lugar privilegiado que o ascendeu à Presidência da República e à Fundação do novo Brasil.
Segundo o próprio Fundador, em depoimento à Comissão da Verdade, a sua prisão, após 17 dias de paralisações das fábricas “Os militares cometeram a burrice de me prender. Foi uma motivação a mais para a greve continuar”, disse. Mas ele diz ter sido bem tratado durante os 31 dias em que esteve na cadeia. Foi uma prisão VIP, brinca ao relatar que assim que chegou ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) foi guiado para a sala de Romeu Tuma, então diretor do órgão. Foi preso quando o regime militar já dava seus primeiros sinais de esgotamento. “Se anos antes, um simples boletim sobre arrocho de salários gerava prisão, naquela época, a relação era diferente. Já no meu tempo, a gente ia para porta de fábrica e xingava coronel”, afirmou. Eis alguns fatos ocorridos durante a prisão do fundador, narrados por ele mesmo: 1) assistiu a um jogo do Corinthians na prisão - Romeu Tuma chegou a providenciar uma televisão para que Lula e outros presos assistissem a um jogo do Corinthians, seu time. Não tenho de me queixar da relação que tive com o Tuma no tempo em que fui preso; 2) se opôs à greve de fome - Dos 31 dias em que esteve no cárcere, fez greve de fome durante seis. Mas, no depoimento, ele afirmou que foi contrário à prática. Sempre fui contra greve de fome, judiar do meu próprio corpo não é comigo, mas o pessoal decidiu, afirmou. 3) Fez assembleia com investigadores - Segundo o Fundador, o discurso típico do sindicalismo cativou os investigadores. O fato de ser sindicalista e estar brigando por melhores condições de vida criou simpatia com os investigadores, disse. Contou que, um dia, chegou a deixar Tuma muito nervoso porque ele estaria fazendo assembleia com os funcionários do DOPS; 4) A princípio, ele tinha divergências com a militância política - Apesar de atuante no movimento sindical, afirmou que tinha divergências com a militância política – a começar por seu irmão mais velho, José Ferreira de Melo, o Frei Chico, que era militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Eu dizia para o Frei Chico assim: ‘O que você faz escondido, eu faço na porta da Volkswagen’, disse; 5) Foi vigiado durante 3 anos antes de ser preso - As investigações e o monitoramento de Lula começaram pelo menos três anos antes de ser preso. “Eles me vigiavam no cinema, na assembleia, a gente notava que eles estavam lá, às vezes, disfarçados no bar do sindicato. Na minha casa, por exemplo, eles paravam a perua na porta e passavam a noite, afirmou. Segundo Lula, o fato virou até piada na família. Para encher o saco, a Marisa [Marisa Letícia, esposa do Fundador] mandava fazer café e mandava levar para eles”, disse.
O que se pode afirmar é que se sabe o Brasil que temos hoje, mas não sabemos o que seriamos se o comunismo se tivesse instalado no Brasil.
Talvez estivéssemos do no paraíso stalinista.