00:00:00

ORACULO

A ESCOLA DO FUNDADOR


A ESCOLA DO FUNDADOR

JOBIS PODOSAN

Com a morte de Vargas em 1954, o Brasil entrou numa fase de grandes turbulências, com a Presidência da República sendo exercida pelos três políticos que compunham a linha de substituição do Presidente da República, segundo a Constituição de 1946: Café Filho, vice-presidente, que adoeceu e foi substituído por Carlos Luz, que era o Presidente da Câmara dos Deputados e, com o afastamento deste, assumiu Nereu Ramos, que era o vice-presidente do Senado Federal.

Toda essa confusão se deu entre a morte de Vargas em 24 de agosto de 1954 e a posse de Juscelino Kubitscheck, em 31 de janeiro de 1956.

O “menino” de Garanhuns, sofrendo a influência paterna de admiração por Vargas, viu a chapa dos partidos Varguistas PTB e PSD, ascenderem à presidência com o chamado “presidente Bossa Nova”, prometendo desenvolver o Brasil cinquenta anos nos seus cinco anos de mandato. Entre 1930 e a posse de Juscelino em 1956, o Brasil foi um país sem constituição escrita de 1930 a 1934 – Getúlio era a constituição viva -, ano em que foi aprovada a nossa terceira Constituição, por uma Assembleia Nacional Constituinte, que teve vida curta. Pouco afeito aos limites impostos pelo Direito, Getúlio Vargas golpeou a Constituição e impôs ao país a quarta Constituição, a do Estado Novo, em 1937, que, ao invés de limitar, ampliou os poderes do Presidente, tornando-o irresistível e incontrastável.

Após a queda de Vargas e seu Estado Novo em 1945, uma nova constituição foi aprovada e votada por uma Assembleia Nacional Constituinte, em 1946. O fundador do Brasil nasceu em 1945 e viveu os seus primeiros anos de vida sob a Constituição de 1946, considerada por muitos a melhor constituição, das oito que o Brasil já produziu. Mas o Brasil é pouco afeito à ordem constitucional, preferindo os exercentes do poder a constituição que lhe convém a cada momento. Ao invés de cumpri-la, preferem adaptá-la aos seus desígnios. 

É nesse caldo viscoso de personalismo, salvacionismo e caudilhismo que vai se formando a personalidade do “menino” Fundador. Os governantes querem “salvar” o país, “resolver” os problemas do país, ao invés de administrá-lo. Por causa disto os governos no Brasil são descontínuos, a cada um que acaba o seguinte começa do ponto zero. São permanentes soluções de continuidade. Quando um governo funciona razoavelmente, aquele que termina o mandato bem avaliado escolhe alguém da sua confiança para sucedê-lo por dois critérios: obediência e lealdade. 

Tal ideia malfazeja disseminou-se de tal forma que é a regra em todos os governos federativos do Brasil, surgindo daí a teoria do poste, pela qual um bom governante escolhe uma nulidade para sucedê-lo e esta nulidade destrói os dois, porque o pódio não é lugar para incompetentes. Sucedem-se amiúde prefeitos, governadores e presidentes bem avaliados que escolhem seguidores incompetentes para substituí-los e estes ou traem, materializando a vingança do capacho - ou arruínam a reputação do seu padrinho. Estamos muito longe ainda de aprender o que é rotina, por exemplo, na Inglaterra: o governo é sempre o mesmo, mudam os governantes, que criam coisas novas para melhorar as coisas velhas (chamam esse modo de ver de fair play, que significa ser justo, jogar limpo). A novidade é evolutiva, parte sempre do existente para melhorá-lo. Não são sucessivos recomeços, mas conservação do já feito, melhora no que se está se fazendo e alguma novidade dentro do quadro geral dos interesses do país, orientados pelos objetivos nacionais permanentes. Transitórios são as pessoas e não os governos. A ideia que desenvolve um país é sempre aquela em que o governante que sai passa para frente o governo, seja para um aliado, seja para um adversário, porque só existe adversário no plano político, eis que no plano governamental o que existe é continuidade no que é bom, adaptações para melhorar o que está sendo feito e alguma colaboração nova para caracterizar a ação do novo governo.

No Brasil, a cada campanha, para qualquer cargo, a palavra mais pronunciada é mudança, no sentido de fazer diferente, acabar com o que existe e inventar uma coisa absolutamente nova. O eleitorado também gosta da palavra mudança, cada um tentando se incluir entre os que serão por elas beneficiados. Existe uma tensão permanente entre o avanço e o recuo. O avanço é de esquerda e o recuo é de direita. 

Essas e outras tolices foram formando a cultura do saber ambientado do Fundador, que resultou numa pessoa sem raízes e nem asas, regida pelos momentos e circunstâncias, fazendo sempre o necessário ou conveniente para sobreviver politicamente. Não finca o pé e nem voa certeiramente. Ao redor dele pululam aproveitadores de toda espécie. Quanto mais ardente a defesa, maiores os interesses diretos e individuais dessas pessoas, porque o Fundador conseguiu o milagre de ser um grande continente, com pouco conteúdo. Move-se por interesses imediatos e inorgânicos, sem passado, sem futuro e, portanto, sem presente. Ele apenas satisfaz a sede de quem o segue cegamente, aqueles que creem nele com fé cega, esperado que do fruto da sua boa-fé romântica caiam alguns frutos saborosos. Mesmo estes não veem, contra toda a evidência, que caminham para o precipício. Alguns já estão lá.

Foi desse quadro pavoroso que o fundador sistematizou a teoria, já preconizada pelos seus ascendentes, do nunca antes, um modo de pensar que arruinaria qualquer país em pouco tempo, ainda que o Fundador fosse um deus, pois a ideia de um deus é uma concepção de permanência. A impermanência é um conceito humano, porque referente à nossa transitoriedade. Superamos a impermanência com a aquisição da certeza de que evoluímos como conjunto. Há cento e cinquenta anos nenhum de nós estava na terra encarnados. Daqui a cento e cinquenta anos nenhum de nós estará aqui. É esta a ligação entre o passado e o presente que constrói o futuro, sendo o nunca antes apenas uma prova irrefutável da inabilidade do Fundador para governar, por absoluta incompreensão do processo dialético. A consequência mais grave do nunca antes é que, ao desprezar o passado, surgem os oportunistas que enriquecem sem sujar diretamente as mãos: mãos limpas, dinheiro sujo, é o lema desses coitados, que retiram voluntariamente de si a dignidade humana e se transformam em meras carroças carregadas de açúcar e caminham para o cadafalso como se isto fosse mérito.

Carlos Lacerda, apelidado o Corvo, pregava sobre Juscelino, antes da eleição, em 1955: "esse homem [Juscelino Kubitscheck] não pode se candidatar; se se candidatar não poderá ser eleito; se for eleito não poderá tomar posse; se tomar posse não poderá governar", atraindo a atenção de simpatizantes. Porém, o movimento de 11 de novembro de 1955, sob a chefia do Marechal Henrique Lott garantiu a posse dos eleitos nas urnas.

No governo de Juscelino foram reiniciadas as confusões no país com o pipocar das denúncias de corrupção, do que aproveitou Jânio Quadros, outro candidato a salvador, para empolgar o poder e precipitar o Brasil em um buraco tão profundo que deu lugar ao golpe/revolução de 1964, do qual falaremos no próximo artigo.

Há alguns dias uma pessoa culta e influente me perguntou o que aconteceria se o Fundador fosse novamente eleito. No seu entendimento, alguma coisa deveria ser feita para impedir que ele tomasse posse, relembrando o pensamento de Lacerda.

A solução aqui é a mesma que foi dada lá: quem for eleito, deve tomar posse, lembrando a advertência de Nietzsche de que devemos ser generosos com o Fundador, que criou o monstro do poder dentro de si, porque “quando se luta contra monstros se deve ter cuidado para não se transformar num deles”, para não incorrer na advertência de Lênin: “um imbecil pode, por si só, levantar dez vezes mais problemas que dez sábios juntos não conseguiriam resolver”.

E, se assim for, haverá apenas um atraso no nosso avanço na direção de formar um país melhor, extirpando a casta dos “salvadores da pátria”, que infernizam o Brasil desde sempre. 

Enquanto a maioria dos brasileiros tiver fome e sede, serão eleitos os presidentes que oferecerem pão e agua.

Algum dia os instintos darão lugar à consciência. 

Últimas Postagens