- 19 de novembro de 2024
A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
JOBIS PODOSAN
Apesar de D. Pedro I ser pessoalmente a favor da abolição da escravatura e da opinião de José Bonifácio para que o cativeiro chegasse ao fim, ao outorgar a constituição de 25 de março de 1824, o Imperador, sob a presão do latifúndio, não teve forças para acabar naquele momento com a escravidão, que só veio a ser extinta em 1888.
Conta-nos a história que os negros, trazidos do continente Africano, eram transportados dentro dos porões dos navios negreiros. Devido às péssimas condições deste meio de transporte, muitos deles morriam durante a viagem. Após o desembarque eles eram comprados por fazendeiros e senhores de engenho, que os tratavam de forma cruel e desumana. Apesar de tal prática ser considerada “normal” do ponto de vista da “maioria”, havia aqueles que eram contra este tipo de abuso. Estes eram os abolicionistas (grupo formado por literatos, religiosos, políticos e pessoas do povo); contudo, tal prática permaneceu por mais de 300 anos. O principal fator que manteve a escravidão por um longo período foi o econômico. A economia do país contava somente com o trabalho escravo para realizar as tarefas da roça e outras, tão pesadas quanto aquelas. As providências para a libertação dos escravos deveriam ser tomadas lentamente.
A partir de 1870, a região Sul do Brasil passou a empregar assalariados brasileiros e imigrantes estrangeiros; no Norte, as usinas substituíram os primitivos engenhos, fato que permitiu a utilização de número menor de escravos. Já nas principais cidades, era grande o desejo do surgimento de indústrias. Visando a não causar prejuízo aos proprietários, o governo, pressionado pela Inglaterra, foi alcançando seus objetivos aos poucos. O primeiro passo foi dado em 1850, com a extinção do tráfico negreiro. Vinte anos mais tarde, foi declarada a Lei do Ventre-Livre (de 28 de setembro de 1871). Esta lei tornava livres os filhos de escravos que nascessem a partir de sua promulgação. Em 1885, foi aprovada a lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos Sexagenários que beneficiava os negros de mais de 60 anos. Foi em 13 de maio de 1888, através da Lei Áurea, que liberdade total finalmente foi alcançada pelos negros no Brasil. Esta lei, assinada pela Princesa Isabel, abolia de vez a escravidão no Brasil.
Moisés Silva, ancestral do Fundador do Brasil, teve destacada participação nos episódios que resultaram na libertação dos escravos, conquanto a historiografia oficial dele não dê conhecimento.
Esse Moisés, tal e qual os ancestrais do Fundador, era barbudo, tinha voz rouca, perdeu o dedo mínimo da mão esquerda num acidente de trabalho e já usava o bordão que tornaria o Fundador famoso. Durante as lutas pela abolição Moisés começou a participar e produzir coisas nunca antes vistas neste país.
Amigo de Joaquim Nabuco, que dizem tinha a língua presa, como os futuros integrantes do Partido criado pelo Fundador, achou também charmoso o hábito de falar com a língua entre os dentes e passou a dizer os seus nunca antes com voz ciciada. Nabuco, pernambucano que conviveu com a dureza da escravidão, era jurista, escreveu poemas, foi um patriota. O tema da escravidão estava presente em sua obra literária desde seu primeiro trabalho, nunca publicado, chamado "A escravidão". Porém, teve sucesso quando, em 1883, publicou "O Abolicionismo", durante período em que esteve em Londres.
Também ouviu falar de certo Castro Alves, que disse em uma poesia chamada Navio Negreiro: “Auriverde pendão de minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança, estandarte que a luz do sol encerra, e as promessas divinas da esperança”, deixando Moisés empolgado com a força e a beleza dos versos, pena que não leu o poema todo, dado que os Silvas, desde os ancestrais até o Fundador, não tinham paciência para leituras.
Além de Nabuco e Castro Alves, Moisés conviveu com o baiano Rui Barbosa, que foi advogado, jurista, jornalista, ensaísta, orador, diplomata, deputado, senador, ministro e candidato a Presidente da República duas vezes. Sua participação na luta contra a escravidão foi uma das manifestações de seu amor ao princípio da liberdade – todo tipo de liberdade.
Assim como Joaquim Nabuco, Rui Barbosa estudou Direito em Recife e em São Paulo, mas foi no Rio de Janeiro que Rui Barbosa abraçou a causa da abolição. Contudo, a defesa da liberdade também o levou a ser exilado, em 1893, quando discordara do golpe que levou Floriano Peixoto ao poder e, por isto, pedira a libertação de presos políticos daquele governo ditatorial. Outros companheiros notáveis foram José do Patrocínio, André Rebouças, Antônio Bento e Luís Gama. Tal como José do Patrocínio, Luís Gama foi filho de uma miscigenação de cores. Seu pai era branco, de rica família da Bahia, e sua mãe era uma africana rebelde. Contudo, um episódio trágico faria com que se afastasse da mãe, exilada por motivos políticos, e fosse vendido como escravo pelo próprio pai, vendo-se à beira da falência. Bem merecia ser um Silva, a ser ilustrado com a refulgente luz do Fundador. Por Antônio Bento, Moisés tinha particular afeição, pois havia sido torturado e seu martírio, além de mostrar as agruras da escravidão, foi de uma inevitável comparação do martírio do negro ao martírio de Cristo.
Como Alá, mais sábio que eles todos, o Fundador do Brasil, misto da sabedoria desses homens notáveis, herdou essa coragem mítica, mística e indômita, que certamente o levará à ascensão aos Céus, em meio às glórias e aleluias do seu povo.
Ou, quem sabe, ao panteão dos mártires, depois da descida do cadafalso do martírio.