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Médicos Cubanos

\"Desafio\", dizem cubanos do \'Mais Médicos\' que atuam com índios de RR.


"Ajudou muito", elogia cacique

Valéria OliveiraDo G1

Viajar de Boa Vista e passar mais de 12 horas para chegar em um polo de saúde indígena. Andar mais de quatro horas em trilhas, atravessar rios, dormir em rede, medicar e examinar pacientes apenas com itens básicos, como estetoscópio e medidor de pressão. Este é o relato ao G1 do trabalho de dois médicos cubanos, Ricardo Rodrigues e Ricardo Viota, integrantes do 'Mais Médicos', que atuam há dois anos em áreas indígenas de Roraima.

Ricardo Rodrigues, de 52 anos, conta que conheceu a Amazônia somente após o programa do governo federal. Ele afirma que tudo o que passou nos últimos dois anos não era nem de longe o que havia imaginado, mas atuar no Brasil com os índios Yanomami fazia parte de um sonho profissional.

Em 2013, quando ingressou no programa, o cubano escolheu o Distrito Sanitário Especial Indígena - Yanomami (Dsei-Y) para trabalhar. Na época, em entrevista ao G1, ele disse querer contribuir com as comunidades indígenas. De lá pra cá, passou por dois polos-bases no Amazonas e mais seis comunidades em Roraima.
Atualmente, ele que atende na região do Surucucu, município de Alto Alegre, localizada a 400 quilômetros da capital, relata que o principal desafio enfrentado diariamente é a dificuldade de fazer a remoção de pacientes das comunidades distantes. Mas agradece a Deus por nunca ter visto nenhum paciente morrer.
"Tenho 27 anos de atuação. Desses, dois foram no 'Mais Médicos', com Yanomami. Os índios têm vida muito diferente, são muito fortes. Mas, eles não têm muita resistência para gripes ou resfriados. Os curumins [crianças indígenas] sofrem muito com pneumonia. Nunca fiz tantos diagnósticos dessa doença. Mas, graças a Deus, durante esse tempo, nunca vi nenhum paciente meu morrer", disse Rodrigues.
O médico, que não tem um número definido de pacientes por dia, mas que cumpre um cronograma de assistência básica de saúde, como realização de consultas, exames e acompanhamento de gestantes e crianças, afirma que dormir em rede foi uma superação desde que veio de Cuba para ingressar no programa. "Hoje está tranquilo", garantiu.
Religioso, Rodrigues disse que trabalha nas comunidades sempre com muita fé. "Certa vez, em abril do ano passado, passei a noite inteira cuidando de um bebê com pneumonia grave. Medicamos para que o quadro não evoluísse, não tínhamos muito o que fazer. Achei que não ia conseguir, mas, ao amanhecer o curumim apresentou melhora e ao acordar sorriu pra mim. Eu só pensei: 'Como Deus é grandioso'".

Aprendizado

Para o médico cubano Ricardo Viota, de 51 anos, trabalhar no 'Mais Médicos' em comunidades indígenas de Roraima foi uma "nova universidade".
Equipe médica da comunidade indígena da Malacacheta (Foto: Valéria Oliveira/G1 RR)
  
Ele, que trabalhou um ano com os Yanomami e atualmente atende índios Wapixana na comunidade Malacacheta, município do Cantá, a cerca de 40 quilômetros de Boa Vista, também conheceu o Brasil por meio do programa, há dois anos.
"Já atuei em outros cinco países. Esta é a minha primeira vez no Brasil e também a primeira com o trabalho voltado para a saúde indígena, o que para mim tem sido uma nova universidade", contou ele ao destacar que está impressionado com o que viu: "nossa presença se fazia necessária. As crianças precisavam de nós".
Viota relata que o alto índice de pneumonia em bebês indígenas é algo fora do comum se comparado à experiência dele de 25 anos de profissão. "As doenças respiratórias agudas são infecções que eles não aguentam muito. Trabalhamos muito para evitar isto", afirmou o médico.
Além disso, ele também contou que cuidar de pessoas feridas por picada de cobra foi uma experiência que ele nunca havia passado. "Atendemos um paciente que havia sido mordido por uma cobra. Ele, quase morto, vomitava muito sangue. Rapidamente, iniciamos o trabalho. Devido ao efeito do remédio, ele dormiu e horas depois melhorou", falou.

Aprovação dos indígenas

O líder indígena da Malacacheta, Simeão Mecias, aprova a atuação de Viota dentro do programa 'Mais Médicos'. Para ele, o atendimento às famílias da região evita que os pacientes tenham que se deslocar até a capital.
"Ajudou muito. Nossa população vem crescendo e em Boa Vista não é diferente, onde os hospitais estão sempre lotados. Com o médico na comunidade, as doenças mais simples podem ser tratadas por aqui", frisou.

Jornada de trabalho

Os dois médicos trabalham nas comunidades durante 15 dias seguidos. Após esse tempo, eles folgam por dez dias e nos outros 5 dias fazem, por meio do Ministério da Saúde (MS), um curso on-line de especialização em saúde indígena.
Durante esses dois anos, os médicos Ricardo Rodrigues e Ricardo Viota estiveram em seu país de origem apenas por duas vezes. E apesar de passar muito tempo em áreas onde a comunicação é apenas via rádio, ficar longe da família é o que mais faz falta, relataram.
O contrato dos médicos deve se encerrar em 2016 e, caso não seja renovado, os planos são voltar para casa. "Devo voltar para Cuba e passar um tempo com meus filhos", planeja Viota. "Não gosto muito de pensar no que vou fazer no futuro mas, certamente, irei ver minha família", finaliza Rodrigues.

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