- 29 de outubro de 2024
Biológos temem fim do pescado
SIMON ROMERO
DO "NEW YORK TIMES"
Enquanto macacos guinchavam perto desse posto avançado nos confins da floresta Amazônica, Valdenor da Silva conduzia sua canoa por lagos e canais em busca de sua presa.
"Os gigantes do rio estão abundantes neste ano", disse Silva, 44, pai de oito filhos que sustenta a família pescando pirarucu, um dos maiores peixes de água doce do mundo.
Sorrindo, o pescador, que tem 1,70 metro de altura e pesa 73 quilos, acrescentou: "Todos os pirarucus que apanhei nesta temporada são maiores que eu".
O pirarucu pode ter até 2,10 metros e pesar mais de 180 quilos, o que o insere na categoria de peixes colossais de água doce, como o pangásio e o bagre do rio Mekong. Com a pesca intensiva e a degradação de habitats ameaçando esses gigantes fluviais em várias partes do mundo, populações ribeirinhas e biólogos estão trabalhando juntos para salvar o pirarucu da Amazônia. Eles proibiram forasteiros de pescar o peixe e estão mudando os métodos para capturá-lo.
Tais esforços resultam em um caso pioneiro de êxito na Amazônia, além de constituir uma estratégia para enfrentar uma crise mais ampla de extinção de peixes de água doce.
"Até pouco tempo atrás, temíamos que o pirarucu selvagem desaparecesse da Amazônia", comentou Ruiter Braga, técnico de pesca na reserva florestal Mamirauá, que ajudou a desenvolver um regime de manejo que fez a população de pirarucus na área aumentar mais de 400%. "Mas nós concluímos que a única maneira de salvar o pirarucu era envolver os povos da floresta, que dependem dos peixes para sobreviver."
Em 1996, autoridades proibiram a pesca de pirarucu no imenso Estado do Amazonas, porém concederam aos povos locais direitos exclusivos de pesca nas águas em seu território.
Alguns vilarejos também proibiram o uso de redes que apanham os peixes pelas guelras. Certas comunidades obrigam à soltura de pirarucus com menos de 1,5 metro, para favorecer a ovação e a proliferação dos peixes.
Grande parte da pesca de pirarucu retomou suas raízes, que envolvem o uso de arpões, bastões e canoas. Pescadores empalam o pirarucu com seus arpões em forma de lanças. No momento em que são puxados, os pirarucus são tão fortes que podem emborcar as pequenas canoas e lançar os pescadores nas águas infestadas de jacarés e piranhas. Por isso, os peixes são puxados para dentro das canoas e abatidos com paus.
"Não é fácil pescar pirarucu, mas nós apreciamos todas as partes desse peixe", disse o pescador Henrique Alcione Batalha, 46, da comunidade de São Francisco da Capivara. Em uma noite recente, ele e sua família se regalaram com a cabeça de um pirarucu.
Há séculos o peixe é consumido em postas desossadas e considerado uma iguaria na Amazônia.
Pirarucus maiores chegam a custar mais de US$ 200 (R$ 510) em postos avançados da região.
A popularidade do pirarucu salgado está aumentando em algumas partes do Brasil.
Mais de 1.400 pescadores na reserva de Mamirauá e em seu entorno adotam o regime de manejo de pesca do pirarucu e respeitam as devidas cotas.
Em 2013, eles ganharam cerca de US$ 650 (R$ 1660), uma soma bem-vinda em vilarejos remotos. Todavia, a pesca ilegal de pirarucu ainda é abundante em partes da Amazônia, o que reduz os preços do peixe em feiras livres.
"Esperamos que o pirarucu possa vencer esses desafios, pois sua extinção tiraria o sustento de vilarejos em toda a Amazônia", afirmou Claudio Batalha, 47, coordenador do projeto pesqueiro local. "Se sua pesca não se tornar sustentável, mais forasteiros poderão querer usurpar a floresta, concretizando a ameaça de um desmatamento maior", concluiu.